tag:blogger.com,1999:blog-12138652507285334832024-03-05T20:56:55.418-03:00Cabide mentalRefletir não dói. Experimente. Você vai gostar.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.comBlogger74125tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-29965291658534556902014-04-12T13:39:00.000-03:002014-04-12T13:39:19.689-03:00O abismo também olha<div style="text-align: justify;">
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5ioEZQ5874QA1mtgeIyNTdSH_Te0Sd-eIC1-FuYgFKAtqmqdlKvaeOc3sMGsoEZAlq2QcSlCamfzpxTHhFKnI2Hc4QsTmGXPOEBYY9Fm-ogRQYdXUtVVIeZ4Ck-NPV6JoEVuDUynFF8Y/s1600/alailton.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5ioEZQ5874QA1mtgeIyNTdSH_Te0Sd-eIC1-FuYgFKAtqmqdlKvaeOc3sMGsoEZAlq2QcSlCamfzpxTHhFKnI2Hc4QsTmGXPOEBYY9Fm-ogRQYdXUtVVIeZ4Ck-NPV6JoEVuDUynFF8Y/s1600/alailton.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Alailton Ferreira, 17 anos, com problemas mentais. Qual foi seu crime?</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns disseram que Alailton tentou roubar uma moto. Outros disseram que ele tentou estuprar uma mulher. Outros, ainda, disseram que ele tentou abusar de uma criança. Na verdade, ninguém sabe exatamente o que Alailton fez ou tentou fazer.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas atualmente não é necessário que haja uma acusação específica. Basta que alguém seja eleito o alvo da fúria "justiceira" da sociedade, para que uma multidão - real ou virtual - atribua a si o direito de "fazer justiça" - o que quer que isso signifique.</div>
<div style="text-align: justify;">
Alailton, adolescente negro de 17 anos, com problemas mentais, foi brutalmente linchado por uma turba furiosa, na cidade de Serra, no Espírito Santo. Levado ao hospital, não resistiu aos ferimentos e morreu. </div>
<div style="text-align: justify;">
Destaco o seguinte trecho da <a href="http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/04/jovem-negro-e-espancado-e-apedrejado-ate-morte-espirito-santo.html" target="_blank">matéria publicada a respeito do fato</a> no site Pragmatismo Político:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Aos gritos de 'mata logo' e de vários xingamentos, o espancamento aconteceu às margens da BR 101, na tarde do último domingo (6), no bairro de Vista da Serra II, cidade da Serra, a cerca de 30 km da capital Vitória, no Espírito Santo. Só depois de duas horas de muita violência, a Polícia Militar chegou ao local, colocou o jovem na viatura e o levou até a Unidade de Pronto Atendimento. 'Os policiais militares descreveram no boletim de ocorrência que foi necessário utilizar spray de pimenta para conter os populares', disse o delegado-chefe do DPJ, Ludogério Ralff."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
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Segundo <a href="http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2014/04/noticias/cidades/1484061-moradores-tentam-fazer-justica-com-as-proprias-maos-e-matam-jovem.html" target="_blank">reportagem da Gazeta Online</a>, um morador do local, Ueder Santos, afirmou: <i>"ninguém viu esse tal estupro ou mesmo quem é a suposta vítima. O menino até disse que era 'noiado', e ele nem reagia."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
A barbárie praticada contra Alailton, tenha ele ou não cometido qualquer crime, é sintomática da sede de vingança - recuso-me a usar a palavra "justiça" em circunstâncias tão vis - da sociedade contra o aumento da criminalidade. Uma vingança algo esquizofrênica, que emula o ato que pretende punir, num retorno pavoroso à Lei de Talião.</div>
<div style="text-align: justify;">
Que parcela significativa da sociedade aplauda essa selvageria, sem se dar conta de que, ao fazê-lo, se transforma naquilo que condena, é preocupante. Mais desconcertante do que ver "gente de bem" (essa peculiar fauna que assim se autointitula) defendendo e apoiando atos dessa natureza, é ver que essa mesma "gente de bem" não tem consciência do quanto se aproxima, em termos essenciais, da... chamemos de "gente do mal" (que deve ser linchada, esquartejada e retalhada em público), ao apoiar e defender esse tipo de reação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quem aplaude a selvageria das ruas também aplaude a selvageria do interior dos presídios. Se o bandido não foi literalmente para o inferno, a cadeia deve servir como simulacro deste. E o "sorriso sorridente de São Paulo diante da chacina" (tristemente eternizado por Caetano e Gil em <i>Haiti</i>, de 1993) já não é mais só paulista. Já é um sorriso maranhense, carioca, baiano, mineiro... é um sorriso brasileiro.</div>
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Mas, como lembrava Nietzsche, <i>"quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
A recente moda dos "justiceiros" (novamente, a mais inadequada das palavras), dos criminosos presos aos postes, das cabeças decepadas em presídios, do retorno àquela violência sistêmica apontada por Foucault em <i>Vigiar e Punir</i>, conta com o endosso (antes silencioso, agora cada vez mais alto) dessa "gente de bem", que encontra nos Bolsonaros, Rogers, Lobões, Sheherazades, Azevedos, Constantinos <i>et alli</i> todo um panteão de novos profetas, capazes de verbalizar seus medos e suas estranhezas diante de um mundo que eles não são mais capazes de compreender. </div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, não apenas retornamos à Idade Média, mas temos quem vibre com isso, e pior, quem nos diga que é assim que as coisas devem ser.</div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto isso, os Alailtons da vida continuam a ser massacrados (qual foi mesmo o crime dele?) e a "gente de bem", que sonega impostos, que compra CD pirata, que falsifica carteira de estudante, que compra sua <i>cannabis </i>(de quem mesmo?), que suborna o policial quando cai na "blitz", aplaudindo e sorrindo, repete o velho bordão: bandido bom é bandido morto.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-54748253645217234512014-01-22T15:59:00.000-02:002014-01-23T09:22:18.312-02:00Quem mexeu no meu rolezinho?<div style="text-align: justify;">
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_nnFluanjSeLphsrLBvkAX3Mpe3rlYagIfI5I6-S67I9sNFEWa19Ez4GEuBY95frCOtplB0cAFEXnS7gF7pw3RerWzodcbs9V2kQNYY2jVhonVIEV4VfhDvVu820w5kGH1TT4Pvhqs4w/s1600/rolezinho2.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_nnFluanjSeLphsrLBvkAX3Mpe3rlYagIfI5I6-S67I9sNFEWa19Ez4GEuBY95frCOtplB0cAFEXnS7gF7pw3RerWzodcbs9V2kQNYY2jVhonVIEV4VfhDvVu820w5kGH1TT4Pvhqs4w/s1600/rolezinho2.png" height="262" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
"Por que eu iria ficar duas horas dentro de um ônibus para fazer compras num lugar em que tudo é mais caro e ninguém me conhece?"</div>
<div style="text-align: justify;">
Quem faz a pergunta é Evandro Farias de Almeida, adolescente de periferia, "famosinho" do Facebook (mais de 13.000 seguidores) e ídolo de uma garotada que vive uma realidade muito distante dos debates políticos que tomaram conta da mídia desde a semana passada, quando a polêmica dos "rolezinhos" teve início.</div>
<div style="text-align: justify;">
A pergunta é pertinente não só porque demonstra o despreparo dos shopping centers em lidar com o fenômeno - que não se limita aos abusos dos seguranças nem aos receios dos lojistas, mas também à própria (equivocada) percepção de que a turma dos "rolezinhos" atravessaria a cidade para se encontrar, digamos, no Shopping JK Iguatemi - como também revela o oportunismo de alguns ideólogos de almanaque, que resolveram, à revelia da garotada, se apropriar dos "rolezinhos" para reverberar um discurso que não tem relação alguma com esses eventos.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYP_KWtZhNE7lulYhgfhL5NKuzwDAtoA8_XoOFF10ibAmve48iFhopmRluE27R1CROC-O4Lg5pEivASGUdMdZznxAk7Ajaip1d06iDqex85cP9SOkXeD1O9q7790u9KWXjihmGgA6PXcM/s1600/despreparo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYP_KWtZhNE7lulYhgfhL5NKuzwDAtoA8_XoOFF10ibAmve48iFhopmRluE27R1CROC-O4Lg5pEivASGUdMdZznxAk7Ajaip1d06iDqex85cP9SOkXeD1O9q7790u9KWXjihmGgA6PXcM/s1600/despreparo.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Rolezinho" no Shopping Guarulhos: a imagem do<br />
despreparo para lidar com a situação.</td></tr>
</tbody></table>
</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há novidade alguma nos "rolezinhos". Um grupo grande de adolescentes combina de se encontrar, fazer bagunça, beijar na boca e dar risada. Houve, porém, uma mudança de comportamento: por conta das redes sociais, os grupos se tornaram muitos maiores, e a garotada passou a correr em grupos, entoando refrões de funk ostentação. Isso assustou lojistas e clientes, é claro. Daí a reação, algo desmedida, não de todo injustificada, e pessimamente executada, por parte da polícia, dos shoppings e do Poder Judiciário.</div>
<div style="text-align: justify;">
A repressão excessivamente pesada no Shopping Itaquera - local que dificilmente alguém elegeria como "reduto da burguesia" ou "templo da elite" - gerou revolta nos movimentos sociais. Compreensível. Igualmente compreensível é a assunção do fato como pretexto para a defesa de bandeiras historicamente consagradas por esses movimentos. O que não é admissível, por outro lado, é atribuir aos "rolezinhos" uma natureza que eles obviamente não possuem.</div>
<div style="text-align: justify;">
A revista <a href="http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/01/1398657-datena-maria-rita-kehl-e-jovens-dao-sua-visao-dos-rolezinhos-em-sp.shtml" target="_blank">sãopaulo</a>, da Folha de São Paulo, perguntou a várias pessoas "o que é um rolezinho". Vale a pena comparar essas duas respostas, que estão na mesma reportagem:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Eduardo, 17, organizador dos rolê do shopping Aricanduva</b></div>
<div style="text-align: justify;">
"O primeiro que a gente fez em Itaquera foi só para amigos, teve menos de 500 pessoas. Shopping é um local aberto de fácil acesso para várias pessoas de fora participar. <b><u><i>Nosso objetivo é de jovem: pegar mulher</i></u></b>. Até aí tudo bem, tivemos um bom resultado nisso. Falamos: 'vamos fazer o Parte 2'. Aí convidamos geral, em torno de 20 mil jovens, 10 mil confirmados. Não esperávamos tanto retorno assim. Isso antes da baderna. <b><i><u>Como o shopping tava muito lotado, todo mundo foi pro estacionamento. De repente chegaram umas pessoas que com certeza não sabem curtir carro de som. Foi aí que começou o baile funk no estacionamento e os seguranças foram pedir para tirar o som. Educadamente. Até aí, tudo certo. Aí esses caras agrediram os seguranças. Eles tavam consumindo droga antes de o baile começar. Aí os seguranças chamaram a polícia, certo?</u></i></b> As viaturas chegaram fazendo zigue-zague, atacando bomba de efeito moral. Todo mudo com medo foi pra dentro do shopping. O que o pessoal falou que foi arrastão não foi. O verdadeiro arrastão foi dessa galera que anarquizou o estacionamento. Esses mesmos caras entraram no shopping e começaram a roubar os próprios jovens, nós mesmos. Não invadimos loja, não teve 'saqueamentos', nada disso. As lojas estavam fechadas. Aí a polícia fez o quê? Começou a atacar spray de pimenta na nossa cara, pra poder dispersar a multidão. E deu nisso. <b><i><u>Não vou mais porque os marginais se envolvem. Só queria pegar mulher</u></i></b>. Eu sou estagiário em órgão público, cara, pra que eu vou roubar? <b><i><u>Então, se for pra proteger a segurança e as pessoas de bem, está mais que certo, polícia tem que vir mesmo</u></i></b>."</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Maria Rita Kehl, psicanalista</b></div>
<div style="text-align: justify;">
"Toda inclusão econômica exige, em um segundo momento, o reconhecimento da pertença a uma nova classe social. Claro que os jovens da periferia não pertencem a essa classe que compra nos shoppings, mas chegaram mais perto dela. E muitos deles hoje podem comprar algumas mercadorias que estão ali. <b><i><u>A performance dos rolezinhos funciona como denúncia da discriminação, mas não sei se eles fazem isso conscientemente ou apenas movidos pelo mal estar de saber que não são bem vindos nos templos de consumo de uma sociedade que, até o momento, só promoveu inclusão via consumo</u></i></b> - e não via cultura, acesso a serviços públicos de qualidade etc."</div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i></div>
<div style="text-align: justify;">
É evidente o descompasso entre a análise acadêmico-ideológica da psicanalista e a opinião de um dos organizadores dos "rolezinhos". Os meninos e meninas que se encontram nos shoppings querem ascender socialmente, querem beijar na boca, querem ter acesso aos bens de consumo que estão nas vitrines. Não estão nem aí para o discurso anticapitalista, até porque são francamente simpáticos ao capitalismo. Usar as distorções que o caso concreto expõe para defender as próprias bandeiras é válido e justo. Querer incluir essa garotada numa causa que obviamente não lhes interessa (e que, ao contrário, lhes causa rejeição) é intelectualmente desonesto. Falar em "denúncia inconsciente" soa ridículo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Apesar disso - e como já era previsível que ocorresse - a polêmica dos "rolezinhos" vem se prestando a toda sorte de discurso ideológico (ideologia de botequim), da extrema-direita à extrema-esquerda, a maioria deles tratando a meninada como rã de laboratório, sem indagar a essa juventude o que ela, de fato, quer ou pensa.<br />
Emblemática, nesse sentido, é a cilada fácil da demonização dos donos dos shoppings, dos lojistas e do público que frequenta tais locais.<br />
Ainda que o Brasil seja campeão mundial de desigualdade e que a sociedade brasileira seja indiscutivelmente racista, adotar posturas maniqueístas não contribui em nada para um debate público que eventualmente leve à superação desses problemas. Nesse sentido, se a Constituição Federal define o Brasil como um país capitalista, se garante a livre iniciativa, e se - como parece - a maioria da sociedade aceita o capitalismo, transformar lojistas e clientes em vilões <i>ipso facto</i> soa tão antidemocrático quanto o racismo e a exclusão social.<br />
Será justo demonizar o lojista que fecha as portas de seu estabelecimento ao ver uma multidão de jovens correndo e entoando hinos de funk ostentação? Será correto chamar de "elite racista" a clientela que se assusta diante de uma manifestação dessas? Será preconceituoso acreditar que nessas multidões, ainda que a maioria esteja bem intencionada e queira apenas se divertir, pessoas mal intencionadas podem se ocultar e se valer do anonimato que a multidão confere para a prática de crimes?<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh91iC6IQ8xunjReZOqFcPUB5f4uAOFrXbUycvz43sak-JO3K9QpS3E6KC2Rm5LtI2hf8A0gor2mSiZI0yY9atzxDjt0zdwRVUuu3vT20PP9zW8sxzXnFB9fUtsVO4LWensVEMrKLq3fCI/s1600/rolezinho.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh91iC6IQ8xunjReZOqFcPUB5f4uAOFrXbUycvz43sak-JO3K9QpS3E6KC2Rm5LtI2hf8A0gor2mSiZI0yY9atzxDjt0zdwRVUuu3vT20PP9zW8sxzXnFB9fUtsVO4LWensVEMrKLq3fCI/s1600/rolezinho.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O "rolezinho": a difícil conciliação de<br />
interesses diversos numa democracia.</td></tr>
</tbody></table>
Se a resposta a essas perguntas for um invariável "sim", o que dizer do jovem Eduardo, organizador dos "rolezinhos", que afirma que <i>"se for pra proteger a segurança e as pessoas de bem, está mais que certo, polícia tem que vir mesmo"</i>?<br />
Indo mais além: os vendedores das lojas de shoppings, cujos salários são compostos em grande parte por comissões, também fazem parte da elite-racista-capitalista-promotora-da-exclusão-social e por isso devem ser punidos, mesmo que também morem na periferia?<br />
A manifestação promovida pela UNEAfro em frente ao Shopping JK Iguatemi no último sábado, dia 18, <i>"contra a discriminação praticada pelos shoppings de São Paulo quando há restrição da entrada ao espaço e seleção, pela aparência, dos que podem entrar"</i> levou ao fechamento do shopping. Segundo a <a href="http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1399646-com-rolezinho-marcado-shopping-jk-iguatemi-ainda-nao-tem-aglomeracoes.shtml" target="_blank">Folha de São Paulo</a>, <i>"uma das lideranças da organização foi à delegacia por volta das 15h20 para registrar ocorrência de crime de racismo".</i><br />
<i> </i>Racismo?<br />
Quantos negros aparecem na fotografia abaixo? Impedir que a manifestação ocorra no interior do shopping é uma postura a ser debatida. Mas será possível falar em racismo no evento registrado nessa fotografia?<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1pnUHoo9zVwGtn2yu6p76L1eyT2N3XvDVLZ30zfpjMm1TIM170rzrUF0nGorxeTpkCLBWKrk6MoZMO4R5bBvCQOW04SwIOzx72crnC7KisQ-qJsC-EL6W4T25P4_VPTUlrwJUAf3afqY/s1600/jk.jpeg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1pnUHoo9zVwGtn2yu6p76L1eyT2N3XvDVLZ30zfpjMm1TIM170rzrUF0nGorxeTpkCLBWKrk6MoZMO4R5bBvCQOW04SwIOzx72crnC7KisQ-qJsC-EL6W4T25P4_VPTUlrwJUAf3afqY/s1600/jk.jpeg" height="245" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Movimento da UNEAfro em frente ao Shopping JK Iguatemi:<br />
Proibir a entrada desses manifestantes é racismo?</td></tr>
</tbody></table>
Em que essa manifestação contribuiu para o debate público sobre o racismo e, principalmente, para sua superação?<br />
Ainda que a postura (equivocadíssima) do Shopping JK, dias antes, de selecionar "pela aparência" (e não pela cor, o que é bem diferente) quem precisaria apresentar identificação para entrar (o que também não é a mesma coisa que proibir a entrada), mereça críticas e mostre despreparo para lidar com a situação, qual foi a contribuição dada pela manifestação da UNEAfro para fomentar um debate válido sobre a questão? As faixas levantadas pelos manifestantes, algumas com dizeres em inglês e menções ao "país da copa", demonstram que a manifestação tinha mais a intenção de causar repercussão internacional do que de promover um debate sério.<br />
Essa manifestação, obviamente, não tem qualquer relação com os "rolezinhos". E ainda que a causa seja justa, o oportunismo de se valer do tema dos "rolezinhos" não parecia justificável naquele local (voltando às palavras do jovem Evandro, que dão início ao texto: "Por que eu iria ficar duas horas dentro de um ônibus para fazer compras num lugar em que tudo é mais caro e ninguém me conhece?"). O movimento soou como pura manobra de massa, daquelas em que há pouco pensamento e muita histeria. Era quase possível ouvir a multidão murmurar, entre outras palavras de ordem, à moda orwelliana: <i>"four legs good, two legs bad..."</i><br />
Os shopping centers, <i>como a grande maioria dos estabelecimentos comerciais</i>, sempre foram locais onde a exclusão social se mostrou com maior clareza. Contudo, se um mendigo é expulso de uma loja de rua por seguranças, os movimentos sociais não parecem se sensibilizar, por mais brutal que seja o tratamento dado. A simbologia de "templo das elites" do Shopping JK cai como uma luva para o debate que movimentos como a UNEAfro pretendem instaurar. Mas a forma escolhida não parece a melhor, no mínimo, por sua inefetividade.<br />
Mais do que isso: antes desses fatos, jovens de periferia que quisessem passear pelos tais "templos da elite" receberiam, quando muito, um olhar mais atento por parte dos seguranças (sim, a exclusão social, inclusive em incontáveis níveis simbólicos, existe e se manifesta). Diante da polêmica e de sua repercussão, o olhar sobre esses jovens - de regra já não muito generoso - tende a se tornar ainda mais rigoroso. Nesse funk do ativista doido, foram justamente os jovens de periferia, os protagonistas dos "rolezinhos", que perderam espaço.<br />
Se isso é bom - porque expõe ainda mais uma ferida social e essa exposição fomentará o debate e, por conseguinte, a busca de uma solução - ou se é ruim - porque acirra ainda mais o preconceito e a exclusão social - , cabe a cada um decidir.<br />
<br />
<br /></div>
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<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-22705903614169381482013-12-13T17:45:00.000-02:002013-12-13T18:02:57.685-02:00Um blog lerdo ou o dia em que virei um PIG-Petralha<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdl996qGn_O89e59Vz5CPWk0jMO3aXxGd6UuvS_T3bvUISQ5UpOB7YN4aR3dwF3wrIMcyTWis9UFXzo9LgbSy2xRjeWlopU2irOvVPw0FeSqEX_vZowq0q1o7YImiPzCfNFc5Nz6nxzGQ/s1600/pt-braco-esquerdo-da-direita.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdl996qGn_O89e59Vz5CPWk0jMO3aXxGd6UuvS_T3bvUISQ5UpOB7YN4aR3dwF3wrIMcyTWis9UFXzo9LgbSy2xRjeWlopU2irOvVPw0FeSqEX_vZowq0q1o7YImiPzCfNFc5Nz6nxzGQ/s1600/pt-braco-esquerdo-da-direita.gif" height="288" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os leitores deste blog já perceberam que, nos últimos tempos, o ritmo de produção de textos deu uma boa diminuída. Felizmente (para mim), recebi algumas mensagens indagando o porquê desse (quase) silêncio e - surpresa, surpresa! - pedindo mais textos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Fico feliz, é claro. Sinal de que tem gente que efetivamente lê o que eu escrevo. E que merece uma explicação sobre a queda da produtividade cabideira.</div>
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Fim de ano é um período insano para qualquer professor, e o volume de trabalho (não só acadêmico) dos últimos meses bagunçou minha agenda. Mas seria mentira afirmar que esta foi a única - ou a principal - razão para que este se tornasse - como um leitor chamou numa mensagem que recebi - um "blog lerdo".</div>
<div style="text-align: justify;">
O principal motivo da lerdeza blogueira do Cabide é preguiça. Isso mesmo, preguiça.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não é preguiça de escrever, nem de debater. É preguiça de <i>tentar </i>debater o que quer que seja, numa época em que muita gente parece não distinguir <i>debate </i>de <i>embate.</i> Ou mesmo de <i>combate</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
A dialética é sempre deliciosa, mesmo quando infrutífera, mesmo quando o confronto de ideias antagônicas não leva a nenhuma conclusão. A preguiça não vem da contraposição dessas ideias (sem a qual a dialética nem existiria). Mas nos últimos tempos - talvez, de forma mais evidente, neste último ano - a contraposição deu lugar a uma polarização extremada, ideológica e, em última análise, desprovida de conteúdo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Talvez isso tenha ocorrido por conta do julgamento do Mensalão. Talvez não, e o Mensalão só tenha evidenciado o que já existia. Mas esse julgamento é emblemático e mostra a que ponto a troca de ideias chegou - ou desceu.</div>
<div style="text-align: justify;">
Foi um julgamento com muitos erros, não só processuais, como de postura por parte dos ministros. Ainda assim, e com todas as (merecidas) críticas que se possam fazer à decisão final, não deixa de ser positivo reconhecer que, ao contrário do que ocorria na era FHC, o STF firmou posição quanto à sua independência em face do Legislativo e do Executivo federais. Mais do que isso, políticos de relevância nacional se viram frente a uma situação inédita no país: a de arcar com as consequências de suas escolhas. E todo o processo transcorreu sem abalos significativos na estabilidade das instituições públicas.</div>
<div style="text-align: justify;">
A rigor, a decisão conseguiu a proeza de não agradar totalmente a ninguém. A ala conservadora da sociedade, embora tenha festejado as condenações, criticou desde o tempo que o processo levou até a brandura das penas. Mais de uma vez ouvi e li expressões da linha "tranca essa corja e joga a chave fora", e coisa muito pior (algumas pessoas não se constrangem em pedir o - literal - linchamento dos "petralhas mensaleiros". Experimentei perguntar a algumas dessas pessoas se elas sabiam o que, exatamente, os tais petralhas tinham feito. As respostas demonstraram uma ignorância inacreditável, sintetizada muitas vezes num patético "roubou"). Em muitas ocasiões tentei argumentar que a prisão dos condenados não traria nenhum bem para a sociedade. Fui imediatamente rotulado de defensor dos corruptos, de "petralha honorário", por assim dizer.</div>
<div style="text-align: justify;">
No sentido oposto, quando afirmei que José Dirceu e José Genoíno - dentre outros - não eram presos políticos, e sim políticos presos (como falar em "presos políticos" cujo partido a que estão filiados controla o governo federal há 10 anos?), ou quando observei que "julgamento de exceção" não era uma expressão adequada para o Mensalão (há uma diferença abismal entre o STF e Nuremberg), fui imediatamente classificado como "reaça" e "PIG honorário".</div>
<div style="text-align: justify;">
Sim, eu consegui essa proeza: sou reaça, sou PIG e sou petralha. Curiosamente, essas classificações, vindas de direções opostas, se basearam num único e mesmo ponto de vista (o meu).</div>
<div style="text-align: justify;">
Paralelamente, os artigos de jornais e revistas, os programas de televisão e da internet, os livros lançados recentemente, enfim, todos os meios possíveis de divulgação de ideias, parecem ter sofrido um achatamento intelectual - não apenas no sentido de se nivelarem por baixo (o que ocorreu), mas também no sentido de ficarem chatos. Críticas do nível de Reinaldo Azevedo ou Lobão são tão intelectualmente rasteiras (e monótonas) quanto a santificação de Dirceu e Genoíno - como se um passado louvável de luta e dignidade conferisse carta branca para a desonestidade no presente. Num artigo recente, li que "Lula fez o que tinha de fazer para tirar milhões da miséria", logo, <i>tudo </i>estaria automaticamente justificado. Como se questões éticas (para não mencionar as legais) pudessem ser solucionadas de forma tão simplória. Recentemente, circulou nas redes sociais um texto acusando Lobão de ter causado o suicídio de seus pais. Lobão merece inúmeras críticas, mas explorar de forma tão baixa uma tragédia pessoal para atacar as ideias de quem quer que seja, por mais equivocadas que sejam, é de uma torpeza indescritível.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, diante do excesso de trabalho, da despencada do nível do debate e da aparentemente infindável sede de sangue das duas torcidas organizadas (progressistas x reacionários), comecei a ficar com preguiça de discutir certos assuntos. Numa fórmula simples:</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjluqPZ1YYH_2O5b5F_bi0vKDUGxEkgYdwG58Ruigf2MJxIQieEUnhlMPWn8uwHiMtJmnWlp7jsdrwyJsQqxFYXqK5tW29dOplH6N08RmqXz7ikwdEnsUKA7ezqp67r3QjKpsmEINPrM7c/s1600/f%C3%B3rmula.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjluqPZ1YYH_2O5b5F_bi0vKDUGxEkgYdwG58Ruigf2MJxIQieEUnhlMPWn8uwHiMtJmnWlp7jsdrwyJsQqxFYXqK5tW29dOplH6N08RmqXz7ikwdEnsUKA7ezqp67r3QjKpsmEINPrM7c/s1600/f%C3%B3rmula.jpg" height="180" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<i></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, como toda preguiça, daqui a pouco essa também passa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Qualquer hora dessas, o blog deixa de ser lerdo e volta ao ritmo de antigamente.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-70852481479943804592013-11-03T22:29:00.000-02:002013-11-04T02:07:09.528-02:00Procure saber - e entender<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Kb5qPoSkGnozUl4xrbF8Kl9UrIXoEoTAn3nPo-1hsCxY9TLqXqCBKKr7WXaYfMwevmSbv8AkhgWedw7s9eeMr7h80S1Sz6m_tpr2tbP74iADqUXEkCycQFzWTbscWSPU0fV_rx4i2Jk/s1600/procure+saber+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3Kb5qPoSkGnozUl4xrbF8Kl9UrIXoEoTAn3nPo-1hsCxY9TLqXqCBKKr7WXaYfMwevmSbv8AkhgWedw7s9eeMr7h80S1Sz6m_tpr2tbP74iADqUXEkCycQFzWTbscWSPU0fV_rx4i2Jk/s320/procure+saber+2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Você morre como um herói, ou vive o suficiente <br />
para se ver transformado em vilão."</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seriam risíveis - se não dissessem respeito a tema tão caro a uma democracia - as tentativas dos integrantes do grupo Procure Saber (notadamente Gil, Caetano, Erasmo, Roberto Carlos e Paula Lavigne) de justificar o injustificável, de explicar a postura retrógrada inicialmente adotada (e agora envergonhadamente rejeitada, ainda que não de forma explícita).</div>
<div style="text-align: justify;">
Seria cômico ver os malabarismos argumentativos, as piruetas retóricas e os bamboleios dialéticos dos artistas da Procure Saber para justificar sua indefensável defesa dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que tornam obrigatória a autorização do biografado e/ou de sua família para a publicação de qualquer biografia no Brasil, se não fossem tão relevantes os aspectos da liberdade de expressão ameaçados por esses dois bisonhos dispositivos legais.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não que se esperasse postura diferente de Roberto Carlos, conhecidíssimo <i>control freak</i>, que não suporta que falem - bem ou mal - de sua pessoa, embora seja uma pessoa muito pública. De Erasmo, não sei se se espera algo. Paula Lavigne é um tanque de guerra, dela tudo se espera. E como ninguém entende o que Djavan diz em suas letras, só o fato de entendermos de que lado ele está na briga já pode ser considerado um avanço.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a posição de Caetano, Gil e Chico - notórios defensores da liberdade de expressão, até por terem sofrido as agruras da censura prévia durante a ditadura - surpreendeu a todos. Ninguém, em sã consciência, poderia imaginar que nossos libertários tropicalistas abandonariam o "é proibido proibir", ou que Chico daria ao seu "Cálice" um novo e tenebroso sentido.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cazuza viu seus heróis morrerem de overdose. Não demos a mesma sorte. Como diz a personagem de Aaron Eckhart em <i>The Dark Knight</i>,<i> "you either die like a hero, or you live long enough to see yourself become a vilain"</i>. Pois é, Chico, Gil e Caetano (felizmente) ainda não morreram, e continuam produzindo música de qualidade (embora o auge de todos já esteja no passado), mas mancharam - a meu ver de forma indelével - suas histórias de vida com a defesa inaceitável da censura prévia para a publicação de biografias.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eles negam, é claro. As últimas colunas semanais de Caetano no Globo são um primor de, hum, "caetaneamentos". Caetano anda caetaneando o que há de bom mais do que nunca. Parece querer competir com Djavan no obscurantismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
No artigo <i><a href="http://oglobo.globo.com/cultura/cordial-10348401" target="_blank">Cordial</a></i>, Caê escreve: <i>"Censor, eu? Nem morta!"</i>. Li e reli o artigo e até hoje não entendi o que ele quis dizer. Caê começa o artigo afirmando que sua tendência é contra a exigência de autorização prévia, para depois descambar num quiproquó retórico em que conclui que <i>"sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo da proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Entenderam? Então me expliquem. Biografia de político e empresário pode, mas de artista não?</div>
<div style="text-align: justify;">
Chico Buarque fez um papelão ainda maior. No artigo <i><a href="http://oglobo.globo.com/cultura/penso-eu-10376274" target="_blank">Penso eu</a></i>, disse que o autor da biografia proibida de RC, Paulo César de Araújo, nunca o tinha entrevistado. Paulo César o<a href="http://oglobo.globo.com/cultura/de-seu-amavel-interrogador-10392630" target="_blank"> desmentiu publicamente</a>, publicando inclusive <a href="http://oglobo.globo.com/cultura/exclusivo-video-mostra-entrevista-de-chico-buarque-autor-de-biografia-de-roberto-carlos-10394660" target="_blank">foto e vídeo</a> da entrevista que Chico negou ter dado. Chico, o mais radical do grupo depois de RC, pediu desculpas publicamente. Vexame total.</div>
<div style="text-align: justify;">
A imprensa em geral, com a superficialidade que lhe é inerente, caiu de pau nos artistas, defendendo com unhas e dentes a liberdade de expressão e fingindo que o direito à privacidade, também constitucionalmente garantido, não existe. Paulo César de Araújo tem posado em jornais, revistas e programas de TV como mártir. Nada é tão simples, nem para um lado, nem para o outro.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, a par do debate rasteiro que temos acompanhado, a defesa da necessidade de autorização prévia de biografados e/ou seus parentes me parece insustentável. </div>
<div style="text-align: justify;">
Biografia é um gênero literário, dos mais pobres no Brasil, não só por causa da já natural indigência do mercado editorial brasileiro, como também por conta dos entraves que a legislação atual impõe aos biógrafos. Biografia autorizada é elogio. Não é literatura, é <i>marketing</i>. Simples assim, o resto é conversa fiada. Eventuais mentiras e abusos devem ser reprimidos <i>a posteriori</i>. Não é uma ferramenta perfeita, mas é a única viável.</div>
<div style="text-align: justify;">
O grupo Procure Saber, diante da inevitável repercussão negativa de sua postura, publicou no Youtube um constrangedor <a href="http://www.youtube.com/watch?v=j76YMPhFHEY" target="_blank">vídeo</a> no qual Gil, RC e um Erasmo aparentemente meio bêbado tentam sustentar o insustentável. O Tremendão bateu todos os recordes de hipocrisia ao afirmar que <i>"se nos sentirmos ultrajados, temos o dever de buscar nossos direitos, sem censura prévia, sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja"</i>. RC, que processou civil e criminalmente o autor de sua biografia, diz no vídeo que prega a liberdade e o direito às ideias. Discurso que não condiz com as atitudes do grupo. E, só para lembrar, RC agora tenta proibir a publicação de um livro sobre a jovem guarda porque - é claro! - fala de sua vida e obra. Mas é possível escrever um livro sobre a jovem guarda sem mencionar RC? É possível escrever sobre a tropicália sem mencionar Caetano e Gil? Então, um trabalho sobre a história da MPB fica condicionado à autorização de seus protagonistas?</div>
<div style="text-align: justify;">
As reiteradas pancadas que a mídia vem dando no grupo levaram a um racha, e hoje, no artigo <i><a href="http://oglobo.globo.com/cultura/codigo-10668455" target="_blank">Código</a></i>, no Globo, Caê resolveu descer a lenha em RC. Natural. Quando se sustenta o insustentável, as bases argumentativas tendem a ruir.</div>
<div style="text-align: justify;">
Conto os dias para que o STF julgue inconstitucionais os artigos 20 e 21 do Código Civil - o que me parece inevitável. E, ao contrário do que se tem afirmado, acho pouco provável que essa mancha na biografia dos (ex?) libertários membros do Procure Saber desapareça com o tempo. Nossos ídolos ainda são os mesmos, e as aparências não enganam não?</div>
<div style="text-align: justify;">
Procurei saber, procurei entender. Mas a postura do Procure Saber, apesar do inegável direito à privacidade que todos, até as figuras públicas, têm, é incompreensível e inaceitável. É censura prévia sim, doure-se a pílula o quanto quiser. E é a sentença de morte de todo um gênero literário.</div>
<div style="text-align: justify;">
Para além do debate raso, não é preciso muito esforço para que se conclua que o Procure Saber, ao defender a manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, dá um tiro no próprio pé. O que, aliás, ao que tudo indica, seus integrantes já notaram.</div>
<div style="text-align: justify;">
É bom lembrar que, embora o Código Civil tenha entrado em vigor em 2002 (substituindo o de 1916), seu anteprojeto começou a ser redigido nos anos 70. É claro o ranço autoritário dos artigos 20 e 21, cuja constitucionalidade se debate no STF. A maioria dos ministros já sinalizou que, provavelmente, esses artigos serão declarados inconstitucionais. É esperar para ver. Até lá, seguimos todos (esperamos que a turma do Procure Saber também) refletindo a respeito. Enquanto isso, nossos artistas - que, recentemente, ganharam o apoio de ninguém menos do que <a href="http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/10/bjair-bolsonarob-chico-caetano-e-gil-estao-defendendo-minha-tese.html" target="_blank">Jair Bolsonaro</a> (o que já deveria fazer com que desconfiassem de seus argumentos) - continuam se enrolando em suas próprias contradições como gato em novelo de lã.</div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Você não sente nem vê</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Que uma nova mudança em breve vai acontecer</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> E o que há algum tempo era novo, jovem</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Hoje é antigo, e precisamos todos, rejuvenescer.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Aguardemos os próximos capítulos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-7909762331872427232013-10-12T18:25:00.000-03:002013-10-13T11:05:03.171-03:00Filha, mãe, avó e puta<div style="text-align: justify;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDE7cjCWKep5ZEcwoQkW_qjVXyRVD5q1NPDruklmh-2cXlQ5KvQx6124b3l71FK3SSdJypkLiZ9gvMZAJScw7-xfiCMq73G1Eh-72agwCDnvWnZkQR2jFKHfC3DSJMoFfLlDHp2BPSg90/s1600/gabriela+leite.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDE7cjCWKep5ZEcwoQkW_qjVXyRVD5q1NPDruklmh-2cXlQ5KvQx6124b3l71FK3SSdJypkLiZ9gvMZAJScw7-xfiCMq73G1Eh-72agwCDnvWnZkQR2jFKHfC3DSJMoFfLlDHp2BPSg90/s320/gabriela+leite.jpg" width="242" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Filha, mãe, avó e puta" - um livro essencial.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela Leite mal partiu e já deixa saudade - de sua coerência, de sua ousadia, de sua coragem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela foi embora em 10 de outubro de 2013 - anteontem - e nos deixou, como herança, uma trajetória capaz de horrorizar os moralistas e de nos fazer repensar concepções tradicionais sobre o que uma mulher pode e deve fazer com seu próprio corpo e com sua liberdade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Filha de família tradicional e de pais moralistas, aos 22 anos, enquanto estudava sociologia e filosofia na USP (foi a segunda colocada no vestibular), Gabriela Leite decidiu virar prostituta. Abandonou a faculdade em 1973 e trabalhou na Boca do Lixo, em São Paulo, na Zona Bohemia de Belo Horizonte e na Vila Mimosa, no Rio de Janeiro. Em 1979, Gabriela participou da primeira Revolta das Prostitutas, e conseguiu afastar um delegado que torturava e matava profissionais do sexo. No final dos anos 80, publicou o primeiro manual de prevenção às DST's voltado para as prostitutas. Posteriormente, fundou a ONG <a href="http://www.davida.org.br/" target="_blank">Davida</a>, que defende os direitos das prostitutas, e em 2005 fundou a grife <a href="http://www.daspu.com.br/" target="_blank">Daspu</a> (uma provocação à grife "chic" Daslu).</div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela lançou, em 2009, um livro fantástico: <i>"Filha, mãe, avó e puta"</i>, em que conta sua história, da qual destaco o seguinte trecho:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> "Adoro os homens. Gosto de estar com eles, e não conheço homem feio. Todos são bonitos: cada um com seu cheiro característico, seu andar, seu modo de olhar. Alimentam um amor imenso pela mãe e pelo próprio corpo. Magros ou gordos, todos têm um belo corpo, mesmo quando são barrigudinhos. Às vezes me pergunto como eles fazem para andar: será que o pau no meio das pernas não atrapalha? Essa pergunta eu (ainda) não tive coragem de fazer.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Outra coisa que adoro é falar o que penso. Sem papas na língua. Quem ler este livro vai perceber isso. Aprendi uma porção de coisas nessa temporada na Terra. Uma delas é a importância de se ter uma opinião, de reclamar quando não se está gostando de algo. Demorei muito para adquirir esse direito e, por isso mesmo, não abro mão dele. Passei um pedaço da minha vida lutando por ele. Estou gastando um outro bom naco tentando convencer minhas colegas prostitutas de que esse direito também é delas.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Existe uma terceira coisa que eu prezo muito. Talvez seja a que mais prezo, aliás. É a liberdade. Liberdade de pensar diferente, de vestir diferente, de se comportar diferente... Não sei direito de onde veio essa minha paixão pela liberdade (minha vida é feita de muitas certezas, mas também de infinitas dúvidas e contradições), mas ela veio para ficar.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> Meu destino até aqui foi norteado por esses três amores. E, como todos nós sabemos, o amor não traz só felicidade. Ele gera muita dor também, em nós mesmos e em quem está perto. sei que, por causa dessa minha obsessão por romper amarras (sejam elas políticas, culturais, morais ou pedagógicas), feri algumas pessoas queridas. Mas acredito que também ajudei um sem-número de prostitutas a ter uma vida mais digna. Fui, sou e vou continuar sendo responsável pelos meus atos. O que pensar sobre eles é resultado do conceito de vida de cada um. Enquanto eu puder continuar exercendo minha liberdade, não tenho com o que me preocupar."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela fez do próprio ato da prostituição um exercício de liberdade - tanto física quanto intelectual. E rejeitou o processo de vitimização que setores "bem-intencionados" da sociedade impingem às prostitutas. Vale lembrar as palavras de Gabriela no programa <i>Roda Viva</i> em 01.06.2009 (apenas para lembrar, em 02 de junho se comemora o Dia Internacional da Prostituta, como recordação do fato ocorrido em 02 de junho de 1975, em Lyon, quando mais de 100 prostitutas ocuparam a Igreja de Saint-Nizier para protestar por seus direitos):</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Eu acho que a princípio é muito boba essa história de querer salvar pessoas, né? É de uma pretensão imensa. E salvar o quê? As pessoas fazem suas opções, às vezes as opções são menores, às vezes são um pouquinho maiores, mas as pessoas fazem. E elas vão para os seus lugares porque elas estão optando por isso. E se ela quiser sair, eu acho que ela, como mulher, sai por si mesma. Ela começa a pensar: 'não quero, não me dou bem nessa história, vou fazer outra coisa'. Como todas as pessoas. Então isso sempre me incomodou porque nunca quis que ninguém me salvasse, eu sempre tomei as minhas decisões. E quando o pessoal da igreja dizia: 'não, você precisa ter uma outra vida, se encontrar com Deus', eu dizia: 'Não, eu quero ter minha vida do jeito que é'. Por isso que eu acho que não é por aí que a gente deve ver a questão da prostituição. A questão da prostituição deve estar inserida dentro das questões da sexualidade, das políticas da sexualidade, dos direitos sexuais, porque as feministas sempre disseram que estavam trabalhando os direitos sexuais e reprodutivos. Se você ler todos os relatórios das várias conferências internacionais, no Cairo, em Pequim, essa coisa toda, lá só tem os direitos reprodutivos. Os direitos sexuais estão ali juntos, para irem juntos na caixinha. Ninguém nunca mexeu com os direitos sexuais. E a prostituição, na minha opinião, é um direito sexual. E, de mais a mais, as pessoas se esquecem de que as prostitutas estão lá no seu trabalho trabalhando porque tem alguém que vai lá procurar elas. Então existe essa demanda, existe na sociedade. E para mim a grande história é sair debaixo do tapete, se mostrar e dizer: 'Olha, eu sou uma delas e estou aqui, sou uma mulher inteirona, como qualquer outra mulher" </i>(trechos da entrevista podem ser vistos <a href="http://www.youtube.com/watch?v=mboT0TqJ-yg" target="_blank">aqui</a>; a entrevista completa está transcrita <a href="http://pt.scribd.com/doc/51487118/Roda-Viva-Entrevista-com-Gabriela-Silva-Leite-sociologa-e-prostituta%E2%80%8F" target="_blank">aqui</a>).</div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela afirma, contundente e certeira, a certa altura do livro:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> "É uma babaquice dizer que só puta vende o corpo! E vender sua cabeça, quanto custa? O operário vender seu braço, quanto custa? Todo mundo vende sua força de trabalho, que está com seu corpo. Existe uma tendência de alguns estudiosos de se declararem a favor das prostitutas e contra a prostituição. Um contra-senso geral e total."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A grife Daslu, da empresária Eliana Tranchesi, a maior expoente do mercado de luxo num país desigual como o Brasil, <a href="http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115909.shtml" target="_blank">quis processar a Daspu</a>. O processo não seguiu adiante. Eliana Tranchesi, investigada pela Polícia Federal por sonegação fiscal, tinha o hábito de ir à missa todos os domingos e mantinha uma capela no interior da Daslu. Morreu de câncer, como Gabriela Leite. O legado que cada uma dessas mulheres deixou para o Brasil é evidente, dispensa maiores comentários e fica sujeito à avaliação de cada um.</div>
<div style="text-align: justify;">
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei apresentado pelo deputado Jean Willis, chamado "projeto Gabriela Leite", que visa regulamentar a prostituição no país. </div>
<div style="text-align: justify;">
A coragem e a coerência de Gabriela Leite, numa sociedade hipócrita e moralista como a brasileira, farão falta. Permanecem não apenas seu exemplo e as medidas adotadas para regularizar a profissão (a mais antiga do mundo, segundo dizem) e combater a AIDS, como também as reflexões suscitadas por suas escolhas. </div>
<div style="text-align: justify;">
Gabriela parte, mas sua obra, suas escolhas e, acima de tudo, sua luta sobrevivem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Filha, mãe, avó, socióloga e puta - e exemplo de ser humano.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZAEke80c1dRH5qvNdONaRLj78LWsa1ThEF9unFTh9wuHvcAMLvKfDRuxhM4KLZMhb1-O3YLQirq-UaIYNNRw4JNCUWjPj5zbaV237VMRu0HJLIKftiIp54HDr4_4E6OsYUVegdcNYrEs/s1600/gabriela+leite2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZAEke80c1dRH5qvNdONaRLj78LWsa1ThEF9unFTh9wuHvcAMLvKfDRuxhM4KLZMhb1-O3YLQirq-UaIYNNRw4JNCUWjPj5zbaV237VMRu0HJLIKftiIp54HDr4_4E6OsYUVegdcNYrEs/s320/gabriela+leite2.jpg" width="212" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Descanse em paz, Gabriela Leite. <br />
E que sua luta continue.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="background-color: white; color: #333333; font-family: Arial; font-size: 13px; line-height: 16px;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-64769896404175305572013-09-23T20:02:00.002-03:002013-09-23T20:23:57.204-03:00Black bruacas, desinformação e catarse<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDy9l-ZtFnrUzVagFCczLp6NxrROP_iU9ieMs8fgGO-sWq_VqzcJMKm0MefSSwlt3kySsGOh1kuE6Z53TCQfbqMQ5b0W-Khk4J7GHIoVPAS3KYx6RqrFxu47bSg8kObRE6PmwqGeWiJuE/s1600/black+bruacas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDy9l-ZtFnrUzVagFCczLp6NxrROP_iU9ieMs8fgGO-sWq_VqzcJMKm0MefSSwlt3kySsGOh1kuE6Z53TCQfbqMQ5b0W-Khk4J7GHIoVPAS3KYx6RqrFxu47bSg8kObRE6PmwqGeWiJuE/s320/black+bruacas.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O caso mais emblemático de auto-bullying da história brasileira</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br />
Ando com uma preguiça medonha de debater certos assuntos, porque parece que a irracionalidade tomou conta das pessoas. Mas percebi que a quase totalidade dos textos do blog tem a ver justamente com a falta de racionalidade do mundo, então resolvi escrever sobre o que todo mundo já escreveu: o STF, os embargos infringentes, o Mensalão, o Zé Dirceu, a impunidade etc. etc. etc.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas não vou repetir as obviedades que qualquer pessoa minimamente informada deveria estar cansada de saber: os embargos não vão reabrir o caso todo, a discussão técnica é mais aprofundada do que esse debate midiático rasteiro e por aí vai. Nem vou defender o acerto da decisão do Supremo. Embora me pareça obviamente acertada, o fato de a decisão ser favorável aos embargos por um voto mostra que a questão não é simples nem pacífica. Concordo com a decisão, considero-a acertadíssima, mas respeito quem defende o contrário. Desde que saiba do que está falando. O problema é que a maioria absoluta das pessoas que estão com "nojo do Brasil", "revoltadas com a impunidade", xingando os ministros de "vendidos", "canalhas" etc. não conhecem minimamente a realidade sobre a qual esperneiam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Comecemos pelo mais novo movimento social do Brasil, que podemos apelidar carinhosamente, numa corruptela dos black blocs, de <a href="http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/09/barbara-paz-mostra-foto-de-atrizes-de-luto-pelo-brasil.html" target="_blank">"black bruacas"</a>. No dia seguinte à decisão do ministro Celso de Mello quanto ao cabimento dos embargos infringentes, as atrizes da novela "Amor à vida" postaram algumas fotos vestidas de preto, com expressões carrancudas, "de luto pelo Brasil". Pareciam uma banda de <i>death metal </i>escandinava. Rosamaria Murtinho disse ao <i>site </i>EGO (o <i>site </i>de, vá lá, "notícias" relevantes como<a href="http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1660246-9798,00-GRAZI+MASSAFERA+DEIXA+A+ACADEMIA+DE+CELULAR+NA+MAO.html" target="_blank"> <i>esta aqui</i></a>): <i>"O que está acontecendo é um absurdo, querem desmoralizar o STF, que é a última instância do poder e deve ter suas decisões respeitadas. Estou de luto pelo Brasil"</i>, afirmou, talvez não se dando conta de que foi o próprio STF, numa decisão que deve ser respeitada, que admitiu os embargos. </div>
<div style="text-align: justify;">
É pouco provável que essas senhoras (assim como sua mais notória (?) seguidora, <a href="http://www.d24am.com/plus/tv/carla-perez-reune-marido-e-filhos-para-protestar-contra-decisao-do-stf/96098" target="_blank">Carla Perez</a>) tenham a mais remota ideia do que sejam embargos infringentes, hermenêutica constitucional, duplo grau de jurisdição etc. As black bruacas foram muito criticadas, mas acima de tudo viraram alvo de gozação. Merecidamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
Pior que a indignação desinformada das black bruacas (que, nesse ponto, são acompanhadas por muita gente bem intencionada e pouco informada) é a esquizofrenia hidrofóbica de folhetins como VEJA. Curiosamente, ainda há seres humanos que acreditam que VEJA "informa". Em relação ao julgamento dos embargos, a edição de VEJA da semana passada trazia uma reportagem que dizia: <i>"O ministro Luís Roberto Barroso, o 'novato', como o descreveu o ministro Marco Aurélio Melo, fez um comentário não apenas infeliz, mas equivocado, quando defendeu seu voto pela eternização do julgamento do mensalão, justificando-o, entre outras razões, pelo fato de não se importar com a reação da opinião pública. (...) Nenhum juiz, nenhuma corte em tempo algum, pode desprezar a opinião pública". </i>Após o ministro Celso de Mello dar ao Brasil uma lição de civilidade e direito, afirmando, de forma corretíssima, que o juiz deve julgar de acordo com a lei, e não com o clamor popular, <u><b>a mesma revista</b></u>, nesta semana, afirma em seu editorial: <i>"O ministro Celso de Mello poderia ter poupado a inteligência das pessoas ao insistir que o Supremo Tribunal Federal (STF) não pode ceder ao 'clamor popular' ou à 'pressão das multidões'. Claro que não pode. Tanto não pode que isso não precisa ser declarado. Não existe mérito algum em que Celso de Mello tenha votado sem se importar com o grito básico das ruas. Isso é dever básico, essencial e primário de todo juiz"</i>. VEJA é que deveria ter poupado a inteligência das pessoas.</div>
<div style="text-align: justify;">
O fato - triste e preocupante - é que os mensaleiros foram transformados numa Geni nacional. A população anda tão cansada da impunidade na política que precisa de um linchamento em praça pública para acreditar que o Brasil vai melhorar. Sobre os mensaleiros (e isso não significa afirmar sua inocência) vêm sendo despejadas décadas de frustração nacional com todas as falhas estruturais e culturais que permeiam nossa história.</div>
<div style="text-align: justify;">
A antiguidade grega conhecia bem o sentido da <i>catarse </i>no teatro, a purificação espiritual pela descarga emocional representada em um drama. Foi o que o público dos cinemas brasileiros sentiu ao ver o Capitão Nascimento espancando um político corrupto em <i>Tropa de Elite 2 - </i>há inúmeros relatos de aplausos nas salas de projeção. O povo busca essa catarse novamente na imolação pública dos mensaleiros. E qualquer obstáculo no roteiro "corruptos-malvados-vão-para-a-cadeia-e-nasce-um-Brasil-novo" é motivo de frustração.</div>
<div style="text-align: justify;">
O anseio pelo linchamento é tamanho que qualquer tentativa de trazer o debate de volta à razão é criticado por ser uma "defesa da impunidade". Tempos atrás, publiquei um texto chamado <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2012/10/defender-lei-nao-e-defender-bandidos.html" target="_blank">"Defender a lei não é defender bandidos"</a>. Assim como defender que os criminosos tenham direito a um julgamento justo e a um sistema penitenciário decente não significa concordar com seus crimes, defender que os mensaleiros tenham um julgamento imparcial não significa compactuar com a impunidade, defender a corrupção, não querer que o Brasil melhore etc. Mas não está fácil convencer as pessoas disso. Recentemente, apenas por defender o cabimento dos embargos, um amigo me chamou, em tom de brincadeira, de "amante de pizza". Outro me perguntou, também em tom de brincadeira (espero!), se não deveríamos acabar com os culpados a pauladas em praça pública.</div>
<div style="text-align: justify;">
No debate sobre o mensalão, a sociedade se tornou maniqueísta: se concordamos com o cabimento dos embargos, somos petistas, estamos do lado dos mensaleiros, queremos a impunidade. Do contrário, estamos do lado do bem, da busca por um Brasil melhor. E boa sorte para quem tentar argumentar o contrário. </div>
<div style="text-align: justify;">
Curiosamente, a sociedade condena as "chicanas" do ministro Lewandowski, mas não vê problema algum quando Joaquim Barbosa impede Celso de Mello de votar, para que a pressão das ruas e dos meios de comunicação o faça mudar de ideia quanto à procedência dos embargos. Na ânsia por ver o bandido preso, a sociedade não se dá conta de que, quando o Judiciário puder aplicar a lei apenas para alguns, todos nós perderemos. Se o STF impedir um recurso de José Dirceu, tudo bem. Mas e se impedir um recurso meu, ou seu? Quem vai decidir quem tem ou não tem direitos que a lei diz que valem para todos?</div>
<div style="text-align: justify;">
E quando um jurista de mentalidade conservadora e que sempre se opôs ao PT, como Ives Gandra, alguém que, em suma, não tem compromisso ideológico algum com os petistas e não ganharia nada com a defesa de qualquer mensaleiro, afirma à Folha que <a href="http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/09/1345627-dirceu-foi-condenado-sem-provas-diz-ives-gandra.shtml" target="_blank">"Dirceu foi condenado sem provas"</a>, isso deveria fazer com que as pessoas pensassem: "deve haver algo de errado nesse julgamento". Mas nada supera a aversão figadal aos mensaleiros.</div>
<div style="text-align: justify;">
Enfim, <i>the worst vice is advice</i>, mas ainda assim parece um bom conselho: é melhor pensar com o cérebro do que com o fígado, principalmente quando pensamos em questões de justiça e de Justiça. É melhor tentar enxergar racionalmente para além dos ódios que a insatisfação crônica com tudo o que há de errado no Brasil há décadas nos leva a sentir. Do contrário, negaremos aos mensaleiros aqueles direitos que gostaríamos que fossem respeitados, caso fôssemos nós os réus.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas, para um povo combalido por séculos de roubalheira, malversação de dinheiro público e politicagem da pior espécie, talvez seja pedir demais.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-65917412849067231422013-08-29T10:06:00.002-03:002013-08-29T10:06:32.727-03:00A a moda, a malandragem e os manifestantes<div style="text-align: justify;">
<br /><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnESqh-GwUnUcImx_WN0RGmLhYVv63VhPwXPMSdOS2fBkYM4BG2qga1IRUYjHvOgB8ORlfc0wJoLsI74w2X84AsY5vh-pzyIqD9rKMxCzNtegJuEqTMMRXVwYRIRir7CG7nlkeCfjKM4o/s1600/MARTA-SUPLICY.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="242" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnESqh-GwUnUcImx_WN0RGmLhYVv63VhPwXPMSdOS2fBkYM4BG2qga1IRUYjHvOgB8ORlfc0wJoLsI74w2X84AsY5vh-pzyIqD9rKMxCzNtegJuEqTMMRXVwYRIRir7CG7nlkeCfjKM4o/s320/MARTA-SUPLICY.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Très chic, Madame!"</td></tr>
</tbody></table>
<br />
Na quinta-feira passada, foi publicada no Diário Oficial da União a autorização, dada pela ministra da Cultura Marta Suplicy, para que o estilista Pedro Lourenço capte 2,8 milhões de reais pela Lei Rouanet para promover um desfile de moda em Paris. <i>Très chic, non</i>? No começo do mês, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura havia dado um parecer negando o pedido do estilista. Mas <i>Madame </i>Suplicy intercedeu para que o benefício saísse, e então... <i>voilà</i>! Pedro Lourenço voará para Paris às nossas custas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Madame, sempre muito elegante em seus <i>tailleurs</i> bem cortados, escreveu um artigo hoje na Folha, justificando a decisão. No artigo, intitulado <a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/126354-moda-e-cultura.shtml" target="_blank">Moda é Cultura</a>, a ex-ministra do prazer aéreo afirma que <i>"a moda também gera símbolos. Marcas que, de tão importantes, se tornam até sinônimo da cultura do país. Atraem turistas, agregam valor a outros produtos e se, combinadas com gastronomia, música, monumentos, potencializam uma imagem positiva e contribuem para o 'soft power' do país"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Entenderam? Num país como o Brasil, campeão de desigualdades, devastado por uma violência avassaladora, com bolsões de miséria e fome espalhados por todo o território, conceder quase 3 milhões de reais para um estilista rico fazer um desfile em Paris "potencializa uma imagem positiva" do Brasil. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas Madame deixa claro que <i>"sem esses criadores, e outros que agora virão (espero as estilistas que trabalham com rendas nordestinas), nós não teremos condição de projetar nossas milhares de confecções charmosas que, com o tempo, darão alegria a tantas mulheres como quando hoje compram algo 'francês'". </i>Tudo em nome do charme, portanto. Aguardem os milhões destinados aos colares de semente de melancia vendidos no centro de Sampa.<br />
E, enquanto nossa ex-ministra do prazer aéreo relaxa e goza com a fashionização dos recursos públicos, a Câmara dos Deputados manteve o mandato do deputado federal Natan Donadon, do PMDB-RO, já condenado pelo STF a 13 anos e 4 meses de prisão por peculato e formação de quadrilha, por ter desviado cerca de 8 milhões de reais da Assembleia Legislativa de Rondônia, um Estado paupérrimo. O deputado, que integra a bancada evangélica, já está preso há dois meses. Depois da decisão, foi cumprimentado por colegas como o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que disse à imprensa, tempos atrás, que estava pouco se lixando para a opinião pública. Segundo a Folha, ao saber da decisão, o deputado ajoelhou no chão do plenário da Câmara e gritou: "Não acredito!". É, eu também não.<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi63ZLhzBjqKYMKsfG3icU_6Pu4bA3bYl189z9lZ-tsiOU-HV4-3VOmJKTeIuQFGF4JagRUX9qJHlQIMZB01rS866yFbPJVTYDc9LbbgeiURXJjEUgwKCHkHIteAeXJQidiybP8h3wh5ZU/s1600/natan.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="150" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi63ZLhzBjqKYMKsfG3icU_6Pu4bA3bYl189z9lZ-tsiOU-HV4-3VOmJKTeIuQFGF4JagRUX9qJHlQIMZB01rS866yFbPJVTYDc9LbbgeiURXJjEUgwKCHkHIteAeXJQidiybP8h3wh5ZU/s200/natan.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Natan Donadon: condenado pelo STF,<br />teve seu mandato preservado pela Câmara.</td></tr>
</tbody></table>
A pergunta que fica é: onde estão os manifestantes que protestaram contra os tais 20 centavos, contra o desaparecimento do Amarildo, contra a alta do Toddynho e contra o fim da série House? A inércia e a apatia da juventude que acha bonito quebrar agências bancárias, diante desses fatos estarrecedores, confirma as piores previsões sobre os movimentos de junho e julho - era onda, firula, fogo de palha, uma bagunça divertida e sem foco nenhum. Porque, quando os reflexos das piores tradições da velha politicagem brasileira se apresentam, nossos novos revolucionários parecem estar preocupados com alguma outra coisa.<br />
A manutenção do mandato de Natan Donadon abre um precedente para a manutenção dos mandatos dos condenados do Mensalão. Se isso ocorrer, os Vejeiros de plantão farão um escândalo, haverá algumas manifestações etc. Mas e agora? Diante desses dois retratos do Brasil velho, elitista e corporativista que teima em tentar voltar, não vejo o menor sinal de indignação da população. Só umas plaquinhas preguiçosas perguntando "onde está Amarildo?" (como se não tivéssemos uns 10 Amarildos por semana na periferia de Sampa) e uns resmungos da militância virtual nas redes sociais. Mas as ruas estão vazias.<br />
E o resto é silêncio.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-29175005538984596652013-07-23T22:21:00.000-03:002013-07-23T22:21:10.602-03:00Dubai é aqui<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTnUlMHJ1FeK8X1ioPxTfyYJnADbySFrDyUwCqVa3dmRLzsqNcxAeG2gfANsx1heQSqyNmAj0e1JReJGuJ96op7PwIXeiyL7cIA4-rLJFUzvrHiUnIXdtYaF7Eyo2HpRCCfrWyiyH31u8/s1600/Marte.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTnUlMHJ1FeK8X1ioPxTfyYJnADbySFrDyUwCqVa3dmRLzsqNcxAeG2gfANsx1heQSqyNmAj0e1JReJGuJ96op7PwIXeiyL7cIA4-rLJFUzvrHiUnIXdtYaF7Eyo2HpRCCfrWyiyH31u8/s320/Marte.jpg" width="228" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Marte Debora Dalelv. Condenada em Dubai<br />
pelo crime de ter sido estuprada.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dubai entrou na moda nos últimos anos como destino de executivos (e engravatados em geral) sedentos de lucros e Meca (perdoem o trocadilho) da opulência dos mercados financeiros, polo de investimentos etc. A cidade de Dubai (que tem o mesmo nome do Emirado), construída no meio do nada e sem qualquer beleza natural, atrai também turistas pela sua modernidade, tecnologia de ponta e urbanismo progressista.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas Dubai ainda é um Emirado Árabe, e como tal adota as leis muçulmanas e os valores do Corão. O mundo tende a ignorar esse contraste e a olhar, fascinado, para o lado moderno e próspero do lugar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até o momento em que uma estrangeira é estuprada.</div>
<div style="text-align: justify;">
A essa altura todo mundo já conhece a história: em março, a norueguesa Marte Deborah Dalelv, de 24 anos, que estava em viagem de negócios pelo país, procurou a polícia de Dubai e denunciou um estupro. Segundo a denúncia, ela teria ido a uma festa com um colega de trabalho, ambos beberam e, quando voltaram ao hotel, o colega (seu chefe, por sinal) a teria violentado.</div>
<div style="text-align: justify;">
A resposta dada a Marte pela polícia de Dubai - diga-se de passagem, em plena consonância com as leis daquele país (ah, as loucuras do fanatismo religioso!) - foi confiscar seu passaporte e trancafiá-la numa cela por quatro dias sem permissão sequer para usar o telefone. No final da semana passada, Marte foi condenada a 16 meses de reclusão por ingerir bebida alcoólica, fazer sexo fora do casamento e atentar contra a decência (a UOL <a href="http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/07/19/norueguesa-que-denunciou-estupro-e-condenada-a-prisao-em-dubai-oslo-promete-ajuda.htm" target="_blank">divulgou a notícia</a> no dia 19).</div>
<div style="text-align: justify;">
Que ninguém acuse Dubai de misoginia. Afinal, o chefe de Marte também foi condenado a 13 meses de reclusão, por consumo de álcool e relações sexuais consentidas...</div>
<div style="text-align: justify;">
A repercussão mundial foi tão negativa, e tão intensa, que o governo de Dubai decidiu perdoar Marte - e, é claro, perdoar também seu agressor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Todo esse horror parece muito distante do Brasil. Afinal, o fato ocorreu em um país árabe, imerso na cultura muçulmana (que é assumidamente machista e desigual no trato entre homens e mulheres) e que, no que toca aos direitos humanos, ainda não saiu do Paleolítico.</div>
<div style="text-align: justify;">
Parece. Mas as aparências enganam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando a <a href="http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2013/07/22/mulher-presa-por-denunciar-estupro-em-dubai-esta-livre-diz-governo.htm" target="_blank">notícia da libertação de Marte</a> foi divulgada da internet, os comentários dos internautas - sempre um bom termômetro de parcela da opinião popular - deixaram bem claro que temos muito mais de Dubai - em seu aspecto medieval, não em sua faceta moderna - do que imaginamos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Os links estão no texto, o leitor pode dar uma conferida. Destaco três, dentre muitos, muitíssimos, no mesmo sentido:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Mas um pouco de decência também é bom, né?"</i><br />
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"caiu na gandaia tomou todas disse foi estuprada e foi presa que loucura"</i><br />
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Se vai transar, leve um gravador primeiro e pergunte para a parceira, posso transar com você? Previna-se porque depois ela pode dizer que foi estuprada e você vai preso. Em Dubai, transou e não tem compromisso assinado dançou! Eta sociedade esquisita! Não vá a Dubai principalmente se sua companheira não for casada."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há comentários ainda piores, mas a linha-mestra, que se repete <i>ad nauseam </i>(literalmente) é o velho argumento: a vítima provocou. Afinal, ela estava em uma festa, bebeu com o colega, nada mais natural do que ela querer fazer sexo com ele, mesmo que, digamos, não demonstre isso claramente. Simples, não? Não.</div>
<div style="text-align: justify;">
O que surpreende nos comentários às notícias é a convicção quase unânime de que o sexo foi consensual, e que Marte, sabe-se lá por qual razão, decidiu acusar o chefe de estupro. Convicção, aliás, também do Judiciário de Dubai, já que o chefe de Marte foi condenado por ter relações sexuais consentidas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Outro argumento frequente nos comentários é o de que Marte estava em outro país, outra cultura, logo, deveria respeitar os costumes locais. Nada mais é do que uma variante do "foi ela que provocou". E por trás da aparente suavidade do "uma coisa não justifica a outra, maaaassss...." se revela cristalina aquela certeza íntima de que, ao contrário do que a boca diz, a cabeça acredita que a conduta de Marte justifica, sim, o que ela passou depois.</div>
<div style="text-align: justify;">
Que fique claro: eu não estava lá, não posso afirmar com certeza que Marte foi estuprada. Por outro lado, os internautas que se apressaram em condená-la (e que têm uma certeza quase religiosa - novamente, perdoem o trocadilho - de que ela consentiu) também não estavam lá, e sabem tanto - ou tão pouco - sobre o que de fato aconteceu quanto eu. Escolher entre acreditar na versão da suposta vítima ou no suposto agressor, se as duas versões forem igualmente prováveis (não me parece o caso, por sinal), não esclarece o ocorrido, mas informa muito sobre quem faz a escolha.</div>
<div style="text-align: justify;">
Bom seria se Dubai (no que tem de pior) fosse um país distante. Mas no Brasil do século XXI, Dubai não está distante. Nem mesmo está perto. Dubai é aqui.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<h5 class="uiStreamMessage" data-ft="{"type":1,"tn":"K"}" style="background-color: white; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 11px; font-weight: normal; line-height: 14px; margin: 0px 0px 5px; padding: 0px; word-break: break-word; word-wrap: break-word;">
</h5>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-80263134892417342382013-07-04T19:06:00.001-03:002013-07-04T19:06:50.930-03:00Saudades da ditadura?<span style="text-align: justify;"></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzTBTwTPBFf_7iKNOAL2lTCn51ItlpF-2SUzbmZzzMZl8yruuYdCZvPjXLwXZ8jhMElc5LMmyTmgASeDFCLfjHuVfxITANk4X0JzuGNRNLzskeXkelQTC_dxfyrB_BkH662OAKrv5ebX4/s400/ditadura.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzTBTwTPBFf_7iKNOAL2lTCn51ItlpF-2SUzbmZzzMZl8yruuYdCZvPjXLwXZ8jhMElc5LMmyTmgASeDFCLfjHuVfxITANk4X0JzuGNRNLzskeXkelQTC_dxfyrB_BkH662OAKrv5ebX4/s320/ditadura.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="text-align: justify;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: -webkit-auto;">
<span style="text-align: justify;"> O plano era dar uns dias de folga ao blog, estou de férias etc. Mas algumas coisas simplesmente entalam na garganta da gente, e expeli-las se torna questão de saúde, se não pública, ao menos privada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
E eis que, em menos de uma semana, surgem nas redes sociais pelo menos três - sim, três! - textos remoendo "saudades da ditadura". Sintomaticamente, dos que me chegaram às mãos, um de um sujeito dos seus 50 e poucos, outro de uma pessoa entre 30 e 35, e o último - horror! - de um rapaz de menos de 20. Este, acrescido de um vídeo do ex-presidente Figueiredo (aquele que, na presidência, afirmou que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo) e do texto "saudades... Éramos felizes e não sabíamos".</div>
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E meu plano de dar férias ao blog foi para o espaço. Porque, se três gerações distintas sentem saudade da ditadura, algo está muito mais errado do que imaginávamos.</div>
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Chamemos esses três grupos, representados por esses indivíduos, respectivamente de saudosistas, idealistas e neorreaças. A nomenclatura é imperfeita, bem sei, mas servirá para fins didáticos.</div>
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O saudosista, na casa dos 50 e tantos, lembra com carinho do tempo em que não havia tanta criminalidade nem corrupção, a economia era estável (rescaldo do "milagre econômico" que já se despedia) e as domésticas sabiam seu lugar - aquele quartinho dos fundos que fazia as vezes de neosenzala. Aeroporto era coisa de gente chique, assim como automóvel. Eletrodoméstico era termômetro de caridade - gente com "consciência social" doava o liquidificador para a empregada quando comprava um novo (os mais radicais, quase comunistas, doavam videocassetes velhos).</div>
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Os idealistas nasceram entre o fim da ditadura e o início da redemocratização; amargaram as trapalhadas econômicas dos meados dos anos 80 e os primeiros tropeços democráticos dos anos 90. Gozaram de alguns privilégios dos quais se viram, na última década, subtraídos - ou, a seu ver, surrupiados.</div>
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Os neorreaças, muitos filhos de saudosistas, nada sabem da ditadura, além do pouco que ouviram nas aulas de história na escola (às quais não prestaram atenção). Sem jamais terem aberto um jornal, formaram o que chamam de "convicção política" a partir do que ouviram do papai e/ou da mamãe - ávidos leitores e assinantes da VEJA. Sentem falta de um período que não conheceram, mas que seus pais descrevem como aquele tempo em que "tudo era melhor".</div>
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Esses três grupos têm, entre si, inúmeras distinções e similaridades. Destacam-se, no entanto, duas características principais:</div>
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1) Uma inacreditavelmente estúpida confusão entre causa e efeito;</div>
<div style="text-align: justify;">
2) a defesa intransigente da tese de que "não havia corrupção" e "nenhum militar enriqueceu na presidência".</div>
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A confusão entre causa e efeito pode ser constatada de várias maneiras. As mais comuns consistem nas afirmações de que a escola pública "tinha qualidade" durante a ditadura e de que os índices de criminalidade eram menores.</div>
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Mas foi justamente a partir dos anos 70 que as escolas públicas começaram a perder qualidade. Isso não ocorreu apenas com o achatamento dos salários dos professores (fenômeno que se intensificou a partir dos anos 80, razão pela qual muita gente, de forma equivocada, situa nessa década o início do declínio da educação no Brasil). O primeiro golpe dos militares na educação ocorreu com o deliberado projeto de eliminação do senso crítico e da consciência cidadã dos alunos, que foram substituídos, numa verdadeira lavagem cerebral, por um patriotismo de caráter extremista que substituía qualquer análise crítica da realidade brasileira (se alguém duvida, basta ir a um sebo, comprar um livro escolar de história dos anos 70 e ler o que se escrevia sobre Jango e a "revolução" que "salvou o Brasil do comunismo"). E só para lembrar, foi Samuel Johnson, e não Nelson Rodrigues, quem disse que "o patriotismo é o último refúgio do canalha". Nelson só emulou, mas ambos estavam certos.</div>
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Assim como a destruição do sistema educacional público, a catástrofe econômica dos anos 80 e o aumento da criminalidade - alguém ainda duvida que esses fenômenos estão relacionados? - foram em parte o preço do "milagre econômico" dos militares. Ou alguém acha que obras faraônicas e a proibição de entrada de produtos estrangeiros no Brasil (para "estimular a indústria interna") não cobrariam seu preço? Milagres não existem, muito menos em economia. E se, por um lado, o cenário externo contribuiu para a crise, não se pode negar que os militares contribuíram com sua carga de ignorância e ineficiência (é bem conhecida a preferência de Costa e Silva pelas palavras cruzadas a qualquer livro sobre o país que ele presidia) para o preço que o "milagre" inevitavelmente cobraria. É incontestável - até os mais conservadores admitem - que o "milagre econômico" aprofundou sobremaneira a desigualdade. Alguma relação entre desigualdade e criminalidade?<br />
Em suma, achar que a situação do país piorou por causa da saída dos militares (e não apesar dela) revela uma imensa ignorância sobre a história brasileira e uma falta de informação abismal. É até compreensível - embora não aceitável - que saudosistas e idealistas pensem assim, com base em suas vivências empíricas. Mas os neorreaças não têm nem mesmo essa desculpa. </div>
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Quanto à tese de que não havia corrupção na ditadura e que os militares não enriqueceram no poder, é de uma ingenuidade atroz. Deveria ser óbvia a qualquer vertebrado a diferença entre inexistência e falta de divulgação. Evidentemente, o mundo atual é muito mais transparente do que o dos anos 60-80. Além disso, achar que os militares estavam numa redoma moral, imunes ao que eles mesmos consideravam um traço cultural dos brasileiros, é de uma inocência sem par. Mais denúncias não significam necessariamente mais corrupção. Podem muito bem significar mais investigações e mais transparência. Vale lembrar que a imprensa vivia sob censura na época, o que, é claro, não acontece hoje. E corrupção não se limita a dinheiro. Corrupção, em sentido amplo, implica violar a lei, que se aplica a todos, inclusive aos governos. E nesse aspecto, nenhum governo foi mais corrupto que o militar (de resto, vale ler o livro "Como eles agiam", do historiador Carlos Fico, para se ter uma ideia do grau de corrupção - inclusive em sentido estrito - durante a ditadura).</div>
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Haveria muito mais a ser dito, dentre argumentos aparentemente mais ponderados a verdadeiros delírios (inacreditavelmente, ainda há quem acredite no risco de um "golpe comunista" no Brasil). Mas a síntese dessa história toda é: você não precisa concordar em nada com o governo atual; você pode querer um governo liberal, conservador, repressor etc. Mas você só pode lutar por um governo diferente do atual numa democracia. Ditaduras não dão espaço a visões de mundo diferentes.</div>
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Então, seja você um saudosista, um idealista ou um neorreaça, se você sente saudade da ditadura, lembre-se que você só pode lutar pela volta dela porque ela não existe mais.</div>
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Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com21tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-50890622055309508462013-06-18T10:04:00.000-03:002013-06-18T13:42:07.160-03:00Geração coca-zero, memes e um novo Brasil<div style="text-align: justify;">
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMgyQV6AoAtfdgBUra_Gm0IlsL49T_RrF1xEplJASWAEb1PEjGyeYN2X4GFB3y6g5-eWH2fVYyirzsLXxUOa0HmLTPewlIHFoi5dAxjL4QZ7diPrFq2A8u7TgUoXJIhbWq5eyZhEOiNlk/s1600/brasilia+3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="239" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMgyQV6AoAtfdgBUra_Gm0IlsL49T_RrF1xEplJASWAEb1PEjGyeYN2X4GFB3y6g5-eWH2fVYyirzsLXxUOa0HmLTPewlIHFoi5dAxjL4QZ7diPrFq2A8u7TgUoXJIhbWq5eyZhEOiNlk/s320/brasilia+3.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A juventude toma o Congresso Nacional: a mais bela cena de 2013</td></tr>
</tbody></table>
<br />
Quem poderia imaginar, ao acordar ontem, que testemunharia um dos mais belos momentos da história recente do país?</div>
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Ontem, mais de 250 mil pessoas tomaram as ruas do país para protestar. Só na cidade de São Paulo, foram 65 mil. O mote inicial dos protestos - o aumento de 20 centavos nas tarifas de ônibus - já ficou para trás. Foi a gota d'água. Da PEC 37 à preferência dos governos por investir em estádios ao invés de educação, passando pela corrupção na política, uma gama de temas levou os protestantes, a maioria jovens, às ruas. Numa das cenas mais lindas que jamais testemunhei, a juventude tomou o Congresso Nacional, em Brasília, hoje símbolo, no imaginário popular, do que a política representa de pior (alguém lembra a cena final de <i>Tropa de Elite 2?</i>).</div>
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É claro que a história não se escreve de um minuto para outro. Mas as manifestações anteriores - principalmente a terceira e a quarta - foram, em retrospecto, as premissas para o chamado Quinto Grande Ato contra o aumento das passagens, esse que foi, sem dúvida nenhuma, o ponto de virada do movimento.</div>
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Apenas lembrando: o terceiro protesto foi marcado por atos de vandalismo e depredação, praticados por sociopatas que se aproveitaram do anonimato que esse tipo de evento proporciona para extravasar suas neuroses (como escrevi no texto anterior, <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/06/o-sono-da-razao.html" target="_blank">O sono da razão</a>). Qualquer pessoa que conhece minimamente a realidade de São Paulo já podia prever o que aconteceria a seguir: assim como, em 2006, os ataques do PCC provocaram uma reação desproporcional e absolutamente brutal da polícia, era previsível que os abusos praticados por uns poucos dementes na terceira passeata levassem a uma reação extremada da polícia no quarto ato - principalmente porque os principais jornais de São Paulo, em seus editoriais, fomentaram a violência e o maior rigor da polícia contra os "vândalos".</div>
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Claro que a mesma imprensa que atiçou o governo e a polícia contra os manifestantes (tornou-se um clássico instantâneo no youtube a cena em que o apresentador Luís Datena <a href="http://www.youtube.com/watch?v=7cxOK7SOI2k" target="_blank">rebola na gramática</a> para que o público de uma pesquisa desaprove o movimento, enquanto o público continua a aprová-lo) passou a reclamar quando seus próprios repórteres começaram a ser agredidos. Pau que bate em Chico também bate em Francisco, principalmente quando não se sabe quem é um e outro. Depois que alguns repórteres apanharam da polícia, o discurso da grande mídia mudou. Os "vândalos" se tornaram "manifestantes", e a "defesa rigorosa da ordem" se transformou em "brutalidade policial".</div>
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Com os ventos midiáticos mudando de direção, engajar-se ficou <i>cool</i>. Arnaldo Jabor, que no dia anterior havia comparado o "ódio à cidade" dos manifestantes ("revoltosos de classe média que não valem 20 centavos") ao PCC, voltou atrás, num patético <a href="http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2013/06/17/AMIGOS-EU-ERREI-E-MUITO-MAIS-DO-QUE-20-CENTAVOS.htm" target="_blank">arremedo de <i>mea culpa</i></a> que não convenceu ninguém. Mais constrangedor foi ver um bando de globais que nunca se preocuparam um minuto com a violência policial cotidiana contra negros e pobres nas periferias pintando o olho de roxo e fazendo carinha de "#chatiado" porque UMA jornalista da Folha foi vítima de abuso policial - um oportunismo político de dar orgulho a qualquer Stalin wannabe. Ser politizado nunca foi tão legal.</div>
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Também era previsível que no Quinto Ato a polícia fosse moderada, dada a tremenda repercussão negativa dos abusos policiais cometidos na quarta passeata. Fazendo <i>cosplay</i> de oráculo, cheguei a tranquilizar algumas pessoas que tinham receio de ir ao protesto: "acho que a coisa vai ser mais tranquila justamente por causa da repercussão negativa da última", escrevi a uma amiga preocupada. Dito e feito.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a adesão de quase um quarto de milhão de pessoas Brasil afora, isso ninguém poderia prever.</div>
<div style="text-align: justify;">
A falta de um foco específico nas passeatas, antes de ser um problema, talvez seja sua maior qualidade. Porque mostra que a juventude não suporta mais inúmeros problemas brasileiros, e não um problema específico. O Quinto Ato foi a explosão de uma panela de pressão, a gota d'água que faltava para o caldo entornar. E, ao contrário do ridículo movimento <i>Cansei </i>de 2007 (uma manifestação "política" capitaneada por Hebe Camargo, precisa dizer algo mais?), ontem o povo brasileiro mostrou à classe política que realmente está cansado - da violência, da corrupção, da impunidade, da precariedade da educação etc.</div>
<div style="text-align: justify;">
Impossível não lembrar o grande momento da minha geração, os protestos dos caras-pintadas contra o presidente Collor em 1992. A resposta ao desesperado apelo do então presidente na televisão ("não me deixem só") foi um abandono total e uma exigência maciça, por parte da juventude, de que ele deixasse o cargo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Éramos a geração coca-cola, "os filhos da revolução, burgueses sem religião". Éramos o futuro da nação, há 20 anos. Hoje, somos o presente e essa nova geração - geração coca-zero? - é o futuro. Talvez, daqui a 20 anos, o dia 17 de junho de 2013 seja lembrado pelos livros de história como o ponto da virada, o momento em que o "chega!" deixou de ser discurso e passou a ser ato.</div>
<div style="text-align: justify;">
É claro que tudo depende de como serão as próximas manifestações. Mas arrisco - olha o <i>cosplay </i>de oráculo outra vez! - que, se os atos seguirem pacíficos, a adesão será cada vez maior. O apoio da população está garantido. As reivindicações são justas. Resta ver como a classe política vai reagir diante de um fenômeno tão raro, inusitado e - para os maus políticos, para quem ainda quer um Brasil "mais do mesmo", desigual, ineficiente, injusto - preocupante.</div>
<div style="text-align: justify;">
Memes não são só aquelas carinhas bobas que povoam o Facebook. O termo <i>meme </i>foi cunhado em 1976 pelo biólogo Richard Dawkins, no livro <i>O gene egoísta</i>. Significa uma unidade de informação - geralmente uma ideia - capaz de se autopropagar (o livro usa a curiosa expressão "vírus memético"). Pense numa ideia que "contamina" as pessoas que entram em contato com ela. Pense num povo subitamente "contaminado" pela ideia de que pode mudar a realidade de seu país - ideia que se alastra rapidamente, como um vírus poderoso. Um apocalipse zumbi às avessas.</div>
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O Primeiro Grande Ato, em 06 de junho, contou com 5 mil pessoas. O ato de ontem reuniu 250 mil - sem contar as inúmeras manifestações no exterior. Ao que parece, a sede por reformas estruturais no Brasil alcançou o <i>status </i>de meme. A velha classe política que se cuide!</div>
<div style="text-align: justify;">
Fundamental agora é que os protestos não descambem para a violência, como infelizmente ocorreu no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em São Paulo, ontem à noite, na porta do Palácio dos Bandeirantes, houve um início de tumulto. Foi bonito ver os próprios manifestantes contendo os mais exaltados, ver a juventude, e não a polícia, acalmando os ânimos. Ver o movimento e o governo iniciando um diálogo. É preciso responder à pergunta fundamental: ok, chegamos até aqui. E agora?</div>
<div style="text-align: justify;">
Tudo depende do que virá a seguir. Os próximos dias - talvez semanas, quem sabe meses - darão o real sentido do belo ato de ontem. Se o Terceiro e o Quarto Ato se tornaram as premissas do Quinto, este talvez se revele a premissa de algo ainda mais grandioso. Os próximos atos determinarão se a juventude que parou o Brasil poderá dizer, daqui a 20 anos, "eu fiz história", ou se terá de se limitar a um melancólico "eu quase fiz história".<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1-j9mHoGCr-44GV3_Hjidw1aslDevoXImiuFpHx1ZzNtC_2vVrFBRTU-UXbF-sKECOru0HiQmAwUTsO7JZRce3qtpacmRYNJ0NQy-X3M6r0Q6rSz6SuLjmhPqUc6zcJU9JiuCosrBZ0Q/s1600/revolution.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1-j9mHoGCr-44GV3_Hjidw1aslDevoXImiuFpHx1ZzNtC_2vVrFBRTU-UXbF-sKECOru0HiQmAwUTsO7JZRce3qtpacmRYNJ0NQy-X3M6r0Q6rSz6SuLjmhPqUc6zcJU9JiuCosrBZ0Q/s320/revolution.jpg" width="320" /></a></div>
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Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-12928583473264563482013-06-13T11:30:00.000-03:002013-06-13T12:11:32.390-03:00O sono da razão<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ5Wv0N9a-skfLSQ0LmzcwiOXKngnrgZWCbYM-672FLbzYampv3GmsEJVmrvVXqFdVVylTcUujKhVQ9aW5t7Aq0j1B9n2N6eGGTafdH37hpqKFBsPBnQg_eC4Iucyqt9dH_Wny-2Bvbfo/s1600/goya2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="233" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ5Wv0N9a-skfLSQ0LmzcwiOXKngnrgZWCbYM-672FLbzYampv3GmsEJVmrvVXqFdVVylTcUujKhVQ9aW5t7Aq0j1B9n2N6eGGTafdH37hpqKFBsPBnQg_eC4Iucyqt9dH_Wny-2Bvbfo/s320/goya2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Goya: O sono da razão produz monstros</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Não vou discutir a óbvia legitimidade do Movimento Passe Livre nem o direito das pessoas de, numa sociedade plural, protestarem e se manifestarem contra o que quer que entendam que precisa ser mudado. Como quase todo mundo, já li e ouvi versões as mais diversas sobre os confrontos entre manifestantes e a polícia, sobre quem deu início à onda de violência, sobre o que "está por trás" dos confrontos (as teorias conspiratórias pululam). Mas creio que alguns aspectos desse momento de crise merecem uma ponderação mais racional - racionalidade, obviamente, é o que está faltando na situação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Apenas para raciocinarmos juntos:</div>
<div style="text-align: justify;">
1) Embora o Movimento Passe Livre tenha organizadores, a adesão de pessoas que, sem integrar propriamente a ala organizada do movimento, a ele adere, torna difícil o controle da situação pelo próprio movimento. O que deveria fazer o MPL após constatar que os protestos dos últimos dias resultaram em atos de extrema violência? Encerrar as manifestações? Tentar conter os ânimos mais acirrados? Ou deixar tudo como está porque um movimento organizado não pode ser responsabilizado pela loucura e truculência de uns poucos?</div>
<div style="text-align: justify;">
2) O velho (e pelo visto, adorado) maniqueísmo: todo manifestante, por estar ao lado do MPL, está certo, é um herói do povo, luta pelos direitos da população (esta ingrata que não reconhece o sacrifício de seus "heróis" e ainda os critica). Por outro lado, todo policial fardado é um psicopata violento e sedento de sangue, enviado ou por um prefeito facínora ou por um governador truculento. Nenhum desses policiais, é claro, usa transporte público. Ora, nem são os manifestantes heróis santificados pelo só fato de integrarem o MPL (ou a ele aderirem), nem são os policiais os vilões apriorísticos da história. Pelo que pude ler (não compareci a nenhum ato), houve abusos dos dois lados.</div>
<div style="text-align: justify;">
3) Tentar justificar a violência descabida de alguns manifestantes com o argumento de que é o poder público quem comete uma "violência" contra a população ao aumentar a tarifa, como cheguei a ler em alguns textos (e como, sutilmente, os organizadores do MPL defendem em artigo de hoje na Folha de São Paulo), é insanidade. Talvez o quebra-quebra arranhe a imagem da prefeitura, mas a maior vítima dessa violência é a própria população, não o poder público.</div>
<div style="text-align: justify;">
4) Quem critica a "truculência" de governantes que se recusam a negociar "com a faca no pescoço" e que apoiam a ação da polícia parece não se dar conta de que a violência como "argumento de negociação" mata a própria ideia de negociação. Quem usa a violência como argumento não negocia, chantageia. E a presença da polícia é fundamental em manifestações desse tipo, assim como a repressão a atos de vandalismo. É para isso que a polícia serve, afinal (não estou, obviamente, me referindo aos abusos).</div>
<div style="text-align: justify;">
Esses são apenas quatro de inúmeros questionamentos que a situação atual suscita. Essas questões não têm respostas simples nem se solucionam na base de "certo" e "errado". Mas certamente esse nó não será desatado ao sabor das paixões desenfreadas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há vândalos no movimento, sim. Mais do que isso, há, como em todo agrupamento humano, indivíduos que se valem do anonimato que o grupo fornece para extravasar suas neuroses e psicoses. Apenas os entusiastas de uma revolução que nunca virá são incapazes de enxergar que depredações de bens públicos (bens que não são do Estado ou da prefeitura, e sim do próprio povo que essas pessoas alegam defender) atrapalham, e não ajudam, o MPL.</div>
<div style="text-align: justify;">
Entre 1797 e 1799, o pintor espanhol Francisco De Goya concebeu uma série de 80 gravuras a que chamou <i>Los Caprichos. </i>O <i>Capricho nº 43</i> se chama <i>El sueño de la razón produce monstruos</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
O sono da razão produz monstros. Quando a racionalidade sai de cena, resta apenas o que possuímos de mais animalesco e selvagem. É pouco provável que esse caminho leve a alguma solução válida.</div>
<div style="text-align: justify;">
A criminalidade já chegou a patamares inaceitáveis de violência. A escalada de violência atingiu um nível de guerra civil. Além da absurda brutalidade dos bandidos, teremos de suportar também manifestações como a de terça-feira, em que diversas pessoas (entre policiais e manifestantes) saíram feridas, em que bens públicos (<i>nossos</i> bens) foram depredados, em que um policial quase foi linchado por uma turba ensandecida?</div>
<div style="text-align: justify;">
O MPL já organiza outras passeatas e não dá mostras de que pretende recuar. Segundo a Folha, a polícia acionará a Tropa de Choque para o ato previsto para hoje.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, tanto para quem comparece a tais atos como para quem pretende analisá-los a uma distância segura, mais razão e menos emoção (e menos ideologia, também), por favor. A sociedade como um todo agradece.</div>
<div style="text-align: justify;">
Com a razão adormecida, os monstros ganham o mundo. Não me espantarei se, em breve, alguma passeata contra a violência também terminar em quebra-quebra, depredações, mortos e feridos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-4457281806981813362013-06-04T14:15:00.001-03:002013-06-04T14:15:47.125-03:00A classe média, que malvada!<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdWhwK-BEBtI5Iv2fp3jIwjiIPg-EsdRCiT64a9rmGQiDrrSx2bbViM1LPD9fk-3yKI5u5yH9oTZ9lMs4oUFUviH_C7Fjdh7vfn6W3LQjq6710Nftc82xVf72PMJf6LR5jApeTQ-aMPvc/s1600/chaui.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="114" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgdWhwK-BEBtI5Iv2fp3jIwjiIPg-EsdRCiT64a9rmGQiDrrSx2bbViM1LPD9fk-3yKI5u5yH9oTZ9lMs4oUFUviH_C7Fjdh7vfn6W3LQjq6710Nftc82xVf72PMJf6LR5jApeTQ-aMPvc/s320/chaui.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Marilena Chauí: chilique contra a classe média</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nas últimas semanas, a internet foi bombardeada por críticas ferozes (e defesas pueris) à classe média brasileira, capitaneadas pelo chilique da professora Marilena Chauí no lançamento do livro <i>10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma</i>, ocorrido em 13 de maio em São Paulo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O chilique, que pode ser visto <a href="http://www.youtube.com/watch?v=H1nZeCncZps" target="_blank">aqui</a>, deita por terra qualquer pretensão de levar a sério os argumentos da professora. Depois de definir "classe média" por um critério algo confuso, mas de natureza claramente marxista (<i>"o que define uma classe no modo de produção capitalista é a maneira pela qual ela se insere na relação entre os meios sociais privados de produção da força produtiva"</i>), e de afirmar que o acesso aos bens de consumo não transforma a classe trabalhadora em classe média, Marilena Chauí - convenhamos, de forma muito honesta - explica:<i> "E por que eu defendo esse ponto de vista? Não é só por razões teóricas e políticas. É PORQUE EU ODEIO A CLASSE MÉDIA! A classe média é um atraso de vida! A classe média é a estupidez! É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista! É uma coisa fora do comum! Então, eu me recuso a admitir que os trabalhadores brasileiros, porque galgaram direitos, conquistaram direitos, esses direitos foram conquistados com 20 anos de luta, fora os 500 anteriores de luta e desespero, e dizer que essas lutas e essas conquistas fizeram a gente virar classe média? De jeito nenhum! De jeito nenhum! A classe média é uma abominação política, porque ela e fascista; ela é uma abominação ética, porque ela é violenta; e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante!"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
O ataque histérico da professora foi saudado com compreensíveis gargalhadas e aplausos que só se explicam porque, como se sabe, Marilena Chauí tem um séquito que aplaude qualquer bobagem que ela disser. Curiosamente, não parece ter ocorrido a ninguém da plateia que ao berrar histrionicamente que odeia a classe média, a professora já deixou clara a ausência de uma objetividade mínima para que, na qualidade de "filósofa" (as aspas se justificam, pois a considero muito mais uma professora do que uma filósofa <i>stricto sensu</i>), ela fosse capaz de analisar o fenômeno da tal "classe média".</div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo o <a href="http://www.brasil.gov.br/infograficos/o-que-e-classe-media" target="_blank"><i>site </i>oficial do Governo Federal</a>, <i>"o conceito de Classe Média foi definido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em conjunto com o Ministério da Fazenda, Ministério do Desenvolvimento Social, IBGE, IPEA, FGV, IPC/Pnud, IE/UFRJ, Insper, USP, MCM Consultores e Instituto Datapopular com base na ascensão e queda de renda dos brasileiros"</i>. Esse conceito, como se vê, não foi ditado unilateralmente por um órgão, um governo ou uma pessoa, mas construído com base em parâmetros e dados trazidos por setores distintos da sociedade.</div>
<div style="text-align: justify;">
O Governo Federal - do qual Marilena Chauí discorda - dividiu a sociedade brasileira em três classes: classe alta, classe média (com renda familiar <i>per capita </i>entre R$ 291 e R$ 1.019) e classe baixa. Ainda segundo o governo, 104 milhões de pessoas compõem a classe média. São, segundo a professora, todos trabalhadores subitamente endinheirados (se é que se pode chamar de "endinheirada" uma família cuja renda <i>per capita</i> seja de R$ 291), ou todos reacionários, conservadores, ignorantes, petulantes, arrogantes, terroristas, abominações políticas, éticas e cognitivas?</div>
<div style="text-align: justify;">
O pensamento de que a classe média é uma consciência coletiva intrinsecamente má foi replicado nas redes sociais, em blogs, em artigos <i>et alii</i>. Até mesmo o jurista Márcio Sotelo Felippe adotou a premissa, ao afirmar, em seu artigo <i><a href="http://www.jornalggn.com.br/blog/fascismo-no-brasil-de-hoje" target="_blank">Fascismo no Brasil de hoje</a></i>,<i> </i>que <i>"a inculta e selvagem classe média brasileira tem horror à diferença. Não gosta de negro, não suporta homossexual, não quer pobres por perto a não ser para limpar suas privadas. Quando é de direita - quase sempre - tem ódio da esquerda. Não é apenas contra. Não é que discorda. Odeia. A classe média brasileira é a favor da pena de morte, da redução da maioridade penal, da execução sumária de transgressores, repete frases como 'bandido bom é bandido morto' e seu ideal de política é tal qual o 'volkisch' da Alemanha nazista, mas isso, claro, quando o acusado é pobre, negro, puta, gay, etc"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nem vou me dar ao trabalho de refutar os autointitulados expoentes da classe média que se rebelaram contra o chilique de Marilena Chauí, porque os argumentos usados, na maioria dos textos que li (<i>"a classe média sustenta esse país"</i>, <i>"a classe média gera empregos"</i> etc.) são tão rasos que nem vale a pena iniciar qualquer debate nesse sentido. Também não creio que Marilena Chauí deva ser levada muito a sério (e nem me parece que ela seja, fora do seu círculo de fãs). Não sei se procede a crítica, feita nos anos 80 pelo diplomata José Guilherme Merquior, de que Marilena Chauí plagiou Claude Lefort (segundo li, ela não negou, limitando-se a invocar contra o diplomata o, a meu ver sempre inútil, argumento <i>ad hominem</i>). Também não sei se é verdade que ela plagiou Julián Marías - o capítulo 3 da Unidade 3 de <i>Convite à Filosofia</i>, de MC, é de fato praticamente idêntico ao ponto 24 do capítulo II do <i>Introdución a la Filosofia</i>, de JM, e MC, ao menos na edição que li, não faz qualquer menção a JM, embora a obra deste date de 1947 (não sei quando <i>Convite à Filosofia </i>foi lançado, não achei edições anteriores a 1994, mas como MC nasceu em 1941, creio que o livro de Julián Marías seja anterior). Mas não conheço filosofia o suficiente para acusar MC de plágio nesse caso, porque ambos podem ter bebido da mesma fonte. Ou não.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em suma, não considero Marilena Chauí uma grande pensadora, e me parece que seus admiradores apreciam mais sua verve político-ideológica (e seu talento inato para a <i>stand-up comedy</i>)<i> </i>do que suas ideias filosóficas. Então, se ela quiser berrar para seu fã-clube que o que ela entende por classe média é tudo aquilo que já transcrevi, arrancando aplausos e gargalhadas, não creio que isso deva ser levado muito a sério. O próprio Lula, que subiu ao palco depois da professora, parece não levá-la a sério, já que afirmou (suponho que jocosamente): <i>"Depois de anos que lutei para chegar à classe média, vem essa mulher e esculhamba com a classe média..."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
O problema surge quando essa concepção de "classe média malvada" começa a ser encontrada em textos mais inteligentes e que, além disso, não deixam claro a que classe média se referem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Considero um equívoco atribuir a uma classe social - seja qual for o parâmetro empregado para defini-la - tais ou quais características, ainda mais nos termos extremados como os empregados nos trechos que destaquei acima. Primeiro, porque <i>reacionário, conservador, ignorante, petulante </i>e<i> arrogante </i>(deixemos o <i>terrorista</i> de lado) são características de indivíduos e, mesmo que um grupo seja formado por muitas pessoas com essas características, não me parece correto uniformizar todos e cada um dos membros desse grupo sob tais parâmetros. Segundo, porque se parte do muito ingênuo pressuposto de que em outro(s) grupo(s) da sociedade (no caso de MC, a "classe trabalhadora") essas características não estariam presentes. Ou não haverá, parafraseando Márcio Sotelo Felippe, pobres ou membros da "classe trabalhadora" a favor da pena de morte, da redução da maioridade penal, da execução sumária de transgressores, e que repitam frases como 'bandido bom é bandido morto'? Ou a "classe trabalhadora" não é também fascista, violenta e ignorante?<br />
A piada de Lula contém uma verdade implícita: à exceção de quem (como Marilena Chauí) adota uma concepção de classes fundada primordialmente na ideia da exploração de uma classe por outra, a ascensão social, a escalada do que o governo chama de "classe baixa" para a "classe média" é uma conquista, e antes disso, uma meta. Não há nada mais petulante e arrogante (para usar os adjetivos empregados pela professora) do que um "intelectual" que arvora para si a "sabedoria" de dizer o que o povo (seja a "classe trabalhadora", seja a "classe baixa") quer, independentemente do que esse mesmo povo pense e diga a respeito. Como brincou Joãosinho Trinta: <i>"Quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta de luxo."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Caracterizar toda uma classe - seja econômica (critério do Governo), seja social (critério de MC) - atribuindo-lhe características típicas de vilões de histórias em quadrinhos (do que decorre que outras classes seriam os heróis, ou pior, a mocinha da história) - não é o tipo de análise que costuma levar a boas conclusões (basta lembrar que Marx e Engels defendiam a inevitabilidade da extinção da burguesia e a "ditadura do proletariado", duas hipóteses sobre as quais a História sapateou). A realidade social é multifacetada demais para se adequar a maniqueísmos rasteiros.</div>
<div style="text-align: justify;">
A classe média não é, enquanto classe, vilã da história, assim como a classe baixa - ou a "classe trabalhadora" - não é o herói, nem a mocinha. Os defeitos individuais são encontrados em todas as classes. Abordagens simplistas como a de Marilena Chauí certamente não são úteis para levar uma sociedade complexa e plural (como a brasileira) à superação de suas profundas desigualdades. Mas se ela própria afirma que seu ódio pela classe média - e não há nada mais irracional do que o ódio - é a razão pela qual defende seu ponto de vista, a incoerência que se segue a partir de tal premissa não deveria surpreender ninguém.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-73711705007345629942013-05-20T10:11:00.000-03:002013-05-20T10:11:15.107-03:00Sociedade e autoridade - parte 3<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuWrauqTUBgmsrgtPZTHxJRlhVolYMdDHcpiiQx31X52k9TqZuAoCpHTDdMqg-E-aqCgOkyid0gD_h6OYtcWk8dm7XkoyHzsnwwU9TcLgDo1gYrTCgnLMBBA3OlHZg8kei0Fn0_6GH4bI/s1600/Terceira+Onda.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="191" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuWrauqTUBgmsrgtPZTHxJRlhVolYMdDHcpiiQx31X52k9TqZuAoCpHTDdMqg-E-aqCgOkyid0gD_h6OYtcWk8dm7XkoyHzsnwwU9TcLgDo1gYrTCgnLMBBA3OlHZg8kei0Fn0_6GH4bI/s320/Terceira+Onda.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">O símbolo da Terceira Onda, criado por alunos da<br />
Escola Secundária Cubberley, em 1967.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Na tentativa de refletir sobre a relação entre sociedade e autoridade, escrevi sobre a<a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/02/sociedade-e-autoridade-parte-1.html" target="_blank"> experiência de Milgram</a> e o <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/03/sociedade-e-autoridade-parte-2.html" target="_blank">experimento de aprisionamento de Stanford</a>. Uma terceira experiência que vale a pena lembrar, com resultados tão perturbadores quanto as anteriores, surgiu quase que por acidente, sem planejamento prévio, como resultado de uma pergunta feita por um adolescente numa aula de história da Escola Secundária Cubberley, em Palo Alto, em 1967 (coincidentemente, a mesma cidade em que, quatro anos depois, Phillip Zimbardo conduziria a experiência de Stanford).</div>
<div style="text-align: justify;">
Numa aula sobre a Segunda Guerra Mundial, um aluno questionou o professor Ron Jones sobre a responsabilidade do povo alemão pelos crimes dos nazistas (o debate sobre como a Alemanha foi capaz de ignorar - e, portanto, aceitar - tais crimes continua até hoje). Incapaz de dar uma resposta direta (já que nenhuma racionalidade poderia justificar a adesão acrítica da quase totalidade dos alemães a Hitler), Ron Jones induziu a classe a um experimento sociológico, para tentar demonstrar a facilidade com que um grupo pode aderir ao fascismo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O exercício começou numa segunda-feira.</div>
<div style="text-align: justify;">
Assumindo o papel de líder autoritário da sala, que tinha cerca de 30 alunos, o professor deu uma palestra sobre a "beleza da disciplina" e começou a impor à classe, num primeiro momento, exercícios simples como sentar-se adequadamente e respirar de forma correta, criando um ambiente de ordem e disciplina rigorosa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Na terça-feira, ao chegar à aula, o professor encontrou os alunos sentados de forma rígida e ordenada. A maioria dos estudantes olhava de forma séria e concentrada para a frente. Jones escreveu na lousa: "FORÇA através da disciplina. Força através da comunidade". Discursou, então, sobre o valor da comunidade. Depois, fez a sala recitar em uníssono, repetidamente, o mantra "força através da comunidade". Começou a pedir que alguns alunos se levantassem, até que todos ficassem em pé, sempre entoando a frase. Segundo Jones, <i>"os alunos começaram a olhar uns para os outros e sentir o poder de pertencer. Todo mundo era capaz e igual. Eles estavam fazendo algo juntos"</i>. No final da aula, Jones criou uma saudação para ser usada apenas pelos membros da classe, chamando-a de saudação da Terceira Onda.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na quarta-feira foi criado um cartão de adesão. 13 alunos haviam solicitado a transferência para a sala, para integrar o grupo, que agora contava com 43 membros. Três estudantes foram escolhidos para relatar eventuais descumprimentos das regras por outros membros do grupo. Jones determinou que alguns alunos criassem um símbolo, e que outros arregimentassem membros para o grupo. O cozinheiro da escola pediu para fazer um cardápio para a Terceira Onda. Numa reunião, o diretor da escola cumprimentou Jones com a saudação da Terceira Onda. No final do dia, a Terceira Onda já contava com mais de 200 alunos. Jones observou que, nesse ambiente, as qualidades dos alunos mais inteligentes eram diluídas: <i>"As habilidades intelectuais de questionamento e raciocínio eram inexistentes"</i>. Além disso, começava a surgir uma tensão entre os membros mais comprometidos com as regras do grupo e aqueles que não as levavam tão a sério.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na quinta-feira, Jones percebeu que a experiência estava fora de controle. A essa altura o grupo, estimulado pelo professor, achava que a Terceira Onda tomaria todo o país. Vozes dissidentes eram silenciadas à força pelo grupo. Um adolescente perdeu a mão construindo explosivos. Jones marcou um comício para o dia seguinte e, na sexta-feira, encerrou o experimento, explicando aos alunos que se tratava apenas uma simulação.</div>
<div style="text-align: justify;">
A experiência foi retratada em dois filmes, o norte-americano <i>The wave</i> (1981) e o alemão <i>Die welle</i> (2008). É possível ainda enxergar inúmeras referências ao fato no filme <i>Clube da Luta </i>(1999).</div>
<div style="text-align: justify;">
Dois anos depois do experimento, Ron Jones foi demitido e proibido de ensinar em escolas públicas. E até hoje se arrepende de ter colocado em risco a vida dos alunos. Mas a tese que todos nós estamos sujeitos ao fascínio do fascismo foi comprovada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Mais do que isso, a experiência demonstra que o totalitarismo prescinde de símbolos que remetam a seu passado trágico (como a suástica) e mesmo de discursos excludentes. Na verdade, a história mostra que o fascismo geralmente surge após uma fase de "melhora" social - Jones narra que Robert, um aluno fraco e não muito inteligente, contou-lhe que se sentia perfeitamente integrado a um grupo pela primeira vez na vida. Nos primeiros dias, o desempenho do grupo melhorou consideravelmente. E é bom lembrar que Hitler impulsionou a então destroçada economia alemã, antes de desencadear o Holocausto. </div>
<div style="text-align: justify;">
Paraísos artificiais são campos férteis para as piores distopias. E, pelo visto, não há sociedade imune à sedução do fascismo travestido de boas intenções.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1QfpJ03Fjm2PFbstBUpKhQ4CtA7Al7H2LMnMQ13nSnSBaZqdPFM7MQ5vR7pgrv3elGSygPIGM5kpt7tZnJRX7dNmdpCyuBYyTURx1yt2nG-HTkYSFhndFbJ2Clyw1cxqQg55S9TTe5bU/s1600/Ron+Jones.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1QfpJ03Fjm2PFbstBUpKhQ4CtA7Al7H2LMnMQ13nSnSBaZqdPFM7MQ5vR7pgrv3elGSygPIGM5kpt7tZnJRX7dNmdpCyuBYyTURx1yt2nG-HTkYSFhndFbJ2Clyw1cxqQg55S9TTe5bU/s320/Ron+Jones.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ron Jones - proibido de lecionar em escolas públicas, o<br />
professor se arrepende de ter colocado em risco a vida dos alunos.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-38003049021543026512013-05-14T01:41:00.000-03:002013-05-14T01:41:12.450-03:00Dois assaltos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgx-Qmi2PSN015OtpMpdWNoUT6EtyVVlpaM1X0vEFNe0bvawlHBwDTuAY1gK_pOZ56Cgx98JsfyHR05stz6Vccntn-QnfC-MBvlhbflaTNtGYEYDurk1F3Bo02guY7mMP05RhXwdzpFam4/s1600/assalto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgx-Qmi2PSN015OtpMpdWNoUT6EtyVVlpaM1X0vEFNe0bvawlHBwDTuAY1gK_pOZ56Cgx98JsfyHR05stz6Vccntn-QnfC-MBvlhbflaTNtGYEYDurk1F3Bo02guY7mMP05RhXwdzpFam4/s320/assalto.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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Na última terça-feira fui assaltado. É o segundo assalto a mão armada em menos de um ano.</div>
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Este blog não se presta, em regra, a reminiscências pessoais nem é local de terapia em grupo, mas há algo a ser dito sobre esses dois eventos que tem relação direta com muito do que escrevo por aqui. Explico-me.</div>
<div style="text-align: justify;">
Primeiro assalto: foi logo depois do almoço, em plena luz do dia, nos Jardins. Estava próximo à delegacia, onde cheguei em menos de 20 minutos. Contei o ocorrido e acrescentei que o assaltante, armado, ainda poderia estar nos Jardins, talvez assaltando outras pessoas. A reação da polícia foi me pedir, educadamente, para aguardar numa sala de espera, enquanto atendiam uma senhora bem vestida que estava discutindo com o genro. Fiquei quase uma hora diante de uma televisão, me atualizado sobre um <i>reality show </i>qualquer (minha memória, caridosamente, já deletou qual era). Só consegui fazer o boletim de ocorrência no dia seguinte.</div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo assalto: foi às 18h20, também com o emprego de uma arma. A polícia conseguiu entrar em contato comigo cerca de três horas depois. Haviam pego os assaltantes. Meu celular foi recuperado. Meus documentos, não.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na delegacia, fiquei sabendo que os assaltantes eram três (apenas dois haviam me abordado) - um menor de idade (17 anos) e dois maiores. A polícia apreendeu com eles alguns bens (dentre eles meu celular) e uma arma de brinquedo. O menor, como é comum nesses casos, assumiu que havia roubado sozinho os bens. A polícia contatou a dona de outro celular, que afirmou que não iria à delegacia reconhecer ninguém. Eu só consegui falar com os policiais ao chegar à delegacia, por volta de 23h30. Tentei antes, por telefone, sem sucesso. Fui então informado que o menor havia sido encaminhado à Fundação Casa, pois havia um mandado de busca e apreensão contra ele. Como a primeira vítima se recusou a ir à delegacia e a polícia não conseguiu falar comigo imediatamente, os dois maiores foram soltos - embora, segundo me disseram, ambos tivessem passagem por roubo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Duas considerações sobre esses fatos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Primeira: ao contrário do que alguns podem imaginar, tudo o que já escrevi sobre direitos humanos, sistema carcerário e redução da maioridade penal permanece absolutamente inalterado. Pela mais óbvia das razões: a lógica - contaminada pelo sentimento - da vítima em relação aos seus agressores não serve para a análise racional (e impessoal) das políticas públicas. Posso garantir que meus sentimentos em relação aos criminosos que me assaltaram são pouco generosos. Isso é uma coisa. Outra, bem diferente, é a análise racional que eu faço da criminalidade urbana e os caminhos que reputo adequados para amenizar (solucionar me parece impossível, na sociedade brutal em que vivemos - brutalidade no sentido mais amplo da palavra, entenda-se bem) os gravíssimos problemas da criminalidade urbana e da violência.</div>
<div style="text-align: justify;">
As ideias que defendo em textos como <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2012/09/tribunais-paralelos.html" target="_blank">Tribunais paralelos</a>, <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2012/10/defender-lei-nao-e-defender-bandidos.html" target="_blank">Defender a lei não é defender bandidos</a>, <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2012/11/alo-criancada-policia-chegou.html" target="_blank">Alô, criançada, a polícia chegou</a> e <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/01/e-agora-jose-e-agora-voce.html" target="_blank">E agora, José? E agora, você?</a>, as ideias que defendo em aulas, debates, palestras, conversas e jantares permanecem as mesmas. A bem da verdade, embora traumáticos, esses assaltos antes confirmam do que refutam tudo o que tenho defendido nos meus textos.</div>
<div style="text-align: justify;">
No primeiro assalto, se a polícia tivesse considerado o assalto mais relevante do que a briga da senhora com o genro, talvez o criminoso tivesse sido capturado. Faltou vontade e competência. Simples assim.</div>
<div style="text-align: justify;">
O segundo assalto foi ainda mais emblemático da incompetência e da ineficácia sistêmicas. Os bandidos foram presos por volta das 21h30, pelo que fui informado. Cheguei à delegacia duas horas depois. Acredito que meu depoimento teria sido mais do que suficiente para que os maiores de idade ficassem presos - afinal, eu diria à polícia que havia dois assaltantes, em lugar distinto do apontado pelo menor, e os três portavam o celular que me fora roubado. Apenas o menor permaneceu preso. Imagino que os dois maiores tenham voltado exatamente para o local onde fui roubado, e posso apostar que já assaltaram outras pessoas desde então. Fui assaltado praticamente na porta do trabalho, o que significa que posso ser roubado novamente pelas mesmas pessoas amanhã ou na semana que vem.</div>
<div style="text-align: justify;">
As falhas não são individuais, são sistêmicas. Há bons e maus policiais, investigadores e delegados, gente dedicada e gente preguiçosa, como em todas as outras profissões. Mas o sistema é inegavelmente ineficiente, e não se restringe às autoridades policiais (cuja baixa remuneração também contribui para agravar o quadro). Em 2001, o STJ cancelou a Súmula 174, segundo a qual o uso de arma de brinquedo bastava para o aumento da pena no crime de roubo. Não me parece ser necessário muito bom senso para se concluir que, sob a mira de um revólver, a intimidação é a mesma, seja ele verdadeiro ou não. A ineficiência permeia todos os escalões do sistema.</div>
<div style="text-align: justify;">
Daí porque reduzir a maioridade penal, endurecer as penas ou tornar as condições carcerárias (ainda) mais desumanas - enfim, adotar uma postura medieval e bárbara no trato com a criminalidade - não vai adiantar nada. Vai servir apenas para acirrar a guerra urbana em que vivemos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Em vez de bradar por vingança e se deliciar com o sofrimento dos detentos nas masmorras do nosso sistema penitenciário - verdadeiras fábricas de monstros, que aceitamos passivamente para depois reclamarmos da brutalidade que nos é devolvida - deveríamos exigir, simplesmente, que as leis que já existem fossem cumpridas de forma eficiente. Eu não gostaria que os sujeitos que me assaltaram fossem torturados, espancados e mortos. Mas gostaria muito que tivessem sido presos, julgados e condenados pelo roubo, cuja pena é de 4 a 10 anos. A meu ver, seria uma punição justa.</div>
<div style="text-align: justify;">
Então, aprimorar o sistema já existente e combater suas falhas me parece mais eficaz do que apoiar a pena de morte informal nas periferias ou berrar, irracionalmente, por mudanças na lei que não melhorarão a situação. Nunca acreditei, e continuo a não acreditar, em combate à impunidade ao arrepio da lei (o que significa apenas substituir uma impunidade por outra). É a certeza da punição, não sua dureza, que inibe o crime. Não adianta nada endurecer o sistema se ele continuar ineficiente.</div>
<div style="text-align: justify;">
E se me aferro à racionalidade e não permito que esses episódios violentos, perigosos e assustadores alterem minha visão de mundo, não é porque defendo bandidos ou gosto deles. Ajo assim porque ceder ao ódio significaria me colocar permanentemente no papel de vítima do assalto, significaria aceitar esse papel e resignar-me, amedrontado e ressentido, ao lugar onde fui colocado pelo assaltante naquele momento específico. Seria permitir que aquele momento se perpetuasse e moldasse minha vida, meu comportamento e minha visão de mundo daqui para frente. Seria, enfim, atribuir ao(s) bandido(s) o poder de determinar quem eu sou e onde eu devo ficar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não pretendo dar esse poder a criminoso algum.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-64427701149242264182013-05-04T16:23:00.003-03:002013-05-04T16:23:36.965-03:00Pra ver você que lobo também faz papel de bobo...<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEEXFUX47443waMcsg8rQK08ohTYbeTEYnCwHCjGU9kH57Tv2IRq9Eb3RfN-hO432yKJk4PdViDoCJqveUI-hfUGP5sAScHfiz8xrkE9mEjT4IsUvHGEetP4XdCT9j6AjmIlT0NqNiWF4/s1600/lob%25C3%25A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEEXFUX47443waMcsg8rQK08ohTYbeTEYnCwHCjGU9kH57Tv2IRq9Eb3RfN-hO432yKJk4PdViDoCJqveUI-hfUGP5sAScHfiz8xrkE9mEjT4IsUvHGEetP4XdCT9j6AjmIlT0NqNiWF4/s320/lob%25C3%25A3o.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Lobão: da rebeldia irreverente ao reacionarismo amargurado<br />"Mas o Lobo Mau insiste, e faz cara de triste..."</td></tr>
</tbody></table>
<br />
A <a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/106812-quottudo-passa-na-lei-rouanetquot-diz-lobao.shtml" target="_blank">entrevista</a> dada por Lobão à Folha de São Paulo na última quinta-feira, 02 de maio, revela até para os mais distraídos certas obviedades que um olhar mais atento sobre os últimos anos do cantor detecta com facilidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quem, como eu, acompanha a carreira de Lobão desde os primórdios, quando ele era baterista da Blitz (admito, só vim a conhecer a Vímana muitos anos depois), passando pelos Ronaldos e pelo trabalho solo de qualidade dos anos 80 e 90, não consegue reconhecer no falastrão destemperado de hoje o compositor inspirado que deu ao então nascente rock Brasil contribuições tão marcantes quanto <i>Revanche </i>e <i>Me chama</i>, o contestador que levou o samba para o rock com <i>Vida bandida,</i> que teve a coragem de colocar a bateria da Mangueira no palco do Rock in Rio II em plena "noite do heavy metal", encarando sem medo uma vaia histórica e que peitou sozinho o mercado fonográfico nacional, criando um método alternativo de distribuição do disco <i>A vida é doce </i>em 1999. Esse Lobão, infelizmente para todos nós e principalmente para ele mesmo, não existe mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
Já há muitos anos - mais ou menos a partir do início dos anos 2000 - a postura contestadora e incisiva deu lugar a uma verborragia amarga e reacionária. O rebelde dos anos 80 e 90 é hoje um simpatizante dos militares e um crítico feroz da MPB brasileira, além de um contumaz <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2012/11/carta-um-vira-latista-brasileiro.html" target="_blank">vira-latista</a>. É quase inacreditável que o artista que teve a sensibilidade de escrever versos como <i>"A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo / E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo / E se o sol ainda nasce quadrado a gente ainda paga por isso" </i>defenda, anos depois, anistia para os militares que <a href="http://www.youtube.com/watch?v=4Ep5b8xh-bQ" target="_blank">"arrancavam umas unhazinhas"</a>.<br />
Entender as razões dessa guinada para o conservadorismo não é fácil, mas alguns fatos (que a entrevista à Folha, de forma sutil, confirma) são bem significativos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Cynara Menezes, autora do blog <a href="http://www.socialistamorena.com.br/" target="_blank">Socialista Morena</a>, fez uma <a href="http://www.socialistamorena.com.br/a-volta-do-filho-de-papai-prodigo-ou-a-parabola-do-roqueiro-burgues/" target="_blank">análise</a> interessante, com a qual concordo em grande parte. Mas especificamente no caso de Lobão, há mais do que o mero retorno aos valores rejeitados na juventude. Como uma versão roqueira do Tom Zé, Lobão sente-se profundamente injustiçado por não ser reconhecido como um gênio nem ter estourado com a mesma força de um Cazuza, de um Renato Russo, de um Herbert Vianna - para não falar dos grandes nomes da MPB como Tom Jobim, Chico, Caetano e Gil. </div>
<div style="text-align: justify;">
A prova mais emblemática desse recalque foi a recusa em participar do festival Lollapalooza em 2011, sob o argumento de que as bandas nacionais estavam sendo desprestigiadas. Em um <a href="http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=SsinLWpWVIU" target="_blank">vídeo</a> divulgado no Youtube, Lobão chegou a fazer uma "convocação de interesse público", conclamando os artistas brasileiros a boicotarem o festival. Em <a href="http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1009762-grave-um-disco-bom-e-ganhe-mais-fas-diz-perry-farrell-a-lobao.shtml" target="_blank">entrevista à Folha</a>, na época, o organizador do festival, Perry Farrell, mandou a Lobão uma mensagem irrespondível e humilhante: <i>"As escalações de line-up são feitas de forma política. Sempre o nome que atrai mais gente fica por último. Vou dar um conselho a ele: grave um disco muito bom, um que todo mundo ame, e faça as pessoas quererem vê-lo ao vivo. Então, ele poderá ser headliner de um festival"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Bem, Lobão não gravou nenhum disco muito bom e, é bom lembrar, há muito tempo não escreve uma letra relevante ou minimamente interessante. Mas sua inteligência continua afiada e ele continua a ser, como sempre foi, bastante articulado. Então, porque a polêmica pode ser uma forma de rebeldia - e mais do que isso, um meio de se manter em evidência - Lobão voltou seus ataques, num primeiro momento, para a cultura brasileira e a MPB em geral.</div>
<div style="text-align: justify;">
Neste <a href="http://www.youtube.com/watch?v=sezYgT3PQIc" target="_blank">vídeo</a>, por exemplo, Lobão critica a "inocuidade galopante" de Chico Buarque, chama Nyemeier de "péssimo arquiteto" (por ser comunista), e desanca a bossa nova ("igual a um coral de Ray Coniff") e Gilberto Gil ("babaca", "em cima do muro"). Infelizmente, o entrevistador não lhe perguntou se ele via em si todas as qualidades que ele considera inexistentes nos artistas citados.</div>
<div style="text-align: justify;">
Só que nem mesmo essa investida contra a MPB e a cultura brasileira em geral surtiu o resultado esperado por Lobão - o reconhecimento de sua relevância, se não musical ou cultural, pelo menos, digamos, "intelectual". Então - aproveitando a conquista pela esquerda brasileira dos cargos políticos mais relevantes do país - Lobão redirecionou sua fúria não só para as esquerdas, mas para toda e qualquer mentalidade progressista (logo ele, antes tão inovador) - e se tornou um reacinha ranheta e chorão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Daí o lançamento de seu novo livro e a entrevista à Folha, na qual chama Dilma de terrorista e afirma que o PT está preparando um golpe de Estado (aparentemente, Lobão esqueceu que o PT já está no poder). Mas o mais emblemático e revelador dessa entrevista está no seguinte trecho: <i>"Não acredito em vítima da ditadura, quero que eles se fodam. Eu fui perseguido, passei quatro anos perseguido por agentes do Estado. Por que eu tinha um galho de maconha? Me botaram por três meses na cadeia. Nem por isso eu pedi indenização ao Estado. Devo ter sofrido muito mais do que 90% desses caras que dizem que foram torturados"</i>.<br />
Essa afirmação resume toda a realidade atual de Lobão. Negar que vítimas da ditadura existam é inconcebível para qualquer vertebrado alfabetizado, e Lobão - repito - é um sujeito inteligente. Comparar uma prisão por três meses em razão de drogas às barbáries praticadas pelos militares e tão ridículo quanto afirmar que <i>"devo ter sofrido muito mais do que 90% desses caras" </i> - e é nesta frase que está a essência da amargura de Lobão, a percepção de que ninguém jamais sofreu como ele, que, heroicamente, nunca pediu uma indenização ao Estado pelos três meses que passou preso, sem ser torturado, por conta das drogas que usava.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
Lobão entregou de bandeja ao leitor da Folha a admissão de que sua "rebeldia" não passa de um recalque rasteiro, de invejinha de quem se acha brilhante e se ressente da falta de reconhecimento de sua genialidade. No fundo, foi apenas mais uma dentre tantas oportunidades que Lobão perdeu de ficar com a boca fechada.<br />
O primeiro disco de João Gilberto (que, apesar da consagração internacional, é considerado medíocre por Lobão), <i>Chega de saudade</i>, de 1959, traz a faixa <i><a href="http://www.youtube.com/watch?v=xQXAhAqDuNQ" target="_blank">Lobo bobo</a></i>, composta por Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli. Canta João: <i>"Era uma vez um lobo mau que resolveu jantar alguém / Estava sem vintém mas arriscou e logo se estrepou"</i>.<br />
Lobão é exatamente isso: alguém que pretende ser um lobo mau, mas não passa de um lobo bobo. E, exatamente como na música, <i>"pra ver você que lobo também faz papel de bobo, só posso lhe dizer, Chapeuzinho agora traz o lobo na coleira que não janta nunca mais"</i>.<br />
Os heróis de Cazuza morreram de overdose. Allen Ginsberg viu os expoentes de sua geração <i>"destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa"</i>. Nós, que vimos o rock Brasil nascer, crescer e se tornar essa caricatura patética da atualidade, ainda temos o desprazer de testemunhar os rebeldes de outrora, como Lobão e Roger Moreira, cumprindo a profecia nietszschiana de se tornarem os monstros que buscavam combater. Aos que conheceram a irreverência selvagem de um Lobão e o sarcasmo contundente de um Ultraje a Rigor nos anos 80, resta a dor de <i>"perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-63707786683545532672013-04-17T09:23:00.000-03:002013-04-17T14:07:21.102-03:00Gerald Thomas e a arte de ser idiota<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCUOWXuG3rbBoLkX1KkynmMP1sQgNL0Z9YN-QMW5XQ58whfhfS5pEQ__sQk3m7lmyUrabcA9zz61NIAyZCjkaaNuJO2wcWYqi7xIzdj-srQqCeaB5bzsWJBrUwPz7uuHBKe0nOpQtqGMc/s1600/nicole+bahs+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCUOWXuG3rbBoLkX1KkynmMP1sQgNL0Z9YN-QMW5XQ58whfhfS5pEQ__sQk3m7lmyUrabcA9zz61NIAyZCjkaaNuJO2wcWYqi7xIzdj-srQqCeaB5bzsWJBrUwPz7uuHBKe0nOpQtqGMc/s320/nicole+bahs+1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Gerald Thomas e Nicole Bahls: a ex-panicat<br />
está claramente adorando a "brincadeira"</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="text-align: justify;"> Na semana passada, o diretor teatral Gerald Thomas protagonizou um dos episódios mais bizarros da - por si só bastante bizarra - trajetória do programa </span><i style="text-align: justify;">Pânico</i><span style="text-align: justify;">.</span><br />
<div style="text-align: justify;">
Alguns membros do programa, dentre eles a ex-panicat Nicole Bahls, compareceram ao lançamento de um livro do diretor. Gerald Thomas agarrou Nicole e enfiou a mão entre as pernas da ex-panicat, que usava um vestido curto. As fotos que rodaram a internet mostram o visível constrangimento de Nicole, que, mais tarde, em resposta a um de seus fãs, escreveu em seu Twitter: <i>"Fiquei muito triste com isso. Obrigada de coração. Amanhã é outro dia. Vai passar".</i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKNLUPXELjejbAJ1t7SRj3_5GxyhwBS6BKzRUdZQ1BTLVodbk2ZDQB7Wy-dr3uBEaWu0x0vM4-FJ3AYlN7n4HDc2laYUFdLSpwMZ3K_s_IGetjjaAYVVJpeY2aNZrHIafXnRRYOHO-zjs/s1600/nicole+twitter.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="243" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKNLUPXELjejbAJ1t7SRj3_5GxyhwBS6BKzRUdZQ1BTLVodbk2ZDQB7Wy-dr3uBEaWu0x0vM4-FJ3AYlN7n4HDc2laYUFdLSpwMZ3K_s_IGetjjaAYVVJpeY2aNZrHIafXnRRYOHO-zjs/s320/nicole+twitter.jpg" width="320" /></a></i></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
A cretinice de Gerald Thomas obviamente despertou a fúria não só dos movimentos feministas, mas de muita gente que acredita que o fato de uma mulher usar vestido curto não é justificativa para esse tipo de abuso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Gerald Thomas poderia ter pedido desculpas a Nicole. Poderia ter dito que extrapolou, que foi infeliz. Mas aparentemente o diretor acredita que grandes gênios universais - categoria da qual crê fazer parte - não erram, são apenas mal interpretados por nós, a burguesia primitiva, ignorante e incapaz de compreender a profundidade e a complexidade de suas manifestações.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por isso, ao invés de pedir desculpas, o diretor escreveu em seu blog o texto<a href="http://geraldthomasblog.wordpress.com/2013/04/12/panico-much-ado-about-nothing-all-in-good-faith/" target="_blank"> "PANICO" - much ado about nothing - all a joke among artists</a>, no qual deixa claro que sua visão de mundo, e principalmente das mulheres, corresponde exatamente à sua atitude.</div>
<div style="text-align: justify;">
Logo de cara, Gerald Thomas afirma que <i>"quando for ao ar, todos esses que me maldizem vão QUEBRAR A CARA e nós, da classe (entre eles, Nanini, Fernandona, Latorraca, Groisman, etc) vamos rolar de rir no chão"</i>.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não fica muito claro a que "classe" ele se refere, já que (Serginho?) Groisman não é, como os demais citados, ator. O fato é que, se houve apoio da "classe" à violência de Gerald Thomas, não ficamos sabendo. E é provável que esse silêncio constrangido da "classe" decorra justamente da montanha de asneiras que se seguiram no texto:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Vem uma menina, de (praticamente) bunda de fora, salto alto de 'fuck me', seios a mostra, dentro de um contexto chamado PANICO e eu (que não me deixo intimidar e gosto desse pessoal) entro no jogo e viro as cartas - e os intimido! (que nada! Brincadeira também!) (TUDO BRINCADEIRA, GENTALIA HIPOCRITA que abriu uma facebook Page e debate e me massacra e passa dias editorializando e 'moralizando' uma questão tão simples e tão absolutamente inútil:</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu, Gerald Thomas, faço a olho nu, na frente dos fotógrafos, das câmeras, das luzes, o que esse bando de carecas e pseudo moralistas gostaria de estar fazendo atrás de portas fechadas, com as luzes apagadas! EYES WIDE SHUT "</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Então, revoltado porque a "imprensa escrota", de forma sensacionalista, fala em estupro (<i>"ESTUPRA? Como assim? Só levantei a saia de alguém que estava usando trajes ousadamente 'putos'" - </i>"como assim?" pergunto eu - "<i>só </i>levantei a saia de alguém"?), Gerald Thomas se agarra ao chavão mais usado pelos estupradores para justificar seus atos: foi ela que provocou.</div>
<div style="text-align: justify;">
Primeiro, era só uma "brincadeira entre artistas". Eu, você que lê esse texto, a sociedade em geral, é careta, hipócrita, moralista, incapaz de entender uma brincadeira inteligível somente para a classe artística. A própria Nicole, pelo visto, não deve se considerar um membro dessa classe, já que deixou claro em seu Twitter o quanto a atitude do diretor a entristeceu (posteriormente, a ex-panicat tentou minimizar o episódio. É compreensível, ela acabou de voltar ao programa, quer manter o emprego, e deve ter sido "advertida" pelo desabafo no Twitter. Mais uma violência, caso ninguém tenha notado).</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas além de ser só uma brincadeira, ela provocou, não foi? Afinal, vestido curto é sinônimo de "bunda de fora" (às leitoras do blog que gostam de usar saias e vestidos mais curtos, sugiro cautela se passarem ao lado de Gerald Thomas), salto alto é sinônimo de "fuck me" (mulheres, a partir de hoje, todas de rasteirinha, ou nós, homens, interpretaremos seus saltos como um pedido de sexo ali mesmo, na hora, queiram vocês ou não) e "seios à mostra" (só vi um decote nas fotos, mas pelo visto os óculos de Gerald Thomas têm raio-x, já que a bunda também estava de fora). Não é essa sempre a desculpa dos estupradores, ela provocou, ela queria isso, olha como ela estava vestida?</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMXLZHEl-3J2OfxozdRr0W3H1gorBERQvLi74dFjkgLOKYptw2H_oTdxPHwRxSoYSC6Kz36zQYnN0DNJPeBCo3TB7CJJagDcaRZIek1fxhcNkn9qftnR83sb0ry2kIBY45Dql1m6uLFig/s1600/clockwork.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="103" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMXLZHEl-3J2OfxozdRr0W3H1gorBERQvLi74dFjkgLOKYptw2H_oTdxPHwRxSoYSC6Kz36zQYnN0DNJPeBCo3TB7CJJagDcaRZIek1fxhcNkn9qftnR83sb0ry2kIBY45Dql1m6uLFig/s200/clockwork.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"Só uma brincadeira, pura diversão!"</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Não espanta que a "classe" tenha mostrado seu "apoio" a Gerald Thomas com o mais absoluto silêncio. Alguém consegue imaginar Fernanda Montenegro "rolando de rir no chão" com essa história? Nem citar Stanley Kubrik adiantou - até porque o diretor lembrou bem mais o psicótico Alex de <i>Laranja Mecânica</i> do que o mal reprimido Bill Harford do <i>De Olhos Bem Fechados.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
E porque o diretor provavelmente já sabia que ninguém - nem mesmo a "classe" - engoliria essas desculpas esfarrapadas, ele tenta um último - e patético - argumento:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>"Somos todos da classe teatral e nossa função é apontar as VOSSAS falhas. E se VOCES se revoltam TANTO, então, já fico contente porque os alertei para alguma coisa. O que? SIM:</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>1 - A mulher não é um objeto. Mas não deveria ser apresentado como tal</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>2 - E os homens jamais deveriam se utilizar desse objeto de forma alguma"</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i><br /></i></div>
<div style="text-align: justify;">
Portanto, Gerald Thomas cometeu uma violência contra Nicole Bahls - que, por ser da classe teatral, aceitou a "brincadeira" - para mostrar a nós, a classe média burguesa ignara e primitiva, nossos próprios defeitos. E para nos "alertar" que não devemos tratar as mulheres como objeto, ele fez exatamente isso. Não que ele quisesse agredir a ex-panicat, foi tudo uma crítica social. Ué, mas não era uma brincadeira entre artistas? Decida-se, Gerald!</div>
<div style="text-align: justify;">
Falta ao diretor (e pelo visto ainda a muita gente, como se percebe em alguns <a href="http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2013/04/15/panico-exibe-cena-polemica-de-gerald-thomas-e-nicole-bahls-e-critica-sensacionalismo-da-imprensa.htm" target="_blank">comentários dos internautas à matéria veiculada pela UOL)</a> a consciência de que uma mulher pode e deve se vestir exatamente como quiser, inclusive de forma provocante, sem que isso signifique que ela concorda ou permite que seu corpo seja usado e abusado à sua revelia.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vestir roupas curtas, provocantes e sensuais, expor (ou não) seu corpo<i> na medida e do jeito que quiser</i>, é um direito de toda mulher. O uso do direito ao próprio corpo <i>não gera nenhum direito ao corpo alheio</i>. Um vestido curto, um decote ou um salto alto não implicam nenhuma permissão de invasão da intimidade de uma mulher.</div>
<div style="text-align: justify;">
E ser "artista" não dá a ninguém permissão para praticar violências contra outras pessoas. Aliás, nada mais banal do que um "artista" que se imagina um ser à parte da sociedade, superior a ela e isento da obrigação de seguir suas regras. Numa sociedade plural, a classe artística é exatamente isso - uma classe a mais, dentre tantas outras. E só gente muito pueril é capaz de imaginar que as "transgressões" teatrais de Gerald Thomas vão chocar uma sociedade que não se abala com Carandirus nem Sarneys. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ao querer atribuir a um abuso sexual o <i>status</i> de arte, de "mensagem do artista contestador à sociedade hipócrita", Gerald Thomas mostra quão pequena é a sua visão do ser humano e da própria arte.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quando Picasso criou o cubismo, elevou o traço infantil à categoria de arte. Marcel Duchamp fez o mesmo com objetos do cotidiano. Pelé elevou o futebol à categoria de arte. Machado de Assis e Drummond elevaram o jornalismo diário à categoria de arte.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nesse sentido, talvez Gerald Thomas possa ter mesmo sua singularidade reconhecida. Afinal, ele demonstrou que é um mestre na arte de ser idiota.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-65486516746392008352013-04-08T10:04:00.000-03:002013-04-08T10:04:42.415-03:00Problema familiar<div style="text-align: justify;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4H1_ZxuJwnsnBQCKTo47thAJNzYtfsgwJ_lPXusGWtHGJUVvWNsXVJptlNBegSmWdUFzaKiYWRju-Rqg3X9UFelOgTf8wPyswFckFYBcobo-JZ85UAfsF_QrCAozkBMstMM41XsnfYQQ/s1600/racismo-300x200.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4H1_ZxuJwnsnBQCKTo47thAJNzYtfsgwJ_lPXusGWtHGJUVvWNsXVJptlNBegSmWdUFzaKiYWRju-Rqg3X9UFelOgTf8wPyswFckFYBcobo-JZ85UAfsF_QrCAozkBMstMM41XsnfYQQ/s1600/racismo-300x200.jpg" /></a></div>
<br />
<br />
Quando o Olavinho chegou em casa, o pai, Feliciano, assistia a um jogo de futebol na televisão. O garoto aproximou-se, meio constrangido.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Pai, preciso conversar com o senhor.</div>
<div style="text-align: justify;">
Era semifinal, mas o tom de voz do Olavinho indicava que o assunto era sério. Ele desligou a televisão.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Fala, Olavinho.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Preciso contar um coisa pro senhor.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Então conta.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu estou saindo com uma... pessoa.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Poxa, filho, que legal! - Feliciano respirou aliviado. O Olavinho tinha 16 anos e nunca tinha namorado ninguém. Ele já estava ficando preocupado.</div>
<div style="text-align: justify;">
- É... uma garota.</div>
<div style="text-align: justify;">
O queixo de Feliciano caiu. </div>
<div style="text-align: justify;">
- <i>Como é que é?</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>- É, pai, uma garota. Achei melhor contar logo. Já tem um tempo, eu descobri que gosto de... meninas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Feliciano ficou mudo, em choque. Procurava a palavra certa, mas sentia-se perdido. Uma menina, Deus do céu! E o Olavinho falava assim, com a maior naturalidade, "gosto de meninas"...</div>
<div style="text-align: justify;">
- <i>Jair! Jair, vem cá!</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Jair veio do quarto, onde estava lendo um livro. Ele não gostava de futebol.</div>
<div style="text-align: justify;">
- O que é?</div>
<div style="text-align: justify;">
- É o Olavinho...</div>
<div style="text-align: justify;">
Jair olhou para o Olavinho, que apertava as mãos, cabisbaixo e calado.</div>
<div style="text-align: justify;">
- O que tem o Olavinho?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Conta pra ele, Olavinho, conta!</div>
<div style="text-align: justify;">
- Contar o quê?</div>
<div style="text-align: justify;">
O Olavinho contou. Jair, que estava em pé, deixou-se cair no sofá, meio aparvalhado.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Mas... você tem certeza, Olavinho? Será que... sei lá, não é só essa menina... será que não é uma fase?</div>
<div style="text-align: justify;">
Não era, o Olavinho respondeu com uma certeza que fulminou qualquer esperança do Feliciano e do Jair. Ele bem que tentou evitar, tentou se interessar por outros garotos, mas não tinha jeito. Ele gostava mesmo de mulher.</div>
<div style="text-align: justify;">
- É... alguém que a gente conhece?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Bommmm... é, vocês conhecem...</div>
<div style="text-align: justify;">
- E quem é? - Jair perguntou, o coração batendo forte. Ele já beirava os cinquenta, fumava, era sedentário, agora o Olavinho com essa história de gostar de mulher...</div>
<div style="text-align: justify;">
- A Joelma.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Que Joelma? A filha do zelador?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Ela mesma.</div>
<div style="text-align: justify;">
Feliciano deu um pulo.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Pelamordedeus! A Joelma?!? Mas ela é... ela é...</div>
<div style="text-align: justify;">
- Ela é o quê? - pela primeira vez o Olavinho levantou a cabeça e o encarou, não mais constrangido, agora quase furioso.</div>
<div style="text-align: justify;">
- Eeerrr... ela é filha do zelador, Olavinho! Onde você está com a cabeça?</div>
<div style="text-align: justify;">
"Meu Deus", Feliciano pensou abismado. Por um segundo quase deixara escapar: "Mas ela é <i>branca</i>!"</div>
<div style="text-align: justify;">
Por sorte conseguiu se conter. Mas... uma <i>menina</i>? Ainda por cima <i>branca</i>? </div>
<div style="text-align: justify;">
- Vai para o seu quarto, Olavinho, eu e o Jair precisamos conversar. Você está de castigo!</div>
<div style="text-align: justify;">
- Castigo? Por quê? Não fiz nada!</div>
<div style="text-align: justify;">
- <i>Agora</i>, Olavo!</div>
<div style="text-align: justify;">
Resignado, Olavinho foi para o quarto. O pai só o chamava de "Olavo" quando estava possesso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Feliciano e Jair conversaram até de madrugada. Choraram um pouco. Onde tinham errado? Tinham dado a melhor educação, a família era estruturada, iam à igreja juntos todo domingo. O que os amigos do Olavinho iam dizer? Será que já sabiam? O que os amigos <i>deles </i>iam dizer?</div>
<div style="text-align: justify;">
- Branca, ainda por cima... - suspirou Jair.</div>
<div style="text-align: justify;">
Na manhã seguinte, chamaram o Olavinho para uma conversa séria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Eles amavam o Olavinho, disseram-lhe. Ficariam ao seu lado, dariam-lhe apoio. Sabiam - e era bom que o Olavinho soubesse - que a vida não seria fácil. A sociedade ainda era muito preconceituosa. Um dia, talvez... mas não hoje. Ele precisava se preservar. Não precisava sair contando para <i>todo mundo</i> que gostava de mulher (haviam concordado na noite anterior em evitar qualquer menção à cor da Joelma - no fundo tinham a esperança de que, no futuro, ele pelo menos se interessasse por outra menina), não precisava virar um militante. A adolescência já é difícil sem esse tipo de problema.</div>
<div style="text-align: justify;">
- O importante, Olavinho, é que somos seus pais, te amamos e ficaremos do seu lado. Não é o que queríamos para você, mas se as coisas são assim... paciência.</div>
<div style="text-align: justify;">
Olavinho ponderou que poderia ter sido pior. Alguns amigos tinham sido espancados pelos pais ou expulsos de casa quando confessaram gostar de meninas. É, a vida não seria fácil. Mas ele havia nascido daquele jeito, não tinha feito nada de errado e não tinha do que se envergonhar. E realmente estava alucinado pela Joelma. Agora precisava torcer para que a reação dos pais dela também fosse tranquila. O Jean era gente boa e o tratava bem, mas o Arnaldo era uma fera e sempre o olhara de um jeito meio desconfiado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Pegou o telefone, ansioso para falar com a namorada e sonhando com um mundo mais tolerante.</div>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-2165229991329396032013-03-28T11:38:00.002-03:002013-04-01T08:34:17.710-03:00Danuza, a piadista<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyPqhE0gkkemRY-ZsIYAL0JMfbRq9lVKbBh05mQ5d8mEdnOV_8V9GZtbnkmcxQAmbIHiCZSLvDTjzqdISzpidD7EUEdx6XGVIYg35wba-YDoKWAaRZqMYEnTrgt8EWEGeqtEacf45sp38/s1600/danuza-leao-folha.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="263" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhyPqhE0gkkemRY-ZsIYAL0JMfbRq9lVKbBh05mQ5d8mEdnOV_8V9GZtbnkmcxQAmbIHiCZSLvDTjzqdISzpidD7EUEdx6XGVIYg35wba-YDoKWAaRZqMYEnTrgt8EWEGeqtEacf45sp38/s320/danuza-leao-folha.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Danuza Leão: não entenderam a crítica social escondida em seu artigo.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Como diria o Caetano de 68, "vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada".</div>
<div style="text-align: justify;">
Era uma piada, só isso. Como é possível que vocês não tenham percebido?</div>
<div style="text-align: justify;">
O artigo <a href="http://www1.folha.uol.com.br/colunas/danuzaleao/1251556-a-pec-das-empregadas.shtml" target="_blank">A PEC das empregadas</a>, da <i>socialite</i> e, segundo alguns, escritora Danuza Leão, publicado em 25 de março na Folha de São Paulo, vem recebendo furiosas críticas nas redes sociais e em blogs como o <a href="http://www.blogdacidadania.com.br/2013/03/danuza-leao-e-o-simbolo-vivo-de-uma-elite-inculta-egoista-e-vil/" target="_blank">Blog da Cidadania</a>. Muita gente se revoltou com o modo pelo qual Danuza criticou a proposta de emenda constitucional que atribuirá às empregadas domésticas muitos dos direitos que os demais trabalhadores já têm.</div>
<div style="text-align: justify;">
No entanto, faltou aos críticos de Danuza a argúcia de perceber que o tom supostamente elitista do artigo não passou de uma estratégia genial da <i>socialite</i> para criticar o regime quase escravocrata que, até cerca de 10 anos atrás, era a realidade das empregadas domésticas no Brasil.</div>
<div style="text-align: justify;">
Basta ler com atenção o primeiro parágrafo do texto, quando Danuza afirma que como a PEC <i>"foi mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Perceberam a sutileza do argumento? Desde a abolição as domésticas são a extensão da figura da mucama (como, aliás, já mencionei num <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/01/minhas-mucaminhas.html" target="_blank">texto anterior</a>), e nem o Constituinte de 1988 teve coragem para mexer nesse regime perverso, negando às empregadas direitos trabalhistas garantidos a <i>todas</i> as demais categorias profissionais. Ao afirmar que se a PEC for aprovada <i>"todos vão perder" </i>(incluindo nesse "todos", portanto, também as empregadas domésticas), Danuza deixa claro que está brincando. Porque, obviamente, nenhum vertebrado com um pingo de autocrítica defenderia a sério uma bobagem dessas em público - ainda mais em um jornal de grande circulação.</div>
<div style="text-align: justify;">
Mas a genialidade da <i>socialite</i> vai além, ao comparar a realidade brasileira com a França e os Estados Unidos, onde, segundo Danuza, <i>"quem mora em apartamento de dois quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada"</i>, enquanto que <i>"no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Notaram com que <i>finesse</i> a crítica social é inserida numa ideia aparentemente elitista?</div>
<div style="text-align: justify;">
Não sei quantos apartamentos de quarto e sala Danuza conhece. Morei em alguns, e nenhum deles tinha quarto de empregada. Mas mesmo os apartamentos modernos de dois, três ou quatro quartos têm dependências de empregada que mais parecem armários. Danuza afirma não apenas que quem mora em apartamentos de quarto e sala <i>em regra</i> terá empregadas que dormem no serviço, mas também que é possível acomodar um ser humano naqueles cubículos. Como é possível não notar a crítica a essas despensas chamadas de quartos, travestida num discurso claramente incompatível com a realidade? </div>
<div style="text-align: justify;">
Mas o lado comediante de Danuza se revela até para os mais distraídos na comparação entre as creches públicas da França e a inexistência dessas creches <i>para as crianças de classe média</i> (não para os filhos das domésticas, notem bem!) no Brasil: <i>"Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Pois, é, olha a complicação! E como a própria babá não tem o salário altíssimo de uma executiva e também tem filhos, quem é que cuida do filho da babá? É preciso alguma perspicácia para perceber o que Danuza quis de fato dizer. Afinal, por que ela menciona a França e não os Estados Unidos? Porque nos EUA as jovens de classe média ganham seus trocados trabalhando como... babás! Gênio! Humor inteligente é para quem sabe ler nas entrelinhas, ora bolas!</div>
<div style="text-align: justify;">
Enfim, parafraseando a revista <i>Marie Claire</i>, que, demonstrando profundo conhecimento sobre a luta pelos direitos dos negros, afirmou que <a href="http://revistamarieclaire.globo.com/Moda/noticia/2013/03/meu-desfile-foi-capturado-pelo-politicamente-correto-diz-ronaldo-fraga.html" target="_blank">quem criticou o desfile de Ronaldo Fraga não entende de negros</a>, é preciso reconhecer: quem criticou o artigo da <i>socialite</i> quase socialista (sua preocupação com o desemprego das domésticas chega a emocionar) simplesmente não entende nada de humor, nem de babás, nem de Brasil, nem de França, nem de Estados Unidos, nem de Danuza Leão.</div>
<div style="text-align: justify;">
É essa falta de bom humor que leva algumas pessoas a enxergar racismo num inocente <a href="http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1248525-fotos-mostram-atos-racistas-em-trote-na-ufmg-universidade-investiga-o-caso.shtml" target="_blank">trote da UFMG</a> ou na declaração, tão esclarecedora, de um aluno daquela universidade, de que <em>"quando eles pintaram a caloura de escravo, em momento algum quiseram ofender, porque na nossa faculdade nós temos amigos negros, o símbolo da nossa atlética é um macacão... </em><a href="http://www.youtube.com/watch?v=9UfE_6Awlgg" target="_blank"><em>se ela fosse racista, ela usaria esse símbolo para algo ruim</em></a><em>..."</em>. Apenas gente amarga e sem senso de humor é incapaz de enxergar o afeto e a solidariedade que existem na comparação entre um negro e um macacão, quando essa comparação é o símbolo de uma atlética e não de "algo ruim".</div>
<div style="text-align: justify;">
<i> </i>Então, caros críticos e detratores da pobre colunista cheia de boas intenções e consciência social, antes de concluir que Danuza é elitista, inculta, egoísta e vil, entendam a severa crítica ao sistema disfarçada na fina ironia e no sutil humor da <i>socialite</i>. Afinal, precisamos partir do pressuposto de que pessoas minimamente instruídas não escreveriam certos descalabros a sério. Se assim fosse, teríamos de concordar com o subversivo Quino, que, numa das tiras da Mafalda, indaga: "O mundo tem 6 bilhões de pessoas. Mas quantos são seres humanos?"</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-4770505744104606442013-03-25T08:22:00.000-03:002013-03-25T21:46:43.654-03:00Um dia<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRb675ihKU7TTx93qpHtGZXr8p0LwMfIF0_xWt6zRDMFUg7hQDkgsNJtNyBzuakORgSDMtQANOZg30DEGeTykl_0K53Om25O_RmaJyDI9wrlZNDRwinfrlmgo9wKFBVnG0yA8fKMpYU68/s1600/abra%C3%A7o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRb675ihKU7TTx93qpHtGZXr8p0LwMfIF0_xWt6zRDMFUg7hQDkgsNJtNyBzuakORgSDMtQANOZg30DEGeTykl_0K53Om25O_RmaJyDI9wrlZNDRwinfrlmgo9wKFBVnG0yA8fKMpYU68/s320/abra%C3%A7o.jpg" width="213" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Caminhava um dia pela grande avenida empresarial da cidade, o passo apertado, pensando na importante reunião que se avizinhava. Não percebeu o senhor de chapéu e óculos que vinha em sua direção, também ele apressado e perdido em seus próprios pensamentos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Chocaram-se. As duas pastas voaram, papéis espalharam-se pela calçada e foram pisoteados pelos demais passantes. Ele abaixou-se, furioso, tentando recolher os documentos que fugiam ao vento.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ergueu-se pronto para a guerra. Os óculos do senhor com quem trombara estavam partidos, o chapéu fora levado pelo vento inclemente. O senhor também se levantava, nervoso, disposto ao combate.</div>
<div style="text-align: justify;">
Lembrando mais tarde, ele não saberia dizer se fora a perda do chapéu ou a sofrida tentativa do adversário de enxergar por trás das lentes partidas. Qual fora o gatilho? Ele jamais descobriria. O fato é que, diante do senhor que queria enfrentá-lo, o chapéu perdido para sempre e as lentes dos óculos, antes suas amigas, agora mais uma barreira, alguma coisa acontecera em seu espírito. Sem entender bem por que o fazia, perplexo e impotente ante a própria atitude, viu-se aproximar-se do irritado senhor e dar-lhe um forte abraço.</div>
<div style="text-align: justify;">
O senhor deu dois passos para trás, tão espantado quanto ele próprio. Tentou dizer algo, mas a boca, trêmula, não encontrou as palavras certas. Após alguns instantes de emudecido espanto, afastou-se, seguindo seu caminho, olhando assustado para trás, como se esperasse ser atacado à traição.</div>
<div style="text-align: justify;">
Tentou esquecer o incidente, que o perturbava por ser tão irracional, mas dias depois, ao encontrar o vizinho encrenqueiro, com quem sempre se desentendera, encerrou uma discussão que se iniciava com outro daqueles abraços incompreensíveis. O vizinho o empurrou com força, gritando "sai pra lá!", mas foi embora e não continuou a discussão.</div>
<div style="text-align: justify;">
Dali em diante responder com abraços a qualquer forma de agressão ou violência tornou-se uma compulsão irrefreável, que ele não compreendia mas era incapaz de controlar ou evitar. Reuniões de condomínio, desentendimentos com colegas de trabalho, mesmo discussões familiares eram encerradas com um abraço resoluto.</div>
<div style="text-align: justify;">
A família estranhou. Os filhos achavam que o pai tinha enlouquecido. A esposa, após inúmeras tentativas de entender aquele estranho comportamento (e como poderia, se ele mesmo não o compreendia?), resolveu abandoná-lo. Não era possível conversar com ele, ela disse pouco antes de partir com os filhos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ele, no entanto, não conseguia mudar aquela reação, que, no fundo, apesar de todos os problemas, não o desagradava. Quantas brigas e discussões inúteis ele evitara, ainda que o método fosse desconcertante?</div>
<div style="text-align: justify;">
Com o tempo, ganhou alguma fama. Crianças corriam atrás dele, provocando-o para ver sua reação. Precavido, ele conseguia evitar abraços efusivos em crianças, limitando-se a acariciar-lhe as cabeças - ele aprendera que muitos pais viam em seus atos uma malícia que não existia, e um pai chegara mesmo a lhe dar um soco, a que ele respondera com um abraço algo atordoado. Era também cauteloso e comedido com mulheres, principalmente as acompanhadas. Mas era-lhe impossível evitar o contato físico, mesmo que superficial - era o contato que dava sentido ao gesto e tornava as palavras desnecessárias, e ele não saberia como usá-las naquelas situações tão singulares.</div>
<div style="text-align: justify;">
Não era incomum que jovens o provocassem, questionando sua sexualidade. Mas isso não o incomodava. Era só uma outra forma de agressão, a que ele respondia do mesmo modo, sempre que possível.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um jornal até mesmo o entrevistou. Mas ele não sabia o porquê daqueles abraços. "Não sei a razão disso tudo", ele dizia. "Mas, embora se fale tanto em aquecimento global, o mundo parece mais frio a cada dia". Não era uma explicação - não havia explicação - mas ele se indagava se aquela reação inusitada (que nunca deixava de espantá-lo, como se ele assistisse a tudo de longe) não seria uma rebelião de algo dentro de si contra a crescente frieza do mundo. Fosse o que fosse, parecia significar algo. Para si e para algumas raras pessoas que, de vez em quando, o olhavam de um modo que ele não compreendia bem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Um dia ocorreu o inevitável. Na mesma avenida onde tudo tivera início, ele sofreu um assalto. E, diante do garoto assustado que lhe brandia um canivete, adiantou-se para abraçá-lo.</div>
<div style="text-align: justify;">
O abraço foi interrompido quando a lâmina rompeu seu peito. Ele não sentiu dor, antes um calor desagradável, úmido, e uma tontura que o fez desabar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas pessoas correram para ajudá-lo. O sangue jorrava aos borbotões. A consciência ia se dissipando.</div>
<div style="text-align: justify;">
Caído no chão, viu por entre as pernas das pessoas a colisão na rua, resultado talvez da confusão que o assalto causara. Enquanto tudo escurecia, pôde ver os dois motoristas descerem de seus carros, iniciarem uma nervosa discussão e, após um momento de desconfortável hesitação, se abraçarem.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-64449626751598341922013-03-19T10:04:00.001-03:002013-03-19T10:07:30.944-03:00A perpetuação da imbecilidade<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgd4akeyrspxdE9nPNJntZ9MW0uh9JCHDPMHPdDghw2lMIs3pELA-epKqDRHf3PEUfIZxeKnzzPZdmb_CRSYPUtqolTxg2YeM5t0P-95-f9clCDESUq0rbqosRc8sl9P6klGUSk48E8-Xs/s1600/trote+racista+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgd4akeyrspxdE9nPNJntZ9MW0uh9JCHDPMHPdDghw2lMIs3pELA-epKqDRHf3PEUfIZxeKnzzPZdmb_CRSYPUtqolTxg2YeM5t0P-95-f9clCDESUq0rbqosRc8sl9P6klGUSk48E8-Xs/s1600/trote+racista+1.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Trote na UFMG. A "Caloura Chica da Silva"</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<span style="text-align: justify;"> É inevitável: todo começo de ano letivo traz de volta uma das práticas mais idiotas de que se tem notícia: o trote. A ideia de celebração e confraternização entre calouros e veteranos há muito tempo deu lugar a um rito de passagem violento, estúpido e sem sentido. Ainda que o chamado trote solidário venha ganhando mais espaço a cada dia, nada parece capaz de eliminar o gosto pela barbárie de alguns veteranos. Sintomaticamente, é nas universidades mais concorridas - e que por isso, ao menos em tese, deveriam selecionar os candidatos mais capazes, aquela tal de "elite" - que a falta de bom senso se mostra de forma mais evidente.</span><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdq5-zUKS6xJaifEyRIdXnIL1RdcypaNN9AcwyyGVQXBYYJBakxnuwCJXjhuSIuT2TsXWq1LbCd9PVIXNsN4xQHdhyphenhyphen8Y2rnYKXMAv4PdHDoro9PNOvbmuUdw3sQJVd5PXZX_HazWyc0Qw/s1600/trote+racista+2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdq5-zUKS6xJaifEyRIdXnIL1RdcypaNN9AcwyyGVQXBYYJBakxnuwCJXjhuSIuT2TsXWq1LbCd9PVIXNsN4xQHdhyphenhyphen8Y2rnYKXMAv4PdHDoro9PNOvbmuUdw3sQJVd5PXZX_HazWyc0Qw/s1600/trote+racista+2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">"É só brincadeira", como sempre se diz.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
A pérola da semana foi a divulgação do trote realizado pelos alunos de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em que uma aluna foi pintada de preto, obrigada a carregar um cartaz onde se lia "Caloura Chica da Silva", acorrentada e arrastada pelo <i>campus</i> por um veterano ostentando um sorriso imbecil. No mesmo trote, outros veteranos amarraram um calouro a uma viga e fizeram a saudação nazista. Um dos veteranos chegou ao ponto de pintar (ou deixar crescer, a foto não permite ver com clareza) um bigodinho à moda de Hitler.</div>
<div style="text-align: justify;">
Semanas antes, alunos do curso de medicina do <i>campus </i>da USP de São Carlos se envolveram num confronto com a Frente Feminista de São Carlos. A Frente protestava contra o "Miss Bixete", um concurso a que as calouras são obrigadas a desfilar com os seios à mostra e a participar de provas em que precisam chupar picolés simulando sexo oral. A resposta dos futuros médicos formados pela USP foi atirar objetos e cerveja nas manifestantes, além de tirarem a roupa em frente às câmeras que registravam o fato. Muito civilizado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Nos dois casos, as fotos rodaram a internet e causaram a polêmica esperada. As reações foram as de sempre, já estão padronizadas: era uma brincadeira (?), uma confraternização (???), só participa quem quer (sintomaticamente, nas duas fotos divulgadas na imprensa - e que estão neste post - os calouros não parecem estar se divertindo muito, ao contrário dos sorridentes veteranos). A reação da universidade também é sempre a mesma: a universidade não apoia esse tipo de atitude, vai instaurar uma sindicância para apurar responsabilidades, o trote é proibido no <i>campus</i>. E, no ano que vem, tudo acontecerá novamente, e esses mesmos discursos sairão de suas gavetas empoeiradas de volta paras os jornais e a internet. Pelo menos no caso de São Carlos os estudantes que se expuseram às câmeras foram indiciados por ato obsceno. A polícia e o Ministério Público fizeram o que a universidade deveria fazer e não fez - reagir.</div>
<div style="text-align: justify;">
A combinação de juventude, álcool e aglomerações em que a responsabilidade individual se dilui num clima de "tudo é festa" - e, portanto, tudo é permitido - já levou a tragédias, como a morte do estudante Edison Tsung Chi Hsuen, em 1999. Calouro de medicina, Edison morreu afogado na piscina da Atlética da USP, durante um trote. Em 2006, o STJ entendeu que a tragédia não passou de "uma brincadeira - de muito mau gosto - em uma festa de estudantes", e trancou a ação penal contra os veteranos acusados pela morte. </div>
<div style="text-align: justify;">
"Uma brincadeira de muito mau gosto". Digam isso aos pais de Edison.</div>
<div style="text-align: justify;">
O primeiro trote de que se tem notícia no Brasil ocorreu em 1831, na Faculdade de Direito de Olinda, e terminou com a morte de um calouro. Essa nossa estreia macabra deveria ter servido de alerta, mas não serviu. Nossa história é marcada por trotes violentos com consequências trágicas.</div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1FmIlv7kmu699BkMDo9feug0dQxbLzUuTrUEC6A6MliZGg2T_5ck13MGMHbOzdPnFI88XUus32CvmobUnAIFBBN_EbFaUH3pnLqweDvaMUYHQP0rzR6_IjWSbrjNUojyKvdD4K1awAfo/s1600/trote.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1FmIlv7kmu699BkMDo9feug0dQxbLzUuTrUEC6A6MliZGg2T_5ck13MGMHbOzdPnFI88XUus32CvmobUnAIFBBN_EbFaUH3pnLqweDvaMUYHQP0rzR6_IjWSbrjNUojyKvdD4K1awAfo/s1600/trote.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Faculdade de medicina da USP em São Carlos.<br />
A arte do sorriso idiota.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
Em 1962, na PUC, um calouro foi obrigado a se despir e a entrar num barril cheio de água misturada com cal - o estudante sofreu queimaduras por todo o corpo e morreu; em 1993, na faculdade de engenharia da UNESP, um calouro foi obrigado a amarrar um saco de 7 quilos em seus órgãos genitais; em 1998, estudantes de medicina - de medicina! - do <i>campus </i>de Sorocaba da PUC atearam fogo a um calouro que dormia num sofá; em 2000, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), veteranos obrigaram um calouro a deitar sobre um formigueiro - ele levou mais de 250 picadas e precisou ser internado; em 2010, calouros da Unifeb, de Barretos, foram recebidos com jatos de creolina e tiveram queimaduras de primeiro grau.</div>
<div style="text-align: justify;">
Há inúmeras outras histórias como essas. É comum que calouros que não queiram participar do trote sejam espancados, às vezes com consequências trágicas.</div>
<div style="text-align: justify;">
Vivemos em um país no qual, ao contrário do que ocorre em nações mais civilizadas, o diploma universitário é sobrevalorizado. Não há um investimento nos cursos técnicos (como ocorre na Europa e nos EUA). Segundo o CNJ, o Brasil tem 1.240 cursos superiores de Direito, enquanto o resto do planeta tem 1.100. O diploma universitário ainda é, culturalmente, um diferencial que, no Brasil, tem mais peso do que em outros lugares.</div>
<div style="text-align: justify;">
O ingresso na universidade - ainda mais quando se trata de universidades muito disputadas - é uma conquista a ser comemorada. Deve ser fonte de alegria e não de terror. O fato de nossos futuros médicos, engenheiros e juízes - "aselite", como se diz por aí - entenderem que a confraternização com calouros é sinônimo de violência, humilhação, racismo e sexismo, dá uma ideia nada agradável do país e do futuro que estamos a construir.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-27985900793120581842013-03-12T10:18:00.001-03:002013-03-12T10:18:22.161-03:00Sociedade e autoridade - parte 2<div style="text-align: justify;">
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuYxX1QU9Cgr8U_YA-uJlZTa33cijP76YdN4kE5ipmr_Qh87ltX_8mAJNwcJfXS8HMoQnmioE1y7h8HFMRhS9MBS4mo50qsUkYwgw9-9GsF-b5dNxOAHVB2CjgNfcRYuslKEGpxHXqdtY/s1600/Stanford+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuYxX1QU9Cgr8U_YA-uJlZTa33cijP76YdN4kE5ipmr_Qh87ltX_8mAJNwcJfXS8HMoQnmioE1y7h8HFMRhS9MBS4mo50qsUkYwgw9-9GsF-b5dNxOAHVB2CjgNfcRYuslKEGpxHXqdtY/s1600/Stanford+1.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Voluntário do experimento de Stanford (1971). Guarda.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
No começo de fevereiro, escrevi um texto sobre a perturbadora <a href="http://cabidemental.blogspot.com.br/2013/02/sociedade-e-autoridade-parte-1.html" target="_blank">experiência de Milgram</a>, realizada no início dos anos 60 na Universidade de Yale pelo psicólogo Stanley Milgram, que demonstrou que a maioria das pessoas "normais" (concordo com Caetano, de perto ninguém é) está disposta a torturar um desconhecido praticamente até a morte, desde que uma autoridade lhe diga que é a coisa certa a fazer.</div>
<div style="text-align: justify;">
Por mais desconfortável que tenha sido o resultado da experiência, poderíamos nos apegar a uma esperança: nossa natureza não é assim tão distorcida, só cometeríamos esse tipo de violência se recebêssemos ordem de uma autoridade, logo, não é nosso impulso natural agir dessa maneira. Certo?</div>
<div style="text-align: justify;">
Errado.</div>
<div style="text-align: justify;">
Poucos anos depois da experiência de Milgram, em 1971, o psicólogo Phillip Zimbardo, da Universidade de Stanford, em Palo Alto, conduziu um experimento de simulação de ambiente prisional, que ficou conhecido como experimento de aprisionamento de Stanford, ou experiência de Stanford. Coincidentemente, Milgram e Zimbardo foram colegas no ensino médio.</div>
<div style="text-align: justify;">
A intenção de Zimbardo era analisar as reações psicológicas causadas tanto em guardas quanto em prisioneiros de um estabelecimento carcerário. Para isso, o subsolo do Departamento de Psicologia da universidade foi transformado em uma prisão. Dos 70 voluntários que responderam ao anúncio publicado num jornal (US$ 15,00 por dia), a equipe de Zimbardo selecionou os 24 considerados psicologicamente mais estáveis.</div>
<div style="text-align: justify;">
A experiência teve início com nove guardas e nove detentos. Os detentos foram mandados inicialmente para suas casas, onde, mais tarde, com a ajuda do Departamento de Polícia de Palo Alto, foram presos, ante o olhar perplexo de seus vizinhos. Da delegacia foram encaminhados para a chamada "prisão de Stanford". Logo na chegada foram submetidos a rituais de humilhação e despersonalização - foram revistados, despidos e desinfetados com spray. Cada preso recebeu um uniforme (similar a uma bata) com seu número na frente e nas costas. Os presos só podiam se referir a si mesmos e aos outros pelos números, nunca por seus nomes. Foram atadas correntes a seus pés. Eles foram obrigados a usar toucas para simular que seus cabelos tinham sido raspados. Segundo Zimbardo, <i>"assim que alguns dos nossos reclusos vestiram estes uniformes, começaram a andar e a sentar-se de forma diferente"</i>, e <i>"as celas eram tão pequenas que existia somente espaço para três casacos em cima dos quais os reclusos dormiam ou se sentavam, sem grande espaço para mais."</i></div>
<div style="text-align: justify;">
Os guardas, usando óculos escuros espelhados o tempo todo, faziam contagens várias vezes durante o dia e a noite, impunham flexões como punição aos detentos e criavam mecanismos psicológicos para impor sua autoridade e minar a resistência dos presos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O primeiro dia transcorreu sem incidentes, mas no início do segundo dia eclodiu uma rebelião. Os guardas usaram extintores de incêndio para afastar os presos das portas das celas e, após controlar a rebelião, despiram os presos e passaram a maltratá-los. Como havia apenas três guardas em cada turno, chegaram à conclusão de que táticas psicológicas eram mais eficazes do que as físicas. Os guardas começaram a criar privilégios para alguns presos, sem maiores explicações, deixando os demais perplexos e quebrando a solidariedade do grupo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Zimbardo conta que <i>"menos de 36 horas após o início da experiência o recluso #8612 começou a sofrer uma perturbação emocional aguda, evidenciando um pensamento desorganizado e com episódios de raiva e de choro incontroláveis. Apesar disso, já tínhamos começado a pensar de tal forma como autoridades prisionais, que julgamos que ele estava a 'dar-nos a volta' - a enganar-nos com o objetivo de o libertar" - </i>em outras palavras, os "guardas" e o próprio pesquisador começaram a incorporar o papel de autoridade controladora. Posteriormente, diante de rumores de um plano de fuga, Zimbardo, completamente tomado por esse papel, tentou transferir os detentos para a verdadeira prisão de Palo Alto. O Departamento de Polícia se recusou a aceitar o pedido. Isso fez com que o nível de maus tratos aumentasse drasticamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
O preso #819 sofreu tamanha perturbação mental que precisou abandonar o experimento (segundo Zimbardo, ao ser informado de que poderia ir embora, o preso, que até então chorava compulsivamente, <i>"olhou para mim como uma criança pequena a acordar de um pesadelo"</i>). Foi substituído pelo preso #416, que a certa altura iniciou uma greve de fome. A resposta dos guardas foi colocá-lo na solitária por três horas, mesmo sabendo que as regras estipulavam o limite de uma hora. </div>
<div style="text-align: justify;">
No sexto dia, <i>"ficou claro que tínhamos que terminar o estudo. Tínhamos criado uma situação espantosamente poderosa, uma situação em que reclusos estavam a retrair-se e a comportarem-se de forma patológica e em que alguns dos guardas estavam a comportar-se de forma sádica. Mesmo os guardas 'bons' sentiam-se impotentes para intervir e nenhum dos guardas desistiu no decurso do estudo". </i>O estudo, planejado para durar duas semanas, só chegou ao sexto dia.</div>
<div style="text-align: justify;">
O estudo foi encerrado prematuramente por duas razões. <i>"Em primeiro lugar, tínhamos constatado, através de vídeos, um agravamento dos abusos aos reclusos no meio da noite por parte dos guardas que pensavam que nenhum investigador os estava a observar e que a experiência estava 'desligada'. O seu aborrecimento levou-os a abusos mais pornográficos e degradantes dos reclusos"</i>, conta Zimbardo. A segunda razão foi o questionamento ético feito pela dra. Christina Maslach, com quem Zimbardo viria a se casar.<br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitgNr2WmqmiS1U3_H312E5Otj5CFertYBopbQ19t4mwDKj7-9gR1XMKifVERJwVDaY_angdXz3rgmQ_BgkjofQoPk0EaC-tYTp5oFCwIZ1t4GQsLS6vyk3d4cUeMUGttpnUcO0aonAS_E/s1600/Stanford+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitgNr2WmqmiS1U3_H312E5Otj5CFertYBopbQ19t4mwDKj7-9gR1XMKifVERJwVDaY_angdXz3rgmQ_BgkjofQoPk0EaC-tYTp5oFCwIZ1t4GQsLS6vyk3d4cUeMUGttpnUcO0aonAS_E/s1600/Stanford+2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Stanford. Qualquer semelhança<br />com a foto ao lado não é mera coincidência.</td></tr>
</tbody></table>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijc0qwY4YKuXjbcPY5RvRmGC0pg3Bj2bj0h0E8G1Xl2oF4I6oU2Zvgz5LNzg5Wg0OgmzxvnKiqTrCdJ9l1A2bg4rn6qyVDUgrz-aKPd0i3vkAhbN7TdbiaxFx7A6YX7zgn4l6EVbO4E3M/s1600/abu_ghraib+3.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="238" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijc0qwY4YKuXjbcPY5RvRmGC0pg3Bj2bj0h0E8G1Xl2oF4I6oU2Zvgz5LNzg5Wg0OgmzxvnKiqTrCdJ9l1A2bg4rn6qyVDUgrz-aKPd0i3vkAhbN7TdbiaxFx7A6YX7zgn4l6EVbO4E3M/s320/abu_ghraib+3.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Abu Ghraib. Tortura como diversão.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
A experiência de Zimbardo - mostrada em detalhes no formidável <i>site </i><a href="http://www.prisonexp.org/portugues/" target="_blank">Experiência da Prisão de Stanford</a> - mostrou que não é necessário que uma autoridade nos leve a abusar de pessoas sob nosso poder. Se nós mesmos formos a autoridade, nossa tendência é esmagar qualquer resistência que se oponha à nossa vontade. Montesquieu tinha razão ao afirmar que <i>"todo homem que detém poder tende a abusar dele"</i>. A escalada de brutalidade que fez com que o experimento fosse prematuramente encerrado não se deve a qualquer patologia por parte dos guardas, mas à própria natureza humana e à forma pela qual o poder se estrutura na sociedade. Prova disso são as condutas dos soldados nazistas durante a II Guerra Mundial, dos soldados americanos em Abu Ghraib, no Iraque, e - sim - da polícia paulista na onda de violência que varreu as periferias em 2012 - todas assustadoramente similares ao comportamento dos guardas de Stanford. Assim como a atual realidade carcerária brasileira, por sinal.<br />
O experimento ainda deu origem ao filme alemão <i><a href="http://www.youtube.com/watch?v=UOJZK-K478U" target="_blank">Das Experiment</a></i>, de 2001, que, embora não seja ruim, se afasta da realidade e descamba para a histeria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8INfseBlklGRmexnr-18fIBl5HPbBAd5VqgSehVkK6lMqdlkMRpf8-QKOCoelyPDDZ3GIDydZCUqjQkZsST3Ft1f8TDfwvMCzyPcVhFAE4vpMLA37pOzakorDq2NYF8KGsPTcn_E57k8/s1600/abu+ghraib+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="170" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8INfseBlklGRmexnr-18fIBl5HPbBAd5VqgSehVkK6lMqdlkMRpf8-QKOCoelyPDDZ3GIDydZCUqjQkZsST3Ft1f8TDfwvMCzyPcVhFAE4vpMLA37pOzakorDq2NYF8KGsPTcn_E57k8/s200/abu+ghraib+1.jpg" width="200" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Abu Ghraib.</td></tr>
</tbody></table>
Numa brilhante <a href="http://www.youtube.com/watch?v=RX45lSLe_VE" target="_blank">palestra</a> recentemente divulgada no <i>site </i>TED, Phillip Zimbardo, comentando a experiência, descreveu o que chama de <a href="http://www.lucifereffect.com/" target="_blank">"Efeito Lúcifer"</a>, afirmando que "o mal é o exercício do poder". Como Zimbardo afirma, a típica justificativa de que soldados e/ou carcereiros que cometem abusos são "algumas maçãs podres" não convence - "talvez o barril é que seja podre", ele afirma. Talvez.</div>
<div style="text-align: justify;">
<div style="text-align: left;">
</div>
O "Efeito Lúcifer" é o conjunto de circunstâncias que leva pessoas "boas" (adjetivo usado por Zimbardo; não tenho certeza de que seja o mais adequado) a se tornar más. No centro de tudo está o poder e seu abuso.</div>
<div style="text-align: justify;">
E se Zimbardo está certo, se o problema não são algumas poucas maçãs podres, e sim o barril, talvez precisemos pensar em formas de evitar que o barril apodreça as boas maçãs. Talvez devamos trocar o barril. Isso vale para a Alemanha de 1945, os EUA de 2006 e o Brasil de 2013.</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-25947822415937171402013-03-06T16:26:00.000-03:002013-03-07T14:01:06.751-03:00Ditadura da intolerância e direitos humanos<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivLl5vM2z87aKn49pTXsT9hU7YCI9NrE8DjiKYtfk_PH3qsHRSOzQCDWAwtoV91sCieiVhJGop-y1qxGD6iljI13jvOdE8RWZ7uMHERHWKuZybeuZppwmheQv-O_3DnzGLerOR_svwAbE/s1600/marco-feliciano1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="315" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivLl5vM2z87aKn49pTXsT9hU7YCI9NrE8DjiKYtfk_PH3qsHRSOzQCDWAwtoV91sCieiVhJGop-y1qxGD6iljI13jvOdE8RWZ7uMHERHWKuZybeuZppwmheQv-O_3DnzGLerOR_svwAbE/s320/marco-feliciano1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Marco Feliciano: um pastor homofóbico e racista<br />
presidindo a Comissão de Direitos Humanos <br />
e Minorias da Câmara dos Deputados</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Não há nada mais traiçoeiro do que o inconsciente. Podemos tentar esconder nossos preconceitos, podemos tentar mostrar ao mundo uma versão de nós mesmos que nos pareça mais simpática, mas o inconsciente, esse danadinho, sempre dá um jeito de expor nossas mazelas e nossa miséria. Freud chamava isso de ato falho ou, numa expressão deliciosamente precisa, <em>lapsus linguae</em>.</div>
<div style="text-align: justify;">
O caderno "tendências x debates" da edição de hoje da Folha de São Paulo traz um artigo escrito pelo deputado federal Marco Feliciano, do PSC-SP, intitulado <em><a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/97073-ditadura-gay-e-direitos-humanos.shtml" target="_blank">Ditadura gay e direitos humanos</a></em>. Ele nem precisaria ter escrito mais nada. O título de seu artigo já diz tudo o que se precisa saber a respeito do parlamentar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Marco Feliciano, que é pastor evangélico, foi indicado por seu partido para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O descalabro gerou mais do que justificados protestos, não só por parte da comunidade GLBTT, como de muita gente que, sem integrar essa comunidade, espera não apenas o mínimo de bom senso e coerência dos parlamentares, mas também que uma comissão dessa natureza seja presidida por alguém que respeite tais direitos.</div>
<div style="text-align: justify;">
O pastor-parlamentar inicia seu artigo sugerindo que a indicação do deputado Gabriel Chalita para o Ministério da Ciência e Tecnologia foi vetada <em>"pelo simples fato de ele ser católico e praticante"</em>, fingindo ignorar o escândalo de corrupção denunciado pelo assessor de Chalita, este sim o verdadeiro motivo do veto. <em>"Perseguição religiosa?"</em>, indaga, já insinuando ser vítima da mesma perseguição. Não, pastor, foi corrupção mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
Segundo o deputado, <em>"a indicação do meu nome gerou um furação de manifestações dissimuladas pela internet por parte de militantes da comunidade GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais). Algumas me acusaram de ser racista e homofóbico."</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em> </em>"Dissimular", o deputado deve saber, não é sinônimo de "divulgar". Ao contrário, significa "ocultar", "disfarçar", "fingir", "afetar com artifício", segundo o dicionário Michaelis. O que o parlamentar afirma, portanto, é que todas as manifestações contrárias à sua nomeação partiram de militantes da comunidade GLBTT, mesmo que aparentemente venham de outros setores da sociedade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Bem, até onde sei, não sou gay, lésbica, bissexual, travesti nem transexual. Isso não me impede de questionar a legitimidade do parlamentar para presidir uma comissão que existe para promover e garantir justamente alguns direitos que o deputado ataca. A incapacidade de Marco Feliciano de perceber que não é necessário integrar a comunidade GLBTT para discordar de sua nomeação é, a meu ver, prova clara de sua incapacidade de exercer a presidência da CDHM.</div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda nas palavras do deputado, <em>"tudo teve início quando postei na internet que os africanos são descendentes de um 'ancestral amaldiçoado por Noé'. Referia-me a uma citação bíblica, segundo a qual o filho de Noé, após ser amaldiçoado pelo pai, foi mandado para a África. A maldição foi quebrada com o advento de Jesus, que derramou seu sangue para nos salvar. Não usei a palavra negro, pois me referia a um povo definido por uma região e não pela cor de sua pele."</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em> </em>Portanto, na cabeça do deputado, não há problema em ser racista, desde que o fundamento seja a Bíblia. A mesma Bíblia que atribui à mulher a origem de todos os males, que mostra um Deus bipolar (o Javé rancoroso do Velho Testamento se converte num Deus amoroso no Novo Testamento) que pede a seus fiéis que matem seus filhos só para provar que O amam, enfim, a mesma Bíblia que tem sido usada para os mais escusos fins desde que o cristianismo se tornou uma força não só espiritual como também política. Então, não é o deputado que é racista, só o que ele fez foi citar a Bíblia. Sei. Aliás, não se trata de racismo, porque a menção foi geográfica e a palavra "negro" não foi usada. Claro, na época de Noé, o continente africano estava tomado por japoneses, holandeses, índios e albinos. Por favor!</div>
<div style="text-align: justify;">
Afirmando que <em>"sobre homossexuais, minha posição é mais tolerante do que se pode imaginar"</em>, o pastor-parlamentar ressuscita o velho bordão de amar o pecador e odiar o pecado. Talvez, como Silas Malafaia, ele ache que "amar os homossexuais como amo os assassinos" é expressão da máxima tolerância. Lamento informar, caro pastor: não é. <em>"Esta é a minha fé - só prego o amor e o perdão"</em>. Caro pastor, os homossexuais não precisam ser perdoados por nada, e - não se espante - eles <em>não estão pedindo e nem precisam do seu perdão</em>.</div>
<div style="text-align: justify;">
E, embora se considere muito tolerante, o pastor alega que <em>"esses militantes GLBTT rotulam como homofóbica qualquer pessoa que discordar de suas posições. Acusam de incitação à violência, o que qualquer pessoa isenta sabe que não é verdade. Mas, jogada ao vento, essa mentira causa estragos à imagem do acusado perante a opinião pública. Vivemos uma ditadura gay"</em>, concluindo que <em>"a fúria deles é por saber que questiono suas pretensões. Defendo a Constituição e ela precisaria ser alterada para aprovar suas lutas."</em></div>
<div style="text-align: justify;">
Considero-me uma pessoa isenta, e não creio que discordar das reinvidicações da comunidade GLBTT seja sinônimo de homofobia. Por outro lado, sei que é absolutamente verdadeira a incitação à violência - não só à violência física, mas também, e talvez principalmente, a psicológica - por parte dos que proclamam que a homossexualidade é uma doença, um mal a ser erradicado. O pastor-parlamentar não defende a Constituição - que deve ser interpretada, como um todo, sempre com base no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) - e sim trechos isolados que lhe permitem construir um raciocínio não condizente com o espírito da Constituição. Afirmar-se tolerante e sustentar a existência de uma "ditadura gay", num país em que há tanta violência contra os homossexuais, é uma incongruência gigantesca que o parlamentar tenta, sem sucesso, esconder.</div>
<div style="text-align: justify;">
É inegável que Marco Feliciano se coloca em clara posição de antagonismo em relação à comunidade GLBTT. Ele conclui seu artigo afirmando que <em>"essa comissão é muito mais importante do que discussões rasas"</em>, deixando clara sua intenção de não contribuir (e se possível, atrapalhar) para qualquer avanço no reconhecimento de direitos da comunidade GLBTT. </div>
<div style="text-align: justify;">
Ocorre que as pessoas têm o direito de viver sua sexualidade da forma como acharem melhor. E é dever do Estado garantir que isso ocorra, inclusive por meio da criminalização de condutas que agridam alguém pelo só fato de ser homossexual. A Constituição, que Marco Feliciano afirma defender, elenca como objetivo da república brasileira <em>"construir uma sociedade livre, justa e solidária"</em>. Um Estado que não reconheça a cada um o direito de amar os outros como quiser (ou puder) não contribuirá para que essa sociedade livre, justa e solidária seja construída.</div>
<div style="text-align: justify;">
Marco Feliciano ainda viola a Constituição ao trazer valores religiosos para, na qualidade de membro do Poder Legislativo de um Estado laico, balizar suas decisões políticas e negar direitos à comunidade GLBTT. Que ele faça isso na qualidade de deputado já é algo gravíssimo. Atribuir-lhe a presidência da CDHM é uma aberração política.</div>
<div style="text-align: justify;">
Como é possível que o pastor-parlamentar presida uma comissão criada para defender direitos que ele mesmo não reconhece?</div>
<div style="text-align: justify;">
<em></em> </div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-59174567209708858222013-02-26T11:16:00.000-03:002013-02-26T11:43:44.549-03:00Bentos, Malafaias & outras criaturas<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdvgoc1UN0VmSgA9JQyjmeP30MenFg1fDBOSNKRjnM8WmWDxqrTzx6rE7zkAflCS9BZWZ7QfZMO6X69rczpCEXnEK7E1FCYpgFhdzrd1MWRQ33TxvKAmEdcfU0M_VK9A0lTolV8tcYW-I/s1600/Bento+e+Silas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdvgoc1UN0VmSgA9JQyjmeP30MenFg1fDBOSNKRjnM8WmWDxqrTzx6rE7zkAflCS9BZWZ7QfZMO6X69rczpCEXnEK7E1FCYpgFhdzrd1MWRQ33TxvKAmEdcfU0M_VK9A0lTolV8tcYW-I/s1600/Bento+e+Silas.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bento XVI e Silas Malafaia. Pedofilia, maquinações políticas, <br />
exploração da fé alheia e intolerância. São essas as pessoas <br />
mais capazes para guiar espiritualmente quem quer que seja? </td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há algo de profundamente deturpado na vida espiritual da pós-modernidade, ou melhor, nos autoproclamados representantes do divino na Terra. A recente renúncia de Bento XVI, mais do que colocar em evidência a nada recente crise da Igreja Católica, expôs as fissuras mais profundas de uma mentalidade que talvez não caiba mais no mundo atual.</div>
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O novo ex-papa reinseriu o latim nas missas, um anacronismo superado desde 1969. Uma missa em latim é o símbolo máximo da falta de comunicação entre o suposto representante de Deus (o padre) e seu rebanho - basicamente, uma conversa entre o padre e Deus (em que só o padre fala) assistida por um público que não conhece a língua em que a conversa ocorre. Confesso que, à exceção das óbvias razões históricas, nunca consegui entender como uma ideia tão descabida sobreviveu por tantos séculos.</div>
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Felizmente Bento XVI não reinseriu a outra característica típica da chamada missa tridentina - a posição do padre, de costas para o público (como se a igreja fosse um navio guiado pelo padre). Afinal, a Igreja tem dado as costas a seus fiéis há muito tempo. Desnecessário reforçar simbolicamente essa postura.</div>
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O ex-papa caiu em razão de uma série de escândalos, envolvendo disputas internas de poder e a já conhecidíssima tolerância da Igreja em relação a padres pedófilos.</div>
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Aceitar que uma das instituições mais ricas do planeta pregue a pobreza (dos fiéis) como virtude já não é fácil. Mas não há justificativa para a tolerância com padres que abusam sexualmente de crianças. E ainda assim, a Igreja Católica - a mesma que queimava pessoas em fogueiras só por serem canhotas - prefere transferir os padres de paróquia em paróquia, sempre que surge alguma acusação de pedofilia. Ou seja, escrever com a mão esquerda resulta em morte. Abusar de crianças, em transferência e conivência.</div>
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A renúncia de Bento XVI, ao contrário do que afirma parte da mídia conservadora, não é um ato de grandeza. É um ato de covardia. A debilidade física não é motivo para a renúncia - primeiro, porque ser velhíssimo é quase um requisito para ser papa, e segundo, porque se a própria Igreja exige de seus fiéis uma vida abnegada e de sacrifícios, não tem sentido que seu representante máximo fuja da raia alegando cansaço físico. O fato é que o conservador Bento não conseguiu lidar com as inconsistências de sua própria história, escancaradas pela mídia no escândalo já conhecido como Vatileaks (quando presidiu a Congregação para a Doutrina da Fé - o nome moderno da Santa Inquisição - , de 1981 a 2005, foi escancaradamente tolerante com escândalos envolvendo padres pedófilos). Sua renúncia nada tem de nobre, mas serve para deixar claro o quanto a Igreja Católica está distante da sociedade cujas almas deseja salvar.</div>
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Enquanto Bento XVI rebola (só metaforicamente) para preservar a credibilidade da Igreja Católica perante o mundo, no Brasil o pastor Silas Malafaia destila o menos cristão dos venenos - a intolerância.</div>
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Não bastasse a desastrosa (e já muitíssimo comentada) <a href="http://www.youtube.com/watch?v=Myb0yUHdi14" target="_blank">entrevista dada a Marília Gabriela</a>, recebi recentemente este simpático <a href="http://www.youtube.com/watch?v=6W39wWO2Xvo" target="_blank">vídeo</a>, no qual o pastor afirma que blogueiros evangélicos que criticam pastores são "filhos do diabo" (bom, não sou evangélico, mas ele pediu pra "botar no blog", então aí está). Isso, vindo de um sujeito milionário (segundo a revista <i>Forbes</i>, o terceiro pastor mais rico do Brasil, com uma fortuna pessoal de 150 milhões de dólares) que <a href="http://www.youtube.com/watch?v=qBfMDmq-vaI" target="_blank"><i>desafia</i> desempregados a lhe dar um aluguel</a> (ou, se a pessoa morar de favor e estiver desempregada, a pegar 30% de qualquer ajuda que receber) <i>para que o Senhor abra as portas para a pessoa ter a casa própria</i>. Para o milionário pastor que "ama os homossexuais como ama os assassinos", criticar essa conduta - que reputo nada menos do que criminosa - é coisa de "filho do diabo". É esse o tipo de postura que deve ter quem se pretende líder espiritual de uma comunidade?</div>
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Enfim, entre pedófilos, picaretas e exploradores da fé alheia - todos irmanados na intolerância e no conservadorismo - a habilidade para a condução da espiritualidade dos outros parece ir mal, muito mal.</div>
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Criticar esses autoproclamados guias espirituais não implica qualquer crítica à crença de quem quer que seja, ou a qualquer divindade. Curiosamente, parece que o eixo central da fé cristã - o amor ao próximo - nunca esteve tão distante das maquinações, das jogadas políticas, do acobertamento de crimes e da exploração financeira da esperança alheia, que constituem as atividades principais de boa parte dos líderes religiosos da atualidade.</div>
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Em 1879, Dostoiévski escreveu o imprescindível <i>Os irmãos Karamazov.</i> Num pioneiro exercício de metalinguagem, a personagem Ivan escreve o poema em prosa <i>O Grande Inquisidor</i>, no qual Jesus reencarna em Sevilha e é preso pelo Cardeal da Santa Igreja, que critica e condena seu retorno. Embora o texto tenha mais de 130 anos, sua leitura nos faz pensar o que Jesus acharia dos Bentos, Malafaias, Valdomiros e criaturas que tais, se voltasse à Terra hoje e visse os usos que têm sido dados à sua mensagem.</div>
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Como acontece com muitos clássicos, a frase "se Deus não existe, tudo é permitido", atribuída a Dostoiévski, não consta do livro, embora essa ideia esteja presente na obra. Se os atuais líderes religiosos acham (e agem como se achassem) que tudo <i>lhes</i> é permitido, o que isso nos diz a respeito de sua fé?</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-82018764797902307322013-02-19T10:30:00.000-03:002013-02-19T10:30:04.914-03:00Yoani Sánchez e o radicalismo bocó<div style="text-align: justify;">
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjORAZnZ9nTRNn9aJVDgV6XgdBDM_L0lz0GAx6-Zm1M_m0R4d7vD5m3ix9lk8WJ3kDotrIMEw2N0bYZbskhWjJUfB0wuWSJktCVQ9W9ISLu6SeP_R1mAnJYwiHJvJwuzpONER9BCzTML0k/s1600/yoani.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjORAZnZ9nTRNn9aJVDgV6XgdBDM_L0lz0GAx6-Zm1M_m0R4d7vD5m3ix9lk8WJ3kDotrIMEw2N0bYZbskhWjJUfB0wuWSJktCVQ9W9ISLu6SeP_R1mAnJYwiHJvJwuzpONER9BCzTML0k/s1600/yoani.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Yoani Sanchéz: "traidora", "vendida",<br />"agente dos EUA", mercenázzzzzz...</td></tr>
</tbody></table>
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A blogueira cubana Yoani Sánchez, que escreve o conhecidíssimo (fora de Cuba) <i><a href="http://www.desdecuba.com/generaciony/" target="_blank">Generación Y</a></i>, desembarcou ontem no aeroporto de Recife. O Brasil é a primeira parada da blogueira, que passará por uma série de outros países para discutir as questões sobre as quais escreve em seu blog, cujo tema principal é a crítica à realidade cubana.</div>
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A chegada da blogueira, tanto no aeroporto de Recife quanto, mais tarde, no de Salvador, foi marcada por protestos de manifestantes favoráveis ao regime cubano. Yoani foi chamada de "mercenária", "traidora" e "personalidade falsificada", a serviço da CIA e dos EUA, dentre outras coisas. Em Recife, manifestantes chegaram a puxar o cabelo da blogueira. Ela não apenas não se incomodou com os protestos, como deu uma resposta interessante: "Foi um banho de democracia e pluralidade, estou muito feliz e queria que em meu país pudéssemos expressar opiniões e propostas diferentes com esta liberdade."</div>
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Ontem, em Feira de Santana, seria exibido na Casa do Saber (um planetário cedido pela prefeitura) o documentário "Conexão Cuba Honduras", do cineasta baiano Dado Galvão. Yoani Sánchez, que está no documentário, estava presente. Mas manifestantes invadiram o salão e impediram a exibição. A blogueira teve de ser recolhida a uma sala fechada, de onde só conseguiu sair após mais de vinte tentativas frustradas. Os militantes já avisaram que estão se organizando e que protestos ocorrerão nas demais aparições de Yoani Sánchez em outras cidades.</div>
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É a primeira viagem internacional que a blogueira faz desde 2008, quando, após voltar a Cuba, foi proibida de deixar o país.</div>
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Em política, há poucas situações em que o radicalismo se justifica. Devemos ser absolutamente radicais contra ditaduras, tiranias e governos que violam direitos humanos e fundamentais de seus cidadãos. Devemos ser radicais contra a corrupção, e na exigência de que os poderes públicos se submetam às leis por eles criadas. Não devemos, em hipótese alguma, ser radicais contra pessoas que têm posições políticas diferentes das nossas.</div>
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Yoani Sánchez é severamente criticada por suas posições políticas, e não há nada de errado nisso. Todo argumento é sujeito a críticas - se bem ou mal fundamentadas, é outra questão. Mas o radicalismo que leva um grupo de manifestantes a impedir a exibição de um filme e a agredir fisicamente alguém de cujas ideias discordam é o reflexo mais evidente de uma intolerância inaceitável em regimes democráticos (pergunto-me como essas pessoas agiriam se estivessem no poder).</div>
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Critica-se o fato de Yoani Sánchez receber um um salário da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) e ter um padrão de vida superior ao dos demais cubanos - como se essa situação lhe impedisse de discutir o que quer que ela queira discutir em seu blog. Chamam-na de traidora - mas traidora de quê ou de quem? Afirma-se que ela serve a interesses dos EUA. Talvez sirva, talvez não. Se servir, é direito dela fazê-lo. É direito dela, inclusive, adorar os EUA e considerá-los o Éden na Terra - e assim se manifestar, se achar que deve. Acusam-na de promover desinformação. Mas não sei se seus críticos conhecem a realidade cubana tão bem - ou ao menos tão bem quanto ela, que mora lá - para fazer essa afirmação com tamanha certeza. E não nos esqueçamos de que "faturar o que é bom e esconder o que é ruim" (nas palavras imortalizadas por Rubens Ricupero em 1994, no famoso "escândalo da parabólica") é a estratégia de grande parte dos militantes políticos, tanto de esquerda quanto de direita. Sem contar que a desinformação é uma arma política usada por todos os regimes socialistas (Cuba, inclusive). Pelos capitalistas também, é claro, mas nenhum capitalista está acusando Yoani Sánchez de promover desinformação.</div>
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Em suma, sejam bem ou mal formuladas (a maioria me parece bem tola, mas há vários questionamentos válidos e consistentes), as críticas à blogueira fazem parte do universo das ideias, e é assim que as coisas devem ser. Mas um radicalismo bocó, com agressões físicas e tentativas de impedir a exibição de filmes, não tem nenhuma utilidade, política ou ideológica. É só mais munição para o pensamento conservador que liga, automaticamente, o pensamento de esquerda ao autoritarismo. Ou seja, é burrice.</div>
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E convenhamos, Yoani Sánchez não merece tudo isso. Embora seja um produto de <i>marketing</i> perfeito para a pós-modernidade (a moça de ar frágil que se ergue intrépida contra o governo tirano e malvado), embora seja uma celebridade mundial, seus textos não têm essa relevância toda. Alguns são interessantes, e só. Não passa muito disso. O radicalismo bocó, nesse sentido, lhe dá um ibope que seu blog, por si só, não sustentaria. Mais um ponto para ela.</div>
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De resto, se você não gosta de Yoani Sánchez, ignore-a. Deixe-a escrever seus textos, fazer seus discursos e suas viagens (aliás, o simples fato - solenemente ignorado por seus detratores - de ela ter sido proibida pelo governo cubano de deixar o país por quatro anos já justifica algumas de suas críticas). Critique suas ideias (mas não precisa puxar seus cabelos), aponte suas incoerências e mostre, de forma racional e democrática, no que ela está errada.</div>
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Também seria interessante que os críticos mais ferrenhos da blogueira passassem alguns anos em Cuba, sem acesso à internet, sem poder criticar o governo, sem poder deixar o país e sem encontrar livros que o governo considera inadequados à população, dentre inúmeras outras restrições (sempre achei curioso o fato de que celebridades que defendem o regime cubano, como Chico Buarque, Niemeyer e Saramago, nunca se dispuseram a abandonar seus próprios países para viver a utopia socialista na própria pele). Alguém que conhecesse essa realidade de perto poderia, com mais propriedade, defender as vantagens do regime - caso não mudasse de ideia.</div>
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Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/01298398614727516622noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1213865250728533483.post-90684701765528072062013-02-14T10:41:00.001-02:002013-02-14T10:43:51.454-02:00A voz da fome<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWdrO700GTKn6MxusQY9ftZHg8qPByCkuJzBtNsm10FgcigijQiYZ9s0XpK3-sZgqDqje06kmQAO053ByfFqmGOZEd1YOwYLZVPgA0SalxEl0mbeVEBr47oRZGUbuYLEBHOlzdSkGcLms/s1600/Carolina+de+jesus.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWdrO700GTKn6MxusQY9ftZHg8qPByCkuJzBtNsm10FgcigijQiYZ9s0XpK3-sZgqDqje06kmQAO053ByfFqmGOZEd1YOwYLZVPgA0SalxEl0mbeVEBr47oRZGUbuYLEBHOlzdSkGcLms/s320/Carolina+de+jesus.JPG" width="205" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Carolina de Jesus: a personificação<br />
de um mundo de anônimos.</td></tr>
</tbody></table>
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Ontem, 13.02.2013, a morte de Carolina Maria de Jesus completou 36 anos. Infelizmente, hoje em dia pouca gente se lembra desse nome. Carolina de Jesus, no entanto, escreveu uma das obras mais importantes da literatura brasileira - <i>Quarto de despejo - diário de uma favelada</i>, publicado originalmente em 1960.</div>
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<i>Quarto de despejo </i>não figura em praticamente nenhuma lista das principais obras da literatura brasileira, mas - repito - é um dos livros mais importantes já escritos no Brasil. Porque, ao contrário dos autores da segunda fase do Modernismo brasileiro, que se notabilizaram por uma literatura marcada pela denúncia social (dos quais Graciliano Ramos, com o fundamental <i>Vidas Secas</i>, é o mais emblemático), Carolina de Jesus foi, simultaneamente, autora e personagem de sua obra.</div>
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Nascida em 1914 em Sacramento (MG), negra e pobre, teve na infância uma professora (dona Lanita Salvina) que a aconselhou a ler e a escrever tudo o que pudesse. Embora só tenha chegado ao segundo ano do primário, Carolina apaixonou-se cedo pelos livros. </div>
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Ao chegar em São Paulo, em 1947, Carolina foi morar na favela do Canindé, na beira do rio Tietê, perto de onde fica o Estádio da Portuguesa. Trabalhou por algum tempo como doméstica, mas logo se tornou catadora de papel. Fechada, séria e circunspecta, criou sozinha três filhos, e nas horas vagas escrevia um diário, no qual registrava seu cotidiano e a realidade que a cercava.</div>
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Em 1958, o jornalista Audálio Dantas visitou a favela para escrever uma reportagem sobre a comunidade que se expandia. Conheceu Carolina e esta lhe mostrou seu diário, que então já ocupava 20 cadernos. Dantas leu todos os cadernos e percebeu que a história que ele buscava já estava escrita. Trechos do diário foram publicados no jornal <i>Folha da Noite </i>em 1958 e na revista <i>O Cruzeiro </i>em 1959. No ano seguinte, o livro <i>Quarto de despejo</i>, editado pelo próprio Audálio Dantas, foi lançado.</div>
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O livro foi um sucesso imediato. Numa época em que as edições eram lançadas em dois ou três mil exemplares, <i>Quarto de despejo</i> teve tiragem inicial de 10 mil exemplares, esgotados na primeira semana. As edições que se sucederam alcançaram 100 mil exemplares, e o livro foi traduzido em 13 idiomas.</div>
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Carolina tornou-se celebridade, conseguiu sair da favela e deixar a miséria - mas não a pobreza - para trás. Mas suas obras posteriores<i> - Casa de alvenaria </i>(1961), <i>Provérbios </i>(1963), <i>Pedaços da fome </i>(1963) e <i>Diários de Bitita </i>(1982, póstumo) - não tiveram a mesma recepção de público e crítica. De "excitante curiosidade" (como a chamou o escritor Luís Martins), Carolina foi sendo deixada de lado. Morreu pobre e esquecida, em 1977, num sítio em que vivia na periferia de São Paulo.</div>
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Embora seja um diário narrado em primeira pessoa, o personagem principal do livro não é Carolina - é a fome. A fome está, literalmente, em todas as páginas da obra, e cada página é um soco no (alimentado) estômago do leitor.</div>
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Carolina trava uma luta diária, incessante e quase sempre perdida contra a fome. Sua principal preocupação é alimentar a si mesma e a seus filhos, o que nem sempre consegue. O fato de alguém nessa situação arrumar tempo para ler e escrever é absolutamente impressionante. A edição preserva os muitos erros ortográficos, o que só confere mais força e realismo ao texto. </div>
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Uma leitura puramente racional é impossível, tamanho o impacto de certos (e muitos) trechos: <i>"Como é horrível ver um filho comer e perguntar: 'Tem mais?'. Esta palavra 'tem mais' fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais"</i>; após tentar convencer um jovem a não comer uma carne estragada que lixeiros haviam jogado no local, escreve: <i>"Esquentou-a e comeu. Para não presenciar aquele quadro, saí pensando: faz de conta que eu não presenciei esta cena. Isto não pode ser real num paiz fertil igual ao meu. (...) No outro dia encontraram o pretinho morto. Os dedos do seu pé abriram. O espaço era de vinte centímetros. (...) Ninguém procurou saber seu nome. Marginal não tem nome."</i>; <i>"Fui no Frigorífico, ganhei uns ossos. Já serve. Faço uma sopa. Já que a barriga não fica vazia, tentei viver com ar. Comecei desmaiar. Então resolvi trabalhar porque não quero desistir da vida."</i>; <i>"Era 6 horas quando apareceu um carro. Era um senhor que havia casado e veio nos dar os sanduíches que sobrou. Eu ganhei alguns. Depois os favelados invadiram o carro. Os moços foram embora e disse que iam jogar os sanduiches no lixo que gente de favela são estúpidos e quadrupedes que estão precisando de ferraduras."</i></div>
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<i> </i>A miséria está toda lá, em sua crua realidade: nos bêbados, nas brigas, nos assaltos, no racismo (sim, ele também se faz presente na obra), nos políticos oportunistas (que aparecem na favela quando há eleições) nas crianças precocemente amadurecidas (<i>"Já que o meu filho já sabe como é o mundo, a linguagem infantil entre nós acabou-se"</i>). Não há um único momento de alívio para o leitor. A brutalidade do que fizemos (e fazemos) a nós mesmos é exposta de forma avassaladora. Carolina não está só; ela é uma voz, mas é a voz de todos os anônimos que a rodeiam, irmanados na miséria.</div>
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A verdadeira literatura é a que não nos permite passar incólumes. A leitura de <i>Quarto de despejo</i> é assim, transformadora. Não se termina o livro do mesmo modo como se começou. Ainda mais diante da realidade atual, e da (inevitável) conclusão de que conseguimos piorar o terrível quadro exposto no livro (em 1960, as drogas, o tráfico e o crime organizado ainda não tinham dominado as favelas, que eram muito menores do que hoje em dia).</div>
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Em 1958, Carolina escreveu: <i>"O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora"</i>. Palavras proféticas. O Brasil teve um presidente que já passou fome, e que se mostrou obcecado com a erradicação da miséria (a fome se mostrou, de fato, uma professora eficiente). Mas ainda falta muito a avançar. <i>"A favela é a nova senzala"</i>, cantava Lobão nos anos 80, antes de se tornar reacionário. Ainda somos prisioneiros da nossa miséria e, mais de meio século após Carolina escrever <i>"</i><i>Isto não pode ser real num paiz fertil igual ao meu"</i>, boa parte da população brasileira continua a subsistir com o suficiente apenas para se manter em pé.</div>
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Por isso <i>Quarto de despejo </i>continua a ser tão relevante. Por isso Carolina não pode ser esquecida. Porque, apesar de todo o avanço da última década, a fome ainda é uma realidade nacional - para vergonha de todos nós. </div>
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