segunda-feira, 20 de maio de 2013

Sociedade e autoridade - parte 3


O símbolo da Terceira Onda, criado por alunos da
Escola Secundária Cubberley, em 1967.

     Na tentativa de refletir sobre a relação entre sociedade e autoridade, escrevi sobre a experiência de Milgram e o experimento de aprisionamento de Stanford. Uma terceira experiência que vale a pena lembrar, com resultados tão perturbadores quanto as anteriores, surgiu quase que por acidente, sem planejamento prévio, como resultado de uma pergunta feita por um adolescente numa aula de história da Escola Secundária Cubberley, em Palo Alto, em 1967 (coincidentemente, a mesma cidade em que, quatro anos depois, Phillip Zimbardo conduziria a experiência de Stanford).
     Numa aula sobre a Segunda Guerra Mundial, um aluno questionou o professor Ron Jones sobre a responsabilidade do povo alemão pelos crimes dos nazistas (o debate sobre como a Alemanha foi capaz de ignorar - e, portanto, aceitar - tais crimes continua até hoje). Incapaz de dar uma resposta direta (já que nenhuma racionalidade poderia justificar a adesão acrítica da quase totalidade dos alemães a Hitler), Ron Jones induziu a classe a um experimento sociológico, para tentar demonstrar a facilidade com que um grupo pode aderir ao fascismo.
     O exercício começou numa segunda-feira.
     Assumindo o papel de líder autoritário da sala, que tinha cerca de 30 alunos, o professor deu uma palestra sobre a "beleza da disciplina" e começou a impor à classe, num primeiro momento, exercícios simples como sentar-se adequadamente e respirar de forma correta, criando um ambiente de ordem e disciplina rigorosa. 
     Na terça-feira, ao chegar à aula, o professor encontrou os alunos sentados de forma rígida e ordenada. A maioria dos estudantes olhava de forma séria e concentrada para a frente. Jones escreveu na lousa: "FORÇA através da disciplina. Força através da comunidade". Discursou, então, sobre o valor da comunidade. Depois, fez a sala recitar em uníssono, repetidamente, o mantra "força através da comunidade". Começou a pedir que alguns alunos se levantassem, até que todos ficassem em pé, sempre entoando a frase. Segundo Jones, "os alunos começaram a olhar uns para os outros e sentir o poder de pertencer. Todo mundo era capaz e igual. Eles estavam fazendo algo juntos". No final da aula, Jones criou uma saudação para ser usada apenas pelos membros da classe, chamando-a de saudação da Terceira Onda.
     Na quarta-feira foi criado um cartão de adesão. 13 alunos haviam solicitado a transferência para a sala, para integrar o grupo, que agora contava com 43 membros. Três estudantes foram escolhidos para relatar eventuais descumprimentos das regras por outros membros do grupo. Jones determinou que alguns alunos criassem um símbolo, e que outros arregimentassem membros para o grupo. O cozinheiro da escola pediu para fazer um cardápio para a Terceira Onda. Numa reunião, o diretor da escola cumprimentou Jones com a saudação da Terceira Onda. No final do dia, a Terceira Onda já contava com mais de 200 alunos. Jones observou que, nesse ambiente, as qualidades dos alunos mais inteligentes eram diluídas: "As habilidades intelectuais de questionamento e raciocínio eram inexistentes". Além disso, começava a surgir uma tensão entre os membros mais comprometidos com as regras do grupo e aqueles que não as levavam tão a sério.
     Na quinta-feira, Jones percebeu que a experiência estava fora de controle. A essa altura o grupo, estimulado pelo professor, achava que a Terceira Onda tomaria todo o país. Vozes dissidentes eram silenciadas à força pelo grupo. Um adolescente perdeu a mão construindo explosivos. Jones marcou um comício para o dia seguinte e, na sexta-feira, encerrou o experimento, explicando aos alunos que se tratava apenas uma simulação.
     A experiência foi retratada em dois filmes, o norte-americano The wave (1981) e o alemão Die welle (2008). É possível ainda enxergar inúmeras referências ao fato no filme Clube da Luta (1999).
     Dois anos depois do experimento, Ron Jones foi demitido e proibido de ensinar em escolas públicas. E até hoje se arrepende de ter colocado em risco a vida dos alunos. Mas a tese que todos nós estamos sujeitos ao fascínio do fascismo foi comprovada. 
     Mais do que isso, a experiência demonstra que o totalitarismo prescinde de símbolos que remetam a seu passado trágico (como a suástica) e mesmo de discursos excludentes. Na verdade, a história mostra que o fascismo geralmente surge após uma fase de "melhora" social - Jones narra que Robert, um aluno fraco e não muito inteligente, contou-lhe que se sentia perfeitamente integrado a um grupo pela primeira vez na vida. Nos primeiros dias, o desempenho do grupo melhorou consideravelmente. E é bom lembrar que Hitler impulsionou a então destroçada economia alemã, antes de desencadear o Holocausto. 
     Paraísos artificiais são campos férteis para as piores distopias. E, pelo visto, não há sociedade imune à sedução do fascismo travestido de boas intenções.

Ron Jones - proibido de lecionar em escolas públicas, o
professor se arrepende de ter colocado em risco a vida dos alunos.

3 comentários:

  1. Maravilhoso texto qu explana com precisão o que na minha ignorância chamo de efeito "manada". Precisamos de mais professores assim. Manipular é fácil, nem exige muita habilidade, basta algo que confira autoridade e está feito o estrago.
    Nós temos preguiça de p-e-n-s-a-r. Penso Logo desisto.

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  2. O experimento é invariavelmente associado a regimes totalitários de direita, notadamente o nazismo. Talvez por causa da discussão que lhe deu origem, talvez por causa da dificuldade em se admitir que regimes totalitários de esquerda são irmãos siameses dos congêneres conservadores.

    Creio que as conclusões caem como uma luva para o período brasileiro atual. Tanto que a imagem que se oferece do Estado brasileiro é o do paraíso, evidentemente artificial, que encobre terríveis distopias, por meio da dissolução das capacidades individuais, a inclusão de desprestigiados em grupos de força que não asseguram nenhuma alteração social efetiva e permanente, resultando na manutenção no poder pelos manipuladores da massa ludibriada.

    Vejamos quanto dura a etiqueta progressista que se colaram na testa todos os promotores deste estado de coisas, verdadeiros fascistas que são.

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  3. Concordo com o amigo quando diz que mostra muito bem o período em que estamos passando no Brasil, com uma mídia totalmente fascista, impondo o que a grande massa deve pensar a respeito dos mais variados assuntos, e criando um ''paraíso artificial''.

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