sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Juízes contra a democracia

É o Judiciário que deve servir à sociedade, não o contrário.


            O compositor Renato Bento Luiz criou um samba-enredo chamado “Covardia nacional”, apresentado no carnaval pelo bloco “Acorda Peão”, do Sindicato dos Metalúrgicos. A letra diz o seguinte:

A moradia é um direito constitucional
Atacaram o Pinheirinho, covardia nacional
Alckmin e Cury sujaram de sangue este chão
Promessa de casa é até passar a eleição

Sou vereador da situação
Fiquei quietinho, o Pinheirinho está no chão
Pinheirinho e estudante é um tormento
Se juntaram e derrubaram meu aumento

Desaproprie o Pinheirinho
Dilma vem pra luta agora
Pra mostrar a diferença dos tucanos
Tá na hora

Prefeitura e a Justiça
Comando do batalhão
Mete bala em inocente
E liberta o ladrão

É carnaval e o bandido vai pra farra
Gastar a propina do Naji Nahas

Falou Eliana Calmon
Espalha rápido essa droga
Em São José já tem bandido de toga

Vai ter punição, isto é Brasil
Só que ela vem lá em 1º de abril

A moral desta gente não se mede
Dizia Cazuza, a burguesia fede

            A juíza Márcia Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, ingressou com representação criminal contra o compositor, por calúnia, difamação e injúria.
            Após a desastrada operação de desocupação do Pinheirinho, que desalojou mais de 1.500 famílias, o Senador Aloysio Nunes, do PSDB, publicou em 27 de janeiro deste ano um artigo na Folha de São Paulo afirmando que “a operação foi planejada por mais de quatro meses, a pedido da juíza”. A juíza, portanto, preocupou-se mais com a preparação do aparato policial para a retirada das famílias do que com o destino dessa gente. Ou esses mesmos quatro meses que o poder público levou para se preparar para expulsar as famílias não são tempo mais do que suficiente para encontrar um local para realocá-las, mais adequado do que as quadras de futebol sem estrutura alguma em que elas foram jogadas?
            Embora o nome da juíza não seja mencionado em parte alguma da letra, ela enxergou alguma ofensa pessoal no samba e correu para a delegacia. Afinal, que país é esse em que cidadãos podem sair por aí criticando juízes, mesmo que de forma indireta?
            A postura da juíza é um reflexo da visão que o Judiciário paulista tem de sua relação com a sociedade. A despeito das louváveis (e felizmente não poucas) exceções, há um número significativo de juízes e desembargadores paulistas que não querem diálogo com a sociedade a que servem. Não se veem como servidores públicos, mas como majestades encasteladas em seus próprios feudos. Atendem advogados e partes apenas se e quando têm vontade e, embora isso seja proibido, não recebem qualquer punição ou reprimenda.
            O último concurso da Magistratura de São Paulo foi suspenso pelo CNJ, porque as perguntas feitas aos candidatos nas entrevistas pessoais eram simplesmente absurdas. Segundo notícia publicada no site do Estadão em 24 de setembro, “durante as provas orais, que constituem a quarta etapa do concurso e são realizadas em sessões fechadas, sem a presença de público, alguns desembargadores perguntaram a candidatas grávidas se elas ‘não achavam que já começariam a carreira como um estorvo ao Judiciário’. No caso de candidatos vindos do Distrito Federal, desembargadores do TJSP afirmaram que ‘gente de Brasília não costuma se adaptar a São Paulo” e indagaram se eles estavam ‘convictos de seus propósitos’. No decorrer das entrevistas, também houve perguntas sobre a religião dos candidatos, a profissão de suas esposas e a solidez de seus casamentos” (leia a reportagem na íntegra aqui).
A própria existência de uma entrevista pessoal capaz de, por si só, eliminar um candidato (embora o TJSP negue, qualquer “concursando” sabe que na prática a entrevista é, sim, eliminatória – e o próprio ministro Ayres Britto já refutou essa afirmação do tribunal) já demonstra o viés antidemocrático da magistratura paulista. Na fase final do concurso, os critérios perdem a objetividade que deve nortear qualquer certame público. E como recorrer de uma avaliação subjetiva de que não há registro ou mesmo nota?
A ministra do STJ Eliana Calmon, quando presidiu o CNJ, destacou em inúmeras entrevistas a dificuldade de fiscalizar o tribunal paulista, chamando-o de “fechado” e “refratário ao trabalho do CNJ”. Em janeiro, o presidente do TJSP Ivan Sartori chegou a desafiar Eliana a mostrar seu contracheque se quisesse informações sobre os pagamentos dos juízes paulistas. Nas palavras da então corregedora-chefe, referindo-se ao TJSP: “Sabe o dia em que vou inspecionar esse tribunal? No dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro.”
            Não se trata de fatos isolados. É claro que toda carreira pública tem as suas figuras caricatas, como o juiz carioca que, em 2004, ganhou uma ação no TJ do Rio que obrigava o porteiro e os condôminos do prédio em que morava, em São Gonçalo, a chamá-lo de “doutor” ou “excelência”. O problema aqui é outro. É perceber que, numa sociedade que valoriza e busca cada vez mais a transparência e a proximidade com os órgãos públicos, o Judiciário paulista parece preservar uma mentalidade medieval, da qual a postura da juíza que responde a críticas com processos criminais e a “entrevista pessoal” dos concursos para juiz (na Bahia, por exemplo, há anos não existe sequer prova oral para o concurso de ingresso na magistratura - e não há qualquer indício de que os juízes baianos sejam piores do que os paulistas por isso) são emblemáticos – e lamentáveis – exemplos.
            Assim como os juízes paulistas mais liberais e comprometidos com os direitos fundamentais fundaram, em 1991, a Associação Juízes para a Democracia, talvez essa outra ala do Judiciário devesse também fundar uma associação para defender suas ideias e valores. Fica a sugestão do nome: Juízes contra a Democracia.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um policial na contramão

Esquadrão da Morte I, de Aldir Mendes de Souza (1970)
Raio-X. Acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP)


           Neste momento em que, mais uma vez, a guerra urbana entre policiais e bandidos atinge níveis de violência absurdos (eu gostaria de escrever “inéditos”, mas sabemos que não são), uma voz surge no meio da Polícia Militar de São Paulo, andando na contramão do corporativismo que marca a instituição desde o seu nascimento.
            Em junho, o Tenente-coronel Adilson Paes de Souza defendeu a dissertação A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar, com a qual obteve o título de Mestre pela USP. O objetivo do trabalho é entender e demonstrar por que policiais militares, embora tenham aulas de direitos humanos durante seu curso de formação, tornam-se assassinos após começarem a trabalhar nas ruas.
            Não fosse suficiente a singularidade de um policial militar dedicar-se a estudar de forma aprofundada e em nível acadêmico a delicada questão dos direitos humanos no Brasil, impressiona a coragem de Paes de Souza de refutar qualquer espécie de visão corporativista ou protecionista da Polícia Militar.
             O tenente não tem receio de afirmar que uma conduta abusiva, em que dez policiais agrediram uma pessoa ferida, foi um ato “de uma covardia e de uma falta de respeito pela vida e pela dignidade humana sem precedentes”, salientando que “uma única morte resultante de execução sumária extrajudicial já é, por si só, um absurdo” (p. 18); em relação às cada vez mais comuns “resistências seguidas de morte”, afirma que “perpetua-se, por meio de versões e explicações muitas vezes esdrúxulas, um panorama no qual a mentira impera e os homens incumbidos pelo Estado de proteger a sociedade pairam acima de todos e com plenos poderes” (p. 35). Aponta ainda a insuficiência da carga horária da disciplina de Direitos Humanos no curso de formação de policiais, atualmente correspondente a 1,47% da carga horária total do curso (p. 63) e a falta de qualificação dos docentes militares que lecionam a disciplina (p. 68), e pondera que “dada a reduzida carga horária, não há como preparar o policial militar adequadamente para a missão de proteger a sociedade com respeito às garantias individuais, à pluralidade, à diferença e à diversidade. Qual o entendimento que ele terá sobre a sociedade e todos os seus conflitos, como é possível ser preparado para o uso adequado da autoridade de que é investido? Talvez isso explique a lacuna existente entre o ensino de direitos humanos e a dura realidade de violações desses mesmos direitos” (p. 70).
            O trabalho leva a uma conclusão inevitável: há algo de muito errado no ensino dos direitos humanos nos cursos de formação de policiais. E Paes de Souza identifica com clareza a raiz do problema: a realidade com que os policiais se deparam ao sair às ruas não é a mesma que lhes é ensinada no curso. Acuados entre o perigo inerente à própria atividade e a cultura da corporação, que incentiva e estimula o extermínio da bandidagem, os policiais deixam de ser cumpridores da lei e se tornam assassinos. Essa cultura da morte não é um acidente, é uma construção. Prova maior disso são os dois depoimentos constantes da dissertação, dos ex-policiais identificados como “Steve” e “Mike”, que, expulsos da corporação e condenados por homicídio, descrevem um cotidiano em que a violação aos direitos humanos, a tortura e o homicídio são não apenas tolerados, mas incentivados.
            A falha está, segundo Paes de Souza, no descompasso entre o que se ensina no curso e a realidade cotidiana. E ele tem razão. Embora haja outros problemas que contribuem para que a polícia adote uma cultura de guerra, não há dúvida de que a falta de um estudo sobre a realidade que o policial enfrentará, bem como de um direcionamento do curso para que o policial seja preparado para enfrentar as situações concretas que encontrará nas ruas, contribuem para que o policial se torne um assassino.
            A mudança cultural que se faz necessária para que as polícias militares deixem de ser batalhões de fuzilamento de bandidos (que devem ser presos, processados e condenados de acordo com a lei, e não executados sem julgamento, o que é também uma violação da lei) passa por essa necessária reformulação da forma como são ensinados os direitos humanos nos cursos de formação. De nada adianta conhecer a Bill of Rights de 1689, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e o significado da dignidade da pessoa humana prevista em nossa Constituição se o policial não souber lidar com um bandido ferido e já imobilizado, e se aceitar a cultura de que é melhor matá-lo do que levá-lo para a delegacia.
            De qualquer modo, é salutar que um dos defensores dessas idéias seja justamente um oficial da Polícia Militar, uma instituição marcada pelo discurso corporativista e, pelo menos por enquanto, pela política de matar primeiro e perguntar depois.
            Não tenho dúvida de que a voz de Adilson Paes de Souza é minoritária (quando não isolada) dentro da instituição. Perguntei-lhe se ele sofreu críticas ou censuras pela dissertação, e ele me disse que não, que quatro oficiais lhe telefonaram para elogiar o trabalho e que, após uma entrevista ao Jornal da Gazeta, o porta-voz da PM afirmou que aquela não era a opinião da corporação. Mas não houve críticas diretas e explícitas a seu trabalho.
            Enquanto isso, cadáveres continuam a se empilhar nas periferias e o poder público continua a apoiar as ações “rigorosamente dentro da lei”, mesmo quando essas ações resultam na morte de inocentes como o publicitário Ricardo Aquino, que, por não parar em uma blitz, foi fuzilado em julho – numa ação que o comando da PM qualificou como “tecnicamente perfeita”.
            O que resta é torcer para que o trabalho de Paes de Souza contribua para uma mudança na cultura de morte que ainda marca a Polícia Militar de São Paulo. É um passo pequeno numa longa caminhada, mas, vindo de dentro da corporação, é muito significativo.
            A dissertação provavelmente será publicada, mas enquanto isso não ocorre ela pode ser consultada na biblioteca da Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco. Vale a leitura.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A burrice de Lula e o antilulismo

Lula, um leitor de mangás?


            O mundo virtual é como o mar – algumas coisas vêm e vão, “num indo e vindo infinito”,  como diria Lulu Santos.
            Na semana passada, recebi duas vezes pela internet a famosa foto de Lula lendo um livro de Paulo Coelho de cabeça para baixo, uma crítica à burrice do ex-presidente.
            Embora a falsidade da foto já tenha sido apontada inúmeras vezes, como a internet é um terreno sem memória, mais uma vez a imagem ganha as redes e se espalha.
            A foto original foi postada por Paulo Coelho em sua conta no Twitter, em agosto de 2010. Paulo Coelho, com razão, celebrou o fato de o ex-presidente estar com seu livro então recém-lançado, O Aleph. Algum malandro editou a foto e o resultado foi a fraude divulgada pelos críticos de Lula. Para quem gosta de malhar o ex-presidente, foi um prato cheio.
            Curiosamente, nenhuma das grandes mentes que divulgaram essa prova da burrice de Lula se deu conta de que, se ela fosse verdadeira, a capa do livro estaria no lugar da contracapa. O livro teria de ter sido escrito em árabe, ou ser um mangá, para que pudesse ser lido de trás para frente. Como se não bastasse, a lombada do livro não foi invertida como a capa.
            Mas nada disso importou àqueles que vivem buscando provas de que Lula é um sujeito muito, muito burro. A imagem rodou em 2010, foi devidamente desmentida e agora, em 2012, parece estar rodando novamente.
            Não pretendo aqui fazer nenhuma análise de Lula, nem dos (muitos) méritos e (muitos) deméritos do seu governo. O que me interessa é a percepção pública da figura do ex-presidente, e como uma ideia cretina a seu respeito lhe deu o melhor argumento para se blindar contra críticas.
A foto original, postada por Paulo Coelho no Twitter.
            De acordo com o Aurélio, burrice significa “falta de inteligência”. Não é, portanto, a mesma coisa que não ter instrução. Burrice diz respeito à falta de capacidade intelectiva, e não à falta de estudo ou de educação formal. Lula tem muitas qualidades e muitos defeitos. A burrice não é um deles.
            Fala-se muito na imprensa sobre o lulismo. Mas sua contraparte, o antilulismo, é raramente mencionada.
            O antilulismo é um sentimento muito parecido com aquele ódio patológico que certos corintianos sentem em relação ao Palmeiras e vice-versa. Para essa turma, ver o time adversário perder (mesmo que não seja para o seu time) é melhor do que ver o próprio time ganhar. O antilulismo é assim: não importa o que Lula fizer, estará sempre errado, será sempre um argumento a seu desfavor.
            O melhor exemplo disso são às críticas à sua política econômica. Muitos detratores de Lula o censuram porque, ao assumir o governo em 2003, ele não se afastou muito dos parâmetros adotados no campo econômico por FHC no governo anterior. Claro que se Lula tivesse seguido qualquer outro caminho na economia a crítica seria ao fato de ter abandonado uma estratégia que estava dando certo... em outras palavras, para os antilulistas, Lula jamais conseguiria acertar, pois o erro estava no fato de ele ocupar a presidência.
            Atribuir ao ex-presidente o defeito da burrice é fechar os olhos para a realidade: Lula teve uma infância miserável, tornou-se uma força política imensa nos anos 80 e ajudou a fundar um dos partidos mais importantes da atualidade, o PT. Foi eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006. No final de 2010, o índice de aprovação de seu governo era de 83% segundo o Datafolha, o que lhe possibilitou eleger uma sucessora completamente desconhecida do público. Apesar de todas as denúncias de corrupção que desabaram sobre seu partido nos últimos anos, a oposição não conseguiu vincular concretamente o nome de Lula a nenhuma delas. Lula é admirado pela maioria dos líderes europeus e Barak Obama, em 2009, disse que Lula “é o cara”. É possível imaginar que uma pessoa intelectualmente limitada, incapaz de analisar a realidade a seu redor, conseguisse realizar esses feitos?
            Apesar disso, o antilulismo insiste na imagem de um Lula burro, confundindo sua falta de educação formal com falta de capacidade intelectual.
            O problema do antilulismo é que fornece a Lula uma blindagem contra críticas mais objetivas. Lula sempre usou – aliás, de forma muito inteligente – o argumento do “preconceito das elites” para rebater qualquer crítica ou questionamento ao seu governo. Qualquer análise mais atenta demonstra que, ao invocar o “preconceito das elites”, Lula muitas vezes deixou de responder ao que lhe fora perguntado. Não houve crítica a Lula que não tenha sido rebatida com a alegação de que “as elites não suportam ver um torneiro mecânico na presidência.”
            Seria um argumento muito fácil de refutar – se não fosse verdade. O antilulismo – que não se confunde com as muitas críticas justificadas aos oito anos do governo Lula, feitas por gente capacitada e ponderada – é exatamente isso: é errado porque é Lula, porque é “burro” (ou “um nordestino burro”, na forma extremada de antilulismo), porque não é um sociólogo e professor da Universidade de Paris, como FHC.
            E porque esse preconceito existe, Lula, que de burro não tem nada, faz uso dele sempre que lhe é conveniente, valha ou não o argumento para a situação (e muitas vezes vale).
            Enquanto isso, a intelligentzia antilulista se apega a factóides como a montagem tosca e fisicamente impossível de Lula lendo Paulo Coelho de cabeça para baixo para mostrar o tamanho da burrice do ex-presidente. 
            Quem é o burro mesmo?

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Quem não aprende

Cena do filme The Wall (1982). Para alguns
professores, não há diferença entre
a escola e um moedor de carne.


            Num dos primeiros posts deste blog, "Quem ensina, quem aprende", comentei o caso da estudante Isadora Faber, de 13 anos, criadora da página Diário de Classe – A Verdade no Facebook, na qual os problemas da sua escola eram publicados e comentados. Tratei da postura dos professores, funcionários e da própria diretoria, que tentaram impedir Isadora de continuar a expor as falhas estruturais da escola, chegando mesmo a ameaçá-la. Diante da repercussão negativa, a escola voltou atrás e a Secretaria de Educação de Santa Catarina passou a adotar providências para resolver os problemas. Escrevi na ocasião que “Isadora, que foi à escola para aprender, acabou ensinando.”
            Mas algumas pessoas simplesmente são incapazes de aprender o que quer que seja.
            Na última terça-feira, 18 de setembro, Isadora foi obrigada a comparecer à delegacia de polícia para prestar depoimento, pois uma professora de português a acusou de calúnia e difamação. Segundo a Folha de São Paulo, a professora registrou um boletim de ocorrência contra a aluna por conta de um comentário feito em 24 de agosto. Transcrevo a parte do comentário que irritou a professora:

Hoje a professora de português Queila, preparou uma aula para me “humilhar” na frente dos meus colegas, a aula falava sobre política e internet, ela falava que ninguém podia falar da vida dos professores, porque nós podíamos ter feito muitas coisas erradas pra eles odiarem e etc. Eu acho que a maioria dos meus colegas entenderam o recado “para mim”. (...) Confesso que fiquei muito triste...
Cena do filme The Wall (1982). Os alunos dos
sonhos de professores autoritários e despreparados.

A mãe de Isadora afirmou à Folha que a menina ficou assustada ao receber a intimação, mas que foi muito bem tratada na delegacia e voltou para casa contente. Disse ainda que antes de receber a intimação para comparecer à delegacia a família já havia conversado com a professora e tudo havia sido resolvido.
Como a professora não fez uma representação criminal após o boletim da ocorrência, providência necessária para que o inquérito policial siga em frente, o processo deve ser arquivado.
Independentemente do resultado, a decisão da professora impressiona não só pelo autoritarismo, como pela burrice.
Calúnia e difamação são dois crimes não só diferentes como incompatíveis. Caluniar é atribuir falsamente a alguém a responsabilidade por fato definido como crime (art. 138 do Código Penal). Ou seja, não basta afirmar que alguém cometeu um crime, é preciso também que a afirmação seja falsa. Isadora apenas descreveu o que a professora afirmou em aula, afirmando que a intenção da professora era humilhá-la. O fato não era falso e mesmo se fosse verdadeiro não constituiria crime. Difamar é atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação (art. 139 do Código Penal). Seria até possível processar Isadora por difamação – se ela não tivesse 13 anos. No Brasil, apenas maiores de 18 anos podem responder a processos criminais.
Mas a burrice maior da professora está em exibir sua intolerância e seu autoritarismo contra Isadora não só na aula, mas posteriormente, na delegacia, num momento em que o Diário de Classe já ganhava projeção nacional.
Qualquer professor está sujeito a críticas e a interpretações variadas de suas palavras. A dinâmica da aula pressupõe, em regra, um emissor e diversos receptores da mesma mensagem. Quem não está preparado para os problemas que surgem dessa relação – interpretações equivocadas, críticas etc. – simplesmente não tem condições de lecionar. Isso vale para todos, mas a situação é muito pior quando se trata de um adulto lecionando para crianças.
A situação é a seguinte: a criança faz uma crítica ao adulto na internet. Como ele resolve? Conversa com a criança? Tenta explicar que não quis dizer o que a criança entendeu? Não. Vai até a delegacia e faz um boletim de ocorrência.
Ensinar significa mais do que conhecer a matéria a ser transmitida. Toda aula consiste numa relação intersubjetiva bastante complexa e plural. Ainda que essa professora conheça de cor toda a matéria que lhe cabe lecionar, está claro o seu despreparo para lidar com os alunos. Que ela continue a exercer a profissão após a divulgação dessa cretinice (que, mesmo que seja um fato isolado, diz muito sobre sua personalidade e seu caráter) é algo espantoso.
Eu gostaria de terminar esse post afirmando que mais uma vez Isadora ensinou ao invés de aprender. Mas não seria verdade. Como já dito, algumas pessoas simplesmente não aprendem.
            

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O palhaço ri por último


Il Pagliacci: o melhor deputado federal do Brasil?

              Subitamente, uma bigorna despenca dos céus e esmaga nossas certezas.
            A eleição de Tiririca para a Câmara dos Deputados entrou para o imaginário dos “esclarecidos” como a prova viva de que “povo não sabe votar”. Embora os votos desses “esclarecidos” não sejam qualitativamente melhores do que os do “povão” (ou “povinho”, para os que preferem um termo ainda mais pejorativo e segregador) – tema, aliás, do segundo post desse blog, "O cisco e a trave" – as circunstâncias levavam a crer que Tiririca não tinha condições de ser um bom parlamentar. Havia fundadas suspeitas de que o palhaço era analfabeto e em sua própria campanha o então candidato afirmava categoricamente não saber o que fazia um deputado federal. Como se não fosse suficiente, suas propagandas eram marcadas por um tom jocoso e descompromissado, e não havia qualquer projeto político sério à vista.
            Tudo sugeria que sua atuação como parlamentar seria uma catástrofe. Era o que muitos de nós pensávamos e esperávamos.
            Estávamos completamente enganados.
            Somos mulheres de malandro do senso comum e da racionalidade estrita. Não importa o quanto esses dois nos traiam, sempre voltamos a eles, sempre lhes damos novas chances de nos enganar. Tiririca, de quem se esperava o pior, acaba de ser indicado para o Prêmio Congresso em Foco, que elege os 25 melhores deputados federais do ano.
            Na atual edição do prêmio (a sétima), 186 jornalistas que cobrem o Congresso Nacional votaram na indicação dos 25 deputados selecionados. A segunda fase da votação, que vai até 15 de outubro, ficará a cargo dos internautas (a lista completa pode ser conferida aqui). Tiririca, portanto, pode ser eleito o melhor deputado federal do Brasil.
        Antes que se pense em qualquer forma de favorecimento ou se alegue falta de seriedade do prêmio, é importante analisar os dados levantados sobre o parlamentar Tiririca.
            Segundo o Congresso em Foco, apenas nove deputados registraram presença em todas as 171 seções de votação na Câmara. Tiririca foi um deles. Participou de 106 das 120 reuniões da Comissão de Educação e Cultura, mesmo não sendo obrigatória sua presença. Apresentou sete projetos de lei, referentes ao circo e à educação (um deles, que acaba de ser encaminhado à CCJ da Câmara, propõe a criação de um programa de amparo social a profissionais circenses). Não discursou no plenário uma única vez. E não há qualquer denúncia envolvendo sua pessoa (o regulamento do prêmio proíbe expressamente a indicação de parlamentares que respondam a processos criminais perante o STF, a processos nos conselhos de ética da Câmara ou do Senado ou que tenham sido denunciados por ofensas graves a direitos humanos).
            Por critérios puramente objetivos, Tiririca atropelou as convicções mais arraigadas da dita “classe pensante”. Pisoteou-as com aqueles sapatos enormes de palhaço. E não há contra-argumento possível aos números apresentados. Gostemos ou não da presença do palhaço no Congresso Nacional, é inegável que esses números mostram que ele vem se saindo melhor do que muitos “políticos profissionais” que receberam votos "sérios" e que lá estão para garantir seus interesses pessoais (no mais das vezes ilícitos) e só.
            Se o Poder Legislativo, em especial a Câmara dos Deputados, deve ser formado por representantes do povo, é evidente que os parlamentares não precisam ser grandes especialistas em processo legislativo. Nem é o que se deve esperar deles. Essencial é que representem a parcela da população que neles se vê espelhada ou neles reconhece valores e ideais que pretende ver defendidos, dos extremistas que votam em Jair Bolsonaro (RJ) aos evangélicos que votam em Marco Feliciano (SP) e Lauriete (ES), dos ecologistas que votam em Fábio Ramalho (MG) aos cadeirantes que votam em Mara Gabrilli (SP). Para o lado técnico, a legística e o juridiquês, existe a verba de gabinete, que serve (ou deveria servir) para a contratação dos assessores que darão às ideias e propostas do parlamentar a forma tecnicamente adequada. Para isso existem também as comissões de constituição e justiça das duas casas legislativas. Quem acha que é preciso uma formação técnica ou acadêmica sólida (como, por exemplo, a de um Paulo Maluf) para ser parlamentar não compreende a dinâmica básica da democracia representativa. E não olha para a realidade nacional.
             É óbvio que seria melhor se o parlamentar conhecesse a fundo não só os problemas nacionais que terá de discutir com seus colegas como também a delicada dinâmica do xadrez político, aspectos da atividade parlamentar que Tiririca aparentemente não domina. Também é óbvio que o parâmetro quantitativo (quantidade de presenças etc.) pouco diz sobre o qualitativo, igualmente importante. Apesar disso, Tiririca indiscutivelmente superou as expectativas a seu respeito. Quantos "candidatos-piada" (dos quais Enéas Carneiro e Clodovil Hernandez são exemplos notórios) se destacaram por um trabalho minimamente decente após eleitos? Até nesse ineditismo o palhaço surpreendeu.
            Tiririca representa uma parcela da população que enxerga nele algo com que se identifica. É o suficiente para justificar sua presença no Congresso (ao menos tanto quanto a de gente muito pior do que ele, e profissionalizada no assalto aos cofres públicos). E é inegável que ele está se saindo muito melhor do que todos (provavelmente até seus eleitores) esperavam.
            Nada disso altera o fato de que o voto dado a título de piada, assim como o voto dado ao "político profissional" de quem nada se sabe além do que é mostrado em 30 segundos de horário eleitoral (nada mais, portanto, do que um produto cujo conteúdo se desconhece), constituem um problema gravíssimo do nosso sistema representativo, consequência da imaturidade de nossa consciência cidadã, ainda em (lento) processo de construção. Só o tempo será capaz de, aos poucos, fazer com que a população como um todo se dê conta da importância e da seriedade do voto.
            Enquanto isso não acontece, o voto, mesmo mal dado, pode levar a boas surpresas como a atuação de Tiririca na Câmara, no mínimo mais correta do que a da maioria de seus colegas. 
           Resta torcer para que os demais deputados – aqueles que têm ficha suja, que estão sempre ausentes, que não apresentam nenhum projeto – se espelhem no “padrão-Tiririca” e, principalmente, para que não ocorra justamente o contrário.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tribunais paralelos

Se gritar "pega ladrão"
Não sobrevive um, meu irmão...


            Maciel Santana da Silva, de 21 anos, abraçou uma menina de 12 anos. E morreu por isso.
            O irmão da menina, ao saber do fato, procurou integrantes do PCC em Várzea Paulista, pedindo providências. Na versão dos fatos narrada aos criminosos, Maciel teria estuprado a menina.
            Treze bandidos montaram o que a imprensa costuma chamar de “tribunal do crime”, com a presença de Maciel, da menina e de sua família. O “julgamento” ocorreu em 11 de setembro. A menina negou a ocorrência do estupro, disse aos criminosos que o irmão havia exagerado e que Maciel só lhe dera um abraço. Posteriormente, a mãe da menina disse à imprensa que Maciel agarrara sua filha. Seja qual for a verdade, o fato é que o “tribunal” absolveu Maciel.
            Mas antes que a “sessão de julgamento” fosse encerrada, policiais da Rota chegaram ao local e mataram oito dos bandidos, além do próprio Maciel. Os demais foram presos.
            Na primeira versão divulgada pela polícia, os criminosos teriam assassinado Maciel. Posteriormente, a própria polícia admitiu que foi a Rota quem o matou. O governador Geraldo Alckmin afirmou à imprensa que “quem não reagiu está vivo”. De acordo com o boletim de ocorrência, Maciel estava dentro de um Pointer e portava uma pistola 9mm.
            Em que cenário é possível imaginar que alguém levado à força para um matagal por treze criminosos do PCC para ser julgado teria em seu poder uma pistola 9mm? Em que cenário é possível conceber que Maciel, na situação em que se encontrava, teria reagido contra os policiais?
            Havia 40 policiais da Rota na ação. De acordo com a imprensa, 61 tiros foram disparados pela polícia. Não foram encontradas marcas de tiro em nenhuma das viaturas envolvidas na operação.
            Absolvido pelos bandidos, Maciel não escapou ao julgamento da Rota. Ele não tinha antecedentes criminais e, segundo seu pai, passava por tratamento psiquiátrico. Em nota enviada à Folha de São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública informou que ele tinha dois irmãos com antecedentes criminais, inclusive por tráfico de drogas.
            Parte da população, aquela que sempre aplaude as chacinas patrocinadas pela polícia, elogiou a ação da Rota, com os argumentos de sempre. No dia seguinte às mortes, na página do Facebook “Eu nasci para ser polícia”, foi postada a pergunta: “A AÇÃO DA ROTA FOI PADRÃO? QUEM CONCORDA DA UM CURTIR AE...!” (sic). No momento em que publico esse post, 3.826 pessoas haviam “dado um curtir”. Os comentários feitos a respeito são indescritíveis.
            A atuação da polícia em São Paulo ainda renderá muitos posts por aqui. Sem apelar para o maniqueísmo rasteiro de que todo policial é assassino ou herói, nem para o radicalismo imbecil de que todo bandido tem mais é que morrer mesmo, constato que, embora a imprensa e a sociedade gostem de tratar o crime organizado como um poder paralelo que age à margem do Estado, existem outros, aos quais não se costuma dar a devida atenção.
Em que diferem os “tribunais paralelos” do PCC da conduta dos policiais que se arvoram na condição de promotores, juízes e executores de quem julgam ser “bandidos”? Em que diferem dos comerciantes que contratam policiais para exterminar os ladrões de galinha que atrapalham seu comércio?
É incompreensível a lógica segundo a qual o mandante ou executor do assassinato de um “bandido” é considerado um “cidadão de bem” ou um “herói da sociedade”. Se não houve um processo judicial, se tudo foi feito à margem da lei, o mandante e o executor não são tão bandidos quanto o executado, quando não mais? Afinal, bandido é quem comete crime. E quem pratica um homicídio não autorizado por lei está fazendo o quê?
Quando José Afonso da Silva, um dos juristas mais brilhantes do Brasil, afirmou que o governo Alckmin tolera a violência policial no combate ao crime, ao contrário do que fazia o governador Mário Covas (de quem foi secretário de segurança pública), o atual secretário, Antônio Ferreira Pinto, afirmou que José Afonso foi um secretário medíocre. Talvez, para a atual secretaria, a mediocridade e a eficiência se meçam pela quantidade de cadáveres que a polícia produz.
A ala conservadora paulista, que apóia o assassinato de bandidos – desde que não sejam heróis fardados ou cidadãos de bem – talvez tivesse dificuldade em justificar o homicídio de Maciel Santana da Silva. Por outro lado, para quem pensa assim, talvez seja suficiente ter dois irmãos com antecedentes criminais. Por essa lógica perversa, ter irmão “fichado” é mais grave do que matar ao arrepio da lei.
É claro que para quem não conhece a diferença entre combate à criminalidade e vingança social essas considerações não fazem o menor sentido. Sem essa distinção, não importa buscar formas de evitar o crime, e sim de punir o crime após a sua ocorrência. Mas perguntem a qualquer um o que é melhor: ser vítima de um crime e ver o criminoso punido ou não ser vítima de crime algum?
O ciclo de violência, em cujas roldanas estão presos policiais, bandidos e a própria sociedade, se autoalimenta e não precisa do Estado para agravar a situação. Ao contrário, uma das funções do poder público é justamente quebrar esse mecanismo perverso. Caso não o faça, o número de tribunais paralelos tende a aumentar – até chegarmos ao ponto em que tribunais de verdade não servirão para nada.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O mistério de Kassab



            Gilberto Kassab é um mistério. Com tudo de pitoresco e de peculiar que São Paulo já teve na prefeitura, nada se compara a ele.
            Kassab é um mistério porque São Paulo nunca teve um prefeito tão determinado a cometer suicídio político. A busca de Kassab pela impopularidade é quase patológica.
            Nosso prefeito sempre teve uma veia conservadora. Ele iniciou a vida política no PL (atual PR), mudando depois para o PFL (atual DEM), e finalmente fundando o PSD em 2011 – o partido que, nas suas próprias palavras, “não é de direita, nem de esquerda, nem de centro”, mas que, de acordo com os “princípios e valores” constantes de seu site, defende "a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento, sem os quais não se erradica a pobreza. Acreditamos num estado forte, regulador, mas democrático e centrado nas suas prioridades sociais."
            E embora Kassab tenha despencado na cadeira da prefeitura por um acaso – a renúncia de Serra para concorrer ao governo, em 2006 – , ele teve habilidade suficiente para passar de completo desconhecido do público a prefeito reeleito com 60,72% dos votos, em apenas dois anos. Façanha nada desprezível.
            Mas como disse um aluno meu um dia desses, “o Kassab do pré-venda é um e o do pós-venda é outro”.
            É lição política bem antiga – pelo menos desde 60 a.C., quando Pompeia se encrencou por causa de Clódio, mesmo sendo inocente – que a mulher de César precisa não só ser honesta, como também parecer honesta. Maquiavel foi mais longe: nem precisa ser honesto, basta parecer. Em outras palavras, desde sempre se sabe que a imagem do político muitas vezes fala mais ao eleitorado do que suas ações. Kassab sabe disso – tanto que conseguiu a proeza de ser reeleito sem ter sido eleito. Como explicar, então, a estratégia suicida do mandato 2009-2012?
            Rememorando alguns fatos do pós-venda de Kassab:
            Em setembro de 2009, a prefeitura decidiu cortar uma das cinco refeições servidas nas escolas públicas. A reação popular foi tão negativa que a prefeitura voltou atrás. No mesmo mês, a prefeitura tentou reduzir em 10% o repasse de verbas para o recolhimento de lixo na cidade (felizmente, ninguém sugeriu que o lixo excedente fosse servido como a quinta refeição que a prefeitura pretendia cortar...). Antes, a varrição das ruas e o recolhimento de entulhos já tinham sofrido cortes. Ainda em 2009, a prefeitura aumentou os gastos com publicidade institucional em 300%. Em 2010, Kassab proibiu que a população desse dinheiro aos artistas de rua (categoria que atua livremente em qualquer cidade grande do mundo civilizado, como o prefeito deve saber).
            Apesar dessas trapalhadas, em 2011 Kassab deu uma tacada política certeira ao criar o PSD, que já nasceu com a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados. Com essa jogada, Kassab tornou-se uma peça relevante no xadrez político e passou a ser cortejado por partidos que buscavam seu apoio.
            Mas parece que em 2012 o estoque de Rivotril do prefeito acabou e ele resolveu liberar sua Sarah Palin interior. Os últimos meses foram marcados por decisões que beiram o fascismo.
Jânio Quadros. Modelo e inspiração?
            Nosso prefeito sempre gostou de proibir. Sua maior inspiração parece ter sido Jânio Quadros, que proibiu o skate no Parque do Ibirapuera, o biquíni nos concursos de miss, o rock nos bailes estaduais, o lança-perfume nos carnavais e a apresentação de espetáculos de hipnose em lugares públicos (!), dentre outras coisas. O espaço aqui é insuficiente para falar de tudo o que Kassab já proibiu em São Paulo ao longo de sua gestão, de ovos moles em padarias e gritos de feirantes a doação de lixo para reciclagem. Se Caetano Veloso tivesse composto É proibido proibir, de 1968, durante a gestão Kassab, a prefeitura certamente proibiria sua execução.
Mas 2012 ficará na lembrança dos paulistanos como o ano em que as proibições atingiram o ápice da desumanidade.
            Em junho, a prefeitura tentou proibir a distribuição de sopa aos moradores de rua do Centro, ameaçando processar, inclusive criminalmente, quem descumprisse a proibição. “Kassab não é louco de fazer isso”, disse na ocasião um morador de rua. Sim, ele é. Só não o fez porque 1) a medida seria ilegal (o então Secretário de Segurança Urbana não soube responder como dar sopa a moradores de rua poderia constituir um crime); e 2) a reação pública foi tão ruim que a prefeitura voltou atrás. A Secretaria de Seguraça Urbana, aliás, tentou também impedir o uso de tripés de câmeras na Praça da Sé sem autorização, e mais uma vez voltou atrás diante da repercussão negativa. Recentemente, atendendo aos apelos da parcela mais reacionária da população, a prefeitura “limpou” o Largo São Francisco, “varrendo” os mendigos que se amontoavam em frente à Faculdade de Direito da USP e incomodavam os bem-nascidos frequentadores das Arcadas (ao "estilo Cracolândia"). Anteontem, a ONG Educa São Paulo foi proibida pela Guarda Civil Metropolitana de distribuir – notem bem, de doar – 8.000 livros no Viaduto do Chá.
Nem mesmo o mais sectário, o mais conservador, o mais ranheta dos cidadãos há de concordar com uma gestão que proíbe as pessoas de doar comida a moradores de rua (no inverno, ainda por cima) e de doar livros à população.
Volto ao início. O suicídio político de Kassab é um mistério. Ele já demonstrou habilidade política ao se reeleger e ao criar o PSD. Não é, portanto, nenhum imbecil (tem, aliás, uma formação acadêmica invejável). Sabe, portanto, que as medidas que seus secretários tomam refletem na sua pessoa. Por que, então, permite e aceita a criação da imagem de uma gestão fascista?
O índice de rejeição de Kassab já está em 48%. Ainda não alcançou Jânio Quadros (66%) e Celso Pitta (83%). Mas se continuar se esforçando desse jeito, em breve teremos um novo recordista de impopularidade.  





quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Tia Nastácia no STF




Jacira Sampaio, a Tia Nastácia
da versão do Sítio do Picapau
Amarelo
dos anos 70/80.
            
         Ontem à noite, no gabinete do ministro Luiz Fux, do STF, reuniram-se membros do MEC, do Instituto de Advocacia Racial (IARA) e o técnico em gestão educacional Antonio Gomes da Costa Neto, para discutir a adoção do livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). O IARA e Costa Neto impetraram um mandado de segurança para retirar a obra do PNBE, por conta das expressões racistas que Monteiro Lobato usa para se referir à personagem Tia Nastácia, do Sítio do Picapau Amarelo, tais como “macaca de carvão”.
            Para o MEC, uma nota explicativa, contextualizando o enfoque (inegavelmente racista) da obra – que, é bom lembrar, foi escrita na década de 30 – é alerta suficiente para os alunos. O IARA e Costa Neto informaram à imprensa que podem desistir da ação se o MEC adotar medidas mais concretas, como a capacitação dos professores para explicar a obra aos alunos.
            Pergunto-me que tipo de qualificação seria necessária para que um professor lidasse com o tema do racismo em salas de aula. Vendo por outro ângulo: um professor que não saiba discutir racismo com uma sala de aula pode ser professor?
Monteiro Lobato
            Monteiro Lobato era não só racista – se alguém duvida, basta ler O Presidente Negro, seu único romance para adultos, no qual defende a eugenia e critica a miscigenação – como também reacionário de carteirinha. Em seu artigo Paranoia ou mistificação, de 1917, atacou a segunda exposição de Anita Malfati com ferocidade, equiparando seus “quadrinhos” a caricaturas e tornando-a mártir dos modernistas. Nos inúmeros livros do Sítio do Picapau Amarelo, as duas únicas personagens negras “fixas” são Tia Nastácia e o Saci. E não é só em Caçadas de Pedrinho que Tia Nastácia é tratada de forma racista. No segundo volume de  Reinações de Narizinho, por exemplo, há o seguinte diálogo:

        Todos tomaram café, menos Cinderela.
     - Só tomo leite - explicou a linda princesa. - Tenho medo de que o café me deixe morena.
     - Faz muito bem - disse Emília. - Foi de tanto tomar café que Tia Nastácia ficou preta assim...

            É claro que é preciso contextualizar as obras de arte, principalmente quando apresentadas a crianças. É claro que outros livros da coleção do Sítio, que não contivessem expressões racistas tão evidentes, poderiam ter sido adotados. Mas acreditar que o poder público pode elaborar uma orientação normativa geral, válida para os quatro cantos do país, para capacitar professores a lidar com o racismo é uma ingenuidade. Será que um professor de Santa Catarina deve lidar com o racismo em sala de aula nos mesmos termos que um professor do Rio Grande do Norte? Acredito que não. As abordagens têm de ser adaptadas às realidades com as quais o professor lida.
         É também ingenuidade achar que uma criança se tornará mais (ou menos) racista por ter lido Caçadas de Pedrinho.
            Racismo não é algo que surge da leitura de um livro infantil, nem algo que se combata de forma simplista. É um sentimento (não é possível entender o racismo como algo racional) de tal modo entranhado na estrutura social que seu combate exige uma atuação conjunta de pais, do Estado e da sociedade como um todo.
E não há nada pior, para lidar com um problema, do que fingir que ele não existe. Esconder o preconceito presente em obras de arte não faz com que esse preconceito desapareça. A análise do contexto histórico e cultural faz parte da compreensão de qualquer obra. Mas é óbvio que a luta contra os preconceitos não pode descambar para o ridículo. Há alguns anos foi lançada nos EUA uma versão “reeditada” da Bíblia (um dos livros mais misóginos da história da humanidade) em que Deus era sempre chamado de God-Godess, He-She etc., porque, para os editores, tratar Deus como um personagem masculino era machismo. Em fevereiro deste ano, o Ministério Público Federal tentou tirar de circulação o dicionário Houaiss, porque seus editores se recusaram a mudar o verbete cigano, que conteria expressões “pejorativas e preconceituosas” (deveria ser tirado de circulação também Dom Casmurro, de Machado de Assis, cuja personagem Capitu é descrita com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”?). Os exemplos são inúmeros.
E por acaso as crianças eventualmente poupadas da leitura de Caçadas de Pedrinho também serão poupadas de marchinhas de carnaval como O teu cabelo não nega (“mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero teu amor”), dos personagens homossexuais das novelas e programas de TV (praticamente todos caricaturais – o que é, claro, uma forma de preconceito), da leitura da Bíblia (indiscutivelmente misógina), dos filmes americanos em que o vilão é sempre o estrangeiro, geralmente árabe, agora que os russos estão fora de moda (xenofobia pura)? Nesse mundo em que os mais diversos preconceitos saltam aos olhos, vindos de todas as direções, proibir a distribuição de Caçadas de Pedrinho ou bolar uma estratégia para “capacitar professores” a lidar com o racismo implícito (ou explícito) na obra – o que me parece inviável do ponto de vista pragmático – vai resolver algum problema?
Há muito a ser feito para combater os inúmeros preconceitos que existem na sociedade. A iniciativa da IARA, embora bem intencionada, não vai ter qualquer resultado prático. Ninguém que não seja racista passará a sê-lo por ler Caçadas de Pedrinho. Nenhum racista deixará de sê-lo (ou será menos racista) por não ter lido o livro. E nenhum adulto, professor ou não, precisa receber capacitação especial (o que quer que isso signifique) para explicar a uma criança que o racismo é um mal terrível a ser combatido. Qualquer adulto minimamente instruído sabe disso. Quanto aos (inúmeros) adultos racistas, de que lhes serviria qualquer capacitação vinda do MEC?
Diz o ditado que a maior artimanha do diabo é convencer os outros de que ele não existe. A pior forma de lidar com o preconceito é escondê-lo e fingir que ele não está lá. Livros, filmes, músicas, qualquer manifestação de pensamento tem de ser entendida à luz de seu tempo e de suas circunstâncias. Ignorar isso é tentar apagar o passado. E como se sabe, quem apaga o passado tende a repetir, no futuro, erros já cometidos.

           


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Domingo Ilegal

Shirley Temple em 1933.


       
     O dançarino ondula o corpo de forma sensual, enquanto a plateia feminina grita e assobia. O dançarino simula o vaivém do ato sexual, desliza a mão pelo peito enquanto rebola, acompanhado por "dançarinas sensuais" (chamemos assim). O público feminino delira. A mãe orgulhosa aplaude.
Espera aí.
A mãe aplaude?
Pois é. O dançarino é uma criança de seus quatro ou cinco anos.
     Ontem, diante da televisão, tive o desprazer de me deparar com "Nicolas, o novo fenômeno da internet", requebrando-se ao som de Camaro Amarelo, música da dupla sertaneja Munhoz & Mariano, no programa Domingo Legal, apresentado por Celso Portiolli, esse arremedo de Sílvio Santos (por sua vez o arremedo de algo que não sei bem - ou não ouso - definir). A tal dupla sertaneja, sorrisos de orelha a orelha, cantava a música e executava a performance que a criança se esforçava para imitar. O público gritava, assobiava e aplaudia. O apresentador sorria encantado, sonhando com índices elevados de audiência. A mãe da criança, cheia de orgulho, assistia a tudo no palco.
Felizmente, não vi mais do que poucos minutos do programa. Mas o grotesco das imagens não me saiu da cabeça (ao contrário do que fiz em postagens anteriores, dessa vez não colocarei aqui o link do vídeo. Recuso-me, simplesmente. Quem tiver estômago para tanto que o procure).
       Mais tarde, resolvi pesquisar o caso na internet. No site do SBT, descobri o nome da dupla sertaneja, da música e da aberração-mirim. O Google me informou que não é a primeira vez que "Nicolas" se apresenta no Domingo Legal. De posse dessa informação, digitei no buscador "sbt exploração sexualidade infantil". Inacreditavelmente, um dos primeiros links que surgiram foi o do programa Conexão Repórter, também do SBT, "denunciando" a exploração da prostituição infantil. O título da reportagem? Infância roubada. Sintomático, muito sintomático.
Sobre "Nicolas, o novo fenômeno da internet", salvo links de vídeos no youtube, de páginas dedicadas ao "mundo sertanejo" (elogiando o "fenômeno") e do próprio Domingo Legal, nem uma palavra (até o momento em que publico essa postagem) - embora, pelo que pude perceber, os vídeos do garoto já estejam na internet pelo menos desde o final de agosto.
Confesso que não tenho estômago para a televisão, principalmente a aberta. Mas imaginava que a exploração explícita da sexualidade infantil, tão em voga nos anos 90 (quando o surgimento de grupos como É o Tchan! levou o SBT - sempre ele! - a criar concursos como o da "mini Carla Perez", em que menininhas de três a sete anos "desciam na boquinha da garrafa", rebolando freneticamente), havia desaparecido, ou ao menos se tornado um pouco mais disfarçada. Ontem, descobri que estava enganado.
Tenho horror a moralismos e a moralistas. Sempre que ouço alguém criticando a falta de "moral e bons costumes" dos dias atuais lembro-me da Dona Pombinha de Roque Santeiro ou dos militares que, na ditadura, perseguiam artistas de vanguarda. O patrulhamento moral é tão ruim quanto o ideológico. Mas não é moralismo exigir que pais tratem seus filhos como as crianças que são, e que não os exponham à sanha e à tara alheias.

Cartão do dia dos namorados da década
de 30, inspirado em Shirley Temple.
É claro que a exploração (mesmo que implicitamente) sexual da imagem da inocência infantil existe há muito tempo, no mínimo desde Shirley Temple. Nabokov (autor de Lolita) que o diga. Mas isso não significa que tenhamos de aceitá-la e, principalmente, que não precisemos combatê-la. Hoje em dia, o anonimato que a internet garante permite a disseminação das práticas mais bizarras, a satisfação secreta dos impulsos mais vis. Não deixa de ser paradoxal que uma sociedade que se esforça cada vez mais para combater a pedofilia aceite que uma criança de seus quatro ou cinco anos (se tanto) se comporte como um mini go-go boy num programa de televisão (e essa aceitação não se restringe à lei ou às "autoridades"; espantou-me, acima de tudo, que nenhum adulto, diante daquele espetáculo deprimente, mostrasse o mínimo desconforto, o menor constrangimento - ao contrário, todos pareciam muito empolgados com a situação. Empolgados demais, talvez).
Estou certo de que o "pequeno Nicolas" está se divertindo bastante com a notoriedade recém-adquirida, e que, como é comum nessas situações, vê tudo como uma grande brincadeira. Mas e os adultos à sua volta? Sílvio Santos e seu genérico estão capitalizando, em benefício próprio, o lado mais baixo da natureza humana; a mãe da criança, certamente sonhando com o estrelato do filho, não percebe - ou não se importa com - os riscos, inclusive psicológicos, a que a nova celebridade momentânea está exposta. Os comentários aos vídeos na internet vão de "gracinha", "sucesso" e "talentoso" até um inacreditável "gato". Críticas, não vi nenhuma. Repito: nenhuma.
Desde 1988 o Ministério Público vem se fortalecendo como instituição. Inúmeras vezes o MP extrapola suas atribuições, palpitando sobre novelas, propagandas que "humanizam animais", a conveniência de o McDonalds dar brinquedos junto com os lanches etc. Se, como diz a Constituição, a criança merece proteção especial, por que essa inércia inaceitável diante de uma situação tão grotesca?
Não sei em que pé anda esse tipo de coisa na televisão, se é ou não comum. Sei que é imoral, ilegal (fere o ECA) e inconstitucional. E que a infeliz que pariu essa criança deveria ser submetida a um exame psicotécnico, além de receber uma orientação mínima sobre como educar (verbo que lhe deve ser desconhecido) crianças nesse mundo louco. Crianças têm o direito de ser crianças. Adultos, quando se tornam pais, têm a obrigação ser adultos. Não podem tratar seus filhos como bonecas – ou como cães de circo. É impressionante constatar que, ao mesmo tempo em que a adolescência vem sendo esticada (às vezes para além dos 40 anos), a infância vem sendo encolhida. Que pessoas imaturas não saibam criar os próprios filhos já é lamentável. Que seu despreparo seja explorado por emissoras de televisão sedentas por lucro (sempre lembrando que as emissoras são concessões estatais, vinculadas portanto ao poder público, cujos ditames devem seguir) e sem um pingo de responsabilidade social é trágico.
O nome Domingo Legal nunca foi tão inadequado – em todos os sentidos.

Nada se cria, tudo se copia



1807, Friedland, de Jean-Louis Ernest Meissonier (1875).


Independência ou Morte, de Pedro Américo (1888).
 
    Apenas complementando a postagem anterior, sobre o 7 de setembro, para quem ainda acredita na versão "épica" do grito da independência, a comparação entre os quadros "1807, Friedland", pintado por  Jean-Louis Ernest Meissonier em 1875, que retrata Napoleão Bonaparte, e "Independência ou Morte", de Pedro Américo, pintado treze anos depois, em 1888. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Independência ou... dor de barriga?

     
     Neste 7 de setembro, eu me pergunto se as escolas brasileiras continuam a contar a história da independência como eu a aprendi. Espero que não.
     A versão dos fatos que meus professores contaram remete ao célebre quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte, que mostra um D. Pedro I erguendo altivo sua espada e bradando o conhecido grito da independência, montado em um garboso alazão e cercado por sua guarda de honra, a partir de então chamada de "Dragões da Independência". Uma imagem repetida no filme homônimo de 1972, com um então jovem Tarcísio Meira no papel de D. Pedro, dando o que entrou para a história como "o brado da independência" – produto do ufanismo militar e uma pérola kitsch (http://www.youtube.com/watch?v=mheime48ibA).

     Bem, hoje é fato conhecido que as coisas não ocorreram desse jeito. Sabe-se que D. Pedro não estava num cavalo portentoso, e sim numa mula, forma de transporte mais adequada (embora menos pomposa) para subir a Serra do Mar naqueles tempos. Também se sabe que D. Pedro estava com diarreia desde que a comitiva partira de Santos, o que não deve ter melhorado seu humor. O desconforto físico deve ter contribuído para a reação exasperada do então Príncipe Regente, ao receber as mensagens de José Bonifácio e D. Leopoldina. E, embora haja alguma controvérsia a respeito, é quase certo que D. Pedro não gritou "independência ou morte" quando decretou o rompimento com Portugal.
     Portanto, embora o fato não costume ser mencionado, parece que uma diarreia teve seu papel na independência do Brasil. Como nação, nascemos em meio a uma crise de dor de barriga do nosso primeiro rei.
O verdadeiro biotipo de Jesus Cristo,
segundo pesquisas recentes.

     A reescrita da história não é privilégio dos brasileiros. De Júlio César a Nicolau Ceausescu (que disfarçava a baixa estatura só permitindo que o fotografassem sobre plataformas, como, aliás, ACM Neto andou fazendo num debate recente), passando por Hitler e Stalin, a história registra inúmeros casos de tentativas de governantes e poderosos de tornar os fatos históricos mais favoráveis ao seus intersses. A ditadura militar tentou reescrever a história desde o primeiro dia do golpe de 64, que se deu em 1º de abril, dia da mentira. Os militares, para evitar qualquer tentativa de relacionar o golpe à data (homenageando-a assim involuntariamente) passaram a afirmar que a "revolução" ocorrera em 31 de março.
     Nem sempre a mentira oculta uma intenção maliciosa ou ilícita. Às vezes trata-se de pura glamourização do fato, como no caso do brado da independência. Já adulto aprendi que, ao contrário do que me diziam os livros escolares, Tiradentes não era parecido fisicamente com Jesus Cristo. Aliás, Jesus Cristo (que não nasceu em 25 de dezembro) também não era fisicamente parecido com Jesus Cristo. Há alguns anos, estudos demonstraram que, na Galileia de 2000 anos atrás, dificilmente Jesus seria loiro, de feições delicadas e olhos claros, como foi (e continua a ser) retratado tantas vezes em pinturas, filmes, esculturas etc. Nas simulações divulgadas pela imprensa, seu biotipo lembrava o de Lula (Lula com certeza concordaria; FHC, diante dessa minha comparação, provavelmente diria: "não, eu não me pareço com o Lula...").
     Outras vezes, o erro vem da desinformação pura e simples. É assustadora a quantidade de pessoas que conheço, que pensam que a Família Real morava no Museu do Ipiranga, cuja construção foi iniciada em 1884 (exatos 50 anos após a morte de D. Pedro I) e terminou em 1890, quando o Brasil já era uma república. Para constar: sempre foi um museu. Nunca foi casa de ninguém.
     Sejam quais forem as razões dessas mentiras históricas, espero, nesse 190º aniversário da nossa independência, que a história ensinada nas escolas tenha mais a ver com o que de fato aconteceu do que com o que gostaríamos que tivesse acontecido. E constato que, passados quase dois séculos, muito do que ocorre na política nacional ainda parece ser o resultado de dores de barriga dos nossos governantes.