Ao contrário do que se costuma pensar,
a diferença fundamental entre os seres humanos e os animais não está no fato de
que os homens raciocinam e os animais, não. Essa história de “animal racional”
já foi revista pela ciência há algum tempo. O reflexo condicionado de Pavlov
nada mais é do que uma forma rudimentar de raciocínio (bastante distinta do
raciocínio humano, mas ainda assim uma forma primitiva de pensamento e não mero
instinto ou intuição). Em 2002, um corvo chamado Betty surpreendeu cientistas
de Oxford ao dobrar um fio de arame reto, criando um anzol, para tirar comida
de um recipiente. Betty repetiu a experiência várias vezes, demonstrando ter entendido
a relação de causa e efeito entre sua ação – a criação da ferramenta – e o
resultado – a obtenção da comida (outro corvo envolvido no experimento, Abel,
adotou um comportamento mais parecido com o dos seres humanos: ora roubava o
gancho de Betty, ora roubava sua comida). O papagaio Alex, morto em 2007 aos 31
anos, conseguia contar até 6 (e não só repetir mecanicamente os números). Sua
treinadora, Irene Pepperberg, demonstrou em diversas ocasiões que ele sabia
inclusive distinguir cores. E não errava nunca. Há vários outros exemplos que
demonstram que a distinção entre o pensamento humano e o animal não é de
essência, e sim de grau.
A diferença
também não está no conhecimento que o ser humano tem da própria mortalidade,
como afirmam alguns filósofos. Os elefantes não apenas pressentem a própria
morte, como também se afastam da manada para morrer em paz, sem azucrinar ninguém.
Nesse quesito são bem melhores do que os seres humanos.
O que difere o
ser humano do animal é a capacidade de mudar de ideia, de rever seus conceitos,
de reconhecer um erro.
O que leva à
questão da criação deste blog.
Nunca senti
muita simpatia por blogs ou redes sociais. Salvo raras exceções, via blogs como
depósitos de bobagens emitidas por pessoas que achavam que seus cotidianos eram
interessantíssimos para os outros (desconhecidos inclusive). Embora eu reconheça
que há muita gente que se interessa por futilidades, acompanhar a vida de estranhos
sempre me pareceu algo completamente banal. Somos todos bem menos bonitos,
engraçados, inteligentes e interessantes do que acreditamos ser. Quanto às
redes sociais, pareciam-me um brinquedo de criança surrupiado por adultos
(coisa mais feia!).
No final de
2011, pela necessidade de manter um canal aberto com meus alunos, acabei
criando uma conta no Facebook. Em poucos meses pude perceber a quantidade e a
variedade de informações relevantes, e de pontos de vista e opiniões
instigantes, que são compartilhadas na rede. Não tive vergonha de admitir que
eu estava errado e mudei minha visão sobre as redes sociais. Mas ainda resistia
em relação aos blogs, com exceção de uns poucos, voltados a temas específicos e
administrados por profissionais, que acompanhava e continuo a acompanhar.
Mas ao longo
deste ano, muitas discussões e debates que surgiram em aula, e que considero
interessantíssimos, não puderam ser devidamente desenvolvidos, geralmente por
falta de tempo. Quando o debate começava a esquentar, a aula acabava... o que,
é claro, ainda acontece.
Alguns alunos
começaram a sugerir que eu criasse um blog, justamente para dar espaço a essas
discussões e permitir que elas não se encerrassem com o sinal do intervalo.
Confesso que resisti. Logo eu, que sempre desci a lenha em 99% dos blogs que
existem? E para que o mundo precisaria de mais
um blog? O que diabos eu poderia dizer de relevante, que já não tenha sido
dito e redito um milhão de vezes? Somos todos bem menos etc. etc.
Mas acabei me
convencendo. Não tanto pela insistência dos alunos, e sim por concluir que, provavelmente,
mais uma vez, eu estava errado. Eu estava sendo novamente preconceituoso.
Então
capitulei. E o resultado é este aqui.
Sim, eu
admito. Eu estava errado. Foi preconceito. Contra blogs e redes sociais. Por
sorte, não sou um papagaio, um corvo ou um elefante. Tenho a capacidade de
mudar de ideia - e mudo.
A proposta é
desenvolver algumas questões que, muitas vezes, são abordadas de forma
superficial (não só nas aulas, mas em geral. Nos jornais, nas conversas, na
política etc.). É estimular o pensamento crítico. Não se verão por aqui verdades nem respostas, apenas pontos de vista. Provocativos por vezes, mas sem
grandes polêmicas. O último grande polemista brasileiro, Paulo Francis, morreu
em 1997, e de lá para cá não surgiu mais ninguém que preste nesse terreno (à
exceção, talvez, de Olavo de Carvalho, mas mesmo ele parece ter se cansado do
modelo. E posições extremadas, à direita ou à esquerda, só servem para
divertir, quase nunca para levar a uma reflexão, e é uma diversão que enjoa
logo).
O mundo
moderno nos afoga em informações, a maioria delas nos apresentada como verdades prontas. Parece que se espera que a velocidade da vida moderna nos obrigue a
digerir tudo o que nos é empurrado sem maiores reflexões, o que acontece na maioria das vezes. Absorvemos a informação sem pensar muito a respeito e
partimos para a próxima, que engoliremos da mesma forma.
Mas é preciso
duvidar, é preciso suspeitar, é preciso questionar tudo (inclusive, e
principalmente, os artigos deste blog). É preciso se recusar a aceitar
bovinamente qualquer argumento, por mais coerente e sedutor que pareça. Somos
seres pensantes e não pen-drives biológicos.
Construímos nossas próprias ideias, não as ganhamos embrulhadas para presente.
A tarefa é nossa e de mais ninguém.
Evitemos,
pois, as polêmicas (dentro do possível) e os polemistas (a todo custo).
Fiquemos com o bom senso e o saudável hábito de pensar.
E com a
esperança de que saia algo proveitoso disso tudo.
Parabéns pela iniciativa, estou certo que será proveitoso.
ResponderExcluirComo tudo o que você faz, tenho certeza de que este será um espaço muito bem sucedido e repleto de temas ricamente explorados.
ResponderExcluirAcompanharei sempre.
Tônia
Demorô! A internet precisava de você. Está de parabéns, escreve bem demais e tem excelente idéias. Te seguirei, querido.
ResponderExcluirObrigado pelo apoio, amigos. Vamos ver como esse trem anda...
ExcluirRené , sei que seu foco no texto não é a cognição animal. Mas se me permita, gostaria de fazer uma colocação sobre um “problema” conceitual que existe, quando busca-se a comparação dos seres humanos com os demais animais, na busca em saber o que nos faz diferentes. Bom, o ponto chave é que não se pode, ou melhor, não se deve comparar um grupo monofilético (um ramo de uma arvore filogenética) com grupos polifiléticos (vários ramos distintos de uma mesma árvore). O fato é que evoluímos de formar diferentes, e cada espécie desenvolveu diferentes estratégias para sobrevivência. Por isso acredito que até o momento é impossível de saber se há, ou não, a sapiência em animais como aves.
ResponderExcluirNo caso do papagaio Alex, acho que o mais impressionante é que ele “conseguia” diferenciar materiais( como plástico e madeira). Mesmo assim, ainda fico com o pé atrás, pois acredito que tudo pode ser explicado pelo trabalho de condicionamento. Além do Alex existe outro caso muito curioso, de dois cientistas americanos (Beatrice e Allen Gardener) que ensinaram a linguagem dos sinais para uma chimpanzé. Ela não só aprendeu como ensinou aos outros animais do grupo, depois de um tempo os animais começaram a ampliar seu vocabulário criando novas “palavras”.
Como eu sei que você é um fã da leitura, gostaria de indicar que algum dia você leia um livro chamado civilização animal (Maria José Aragão). Ele está longe de ser um livro profundo do assunto, mas ele é um livro escrito para quem não é da área, com um resumo dos principais pesquisas na área. Eu particularmente não gostei muito do livro, por ser muito resumido, e consequentemente tendencioso, porque quando não se fala tudo pode levar a pessoa a tirar conclusões erradas.
Parabéns pela iniciativa. Adoro essa ideia de usar blogs, redes sociais e afins para discutir assuntos relevantes a nossa vida.
Estamos esperando por mais textos.
Obrigado, primo! Vou tentar ler o livro, sim. E se eu ficar com dúvidas adivinha quem eu vou amolar para que me explique? Abração!
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