A
Marcha das Vadias surgiu em 2011, em Toronto, no Canadá, como resposta à
afirmação cretina de um policial de que as mulheres que quisessem evitar abusos
sexuais não deveriam se vestir como vadias. O primeiro slutwalk ocorreu em 03 de abril daquele ano e, pelo que consta,
levou 3 mil pessoas às ruas, num protesto contra a ideia tacanha de que a causa
de um abuso sexual é a saia curtinha e não a mente pervertida do criminoso. O
uso da “roupa de vadia” (curta, sumária, provocante) é uma das principais
características da manifestação. No Brasil, a Marcha, que também começou em
2011 em São Paulo e vem se espalhando por várias cidades, é uma forma de
protestar não só contra a violência sexual, mas também contra a violência
doméstica e o machismo em geral.
A
Marcha mostra afinidade com o FEMEN, grupo formado por manifestantes ucranianas em Kiev, que desde 2008 vêm fazendo protestos contra o turismo
sexual, a proibição do aborto e diversas outras questões relativas ao que se
tem chamado de “neofeminismo”. As ativistas do FEMEN usam o corpo e a nudez
como ferramentas políticas, e o movimento já conta com uma vertente brasileira,
organizada pela polêmica Sara Winter (que chegou a criticar a Marcha das
Vadias, mas felizmente diz já ter mudado de opinião).
A
sexualidade feminina é uma coisa poderosa, e sempre assustou o mundo masculino,
principalmente quando usada por mulheres conscientes dessa força. Da misoginia
bíblica (Eva, Dalila) à Geni de Chico Buarque, da Rita Baiana d’o Cortiço à Lenita de A Carne e à Gabriela de Jorge Amado (a
do livro, de preferência), de Dona Beija (personagem baseada em uma figura real
do século XVII) à Suelen de Avenida
Brasil, das femmes fatales do
cinema a Jéssica Rabbitt, as gostosas sedutoras sempre foram vistas pelos
homens – e, reconheça-se, por muitas mulheres – com reprovação. A Venus Calipigia assusta porque traz
instabilidade ao mundo ordenado dos homens, traz um adversário improvável
porque muito próximo e que, pela ordem das coisas, deveria se saber (e se
manter) submisso.
E
não é só na literatura e no cinema – a arte, nesse caso, só imita a vida. O que
representou o linchamento moral (e quase físico) da estudante Geisy Arruda, feito por alunos e
apoiado pela direção da faculdade em que ela estudava, provocado pelo uso de um
vestido curto e por uma autoestima imune a críticas? Por que o fato de Preta
Gil se afirmar satisfeita com o próprio corpo e se sentir sexy incomoda tanto? Por
que a periguete assumida e feliz com sua condição é execrada (ao contrário do
machão pegador, que é admirado e invejado)?
Porque
o universo masculino não admite que a sexualidade feminina se expresse com a
mesma naturalidade que a masculina. Mulher, para ser levada a sério, tem de ser
recatada. Se é sensual, e o que é pior, se se assume sensual e, reconhecendo o
poder que vem daí, faz uso dele, a mulher é desprezada, desqualificada e seus
argumentos não são sequer ouvidos. É puta, é vagaba, é vadia. E ninguém quer
saber o que pensa uma vadia.
Mas
o FEMEN, as Marchas das Vadias e até mesmo Sara Winter (seu engajamento
político é honesto, apesar da sua leviandade e da superficialidade com que
trata a própria figura pública) estão começando a mudar essa mentalidade. Os
machões têm razão em se preocupar. Umas poucas vadias, uns peitos de fora, umas
calcinhas à mostra e pronto: os alicerces do mundo machista já começam a
apresentar algumas fissuras.
Aos
poucos, a sociedade começa a aceitar o uso político da nudez, da sensualidade e
do poder feminino como formas válidas de expressão. A mulher já conquistou o
mercado de trabalho, já é maioria nas universidades, já se livrou das correntes
que a prendiam à casa, à cozinha, à lavanderia. Precisa, agora, reconquistar o
direito de ser gostosa, de se querer e se saber gostosa, de fazer com a sua
sensualidade o que bem quiser e entender. É só uma questão de tempo.
Chega
de tacar pedra na Geni. Todo poder às vadias!
Realmente é notória a falta de respeito que vivemos, sobretudo camuflada de modernismo, tornamo-nos membros de uma sociedade que se diz aberta, mas é muito conservadora e julgadora que vive de princípios supérfluos e sobretudo de projeções freudianas, essa liberdade realmente incomoda, pois é fácil ver na novela, no filme ou mesmo na nossa literatura (Adorei a citação da Rita Baiana), mas abrir a porta de casa e constatar isso realmente incomoda a muitos, mas dias melhores virão.
ResponderExcluirGrande mestre Glauber, é isso. Dias melhores virão ("eu juro", já dizia Rita Lee), mas não chegam sozinhos. Uma ajudinha nossa sempre cai bem.
ExcluirQuerido René, infeliz MENTE, na prática a teoria é outra. Lamento te dizer, mas a mulher é muito mais machista que o homem. Acredite em mim. Eu sei o quê estou dizendo. Mas gosto da idéia. Um dia tudo muda, não é??
ResponderExcluirEster, não tenho a menor dúvida de que há mulheres muito machistas e homens muito machistas também. A sociedade já avançou, mas ainda precisa avançar (muito) mais. Mas pense em como a sociedade era mais machista há 50 anos. Um dia tudo muda. Mas somos nós que termos de fazer esse dia chegar.
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