segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O que eles querem?




       Pra começo de conversa, quem são eles?
     Eles são os negros, os pobres, os homossexuais, as mulheres (sim, elas também são eles), os excluídos de tudo, os perdidos no torpor da droga e do álcool, aqueles a quem a sociedade - ou uma parcela da sociedade (bem menor do que se pretende) - chama, paradoxalmente, de "minorias" (embora, em sua totalidade, sejam a indiscutível maioria). Eles, para quem a regra não vale como vale para os demais.
     E o que eles querem?
     Não muito, na verdade quase nada. 
     Eles, os negros, querem ser vistos, julgados e tratados de acordo com seus atos, seus méritos e suas escolhas, e não de acordo com o tom da sua pele. Eles querem que a polícia os pare se cometerem crimes, e não porque "a ordem é parar principalmente negros e pardos". Eles querem um futuro em que haja o mesmo número de negros e brancos nos restaurantes, nas empresas, nas universidades, nos clubes.
     Eles, os pobres, querem que os governantes cumpram o que está na Constituição e nas leis. Querem que lhes sejam dadas oportunidades para que seus filhos estudem, para que possam morar decentemente, para que tenham um emprego e um salário que lhes permita viver com um mínimo de dignidade. Querem um hospital que preste. Querem ter acesso, e o direito ao acesso, a um mundo que lhes parece fechado por dentro.
     Eles, os homossexuais, querem que o fato de amarem pessoas do mesmo sexo não influa na sua vida profissional, não seja motivo para que eles sejam espancados nas ruas, não lhes impeça de ter os direitos que as outras pessoas têm, de casar, de ter filhos, de formar suas famílias nas formas que bem quiserem. Eles querem que seu amor não seja considerado uma doença, algo ruim ou "coisa do diabo". Eles querem acreditar em seus deuses do seu jeito, como os demais fazem.
    Eles, que são elas - as mulheres - querem que seus namorados, maridos e companheiros não as espanquem e que sejam punidos se o fizerem. Elas querem usar a roupa com que se sentirem melhor, sem que os demais as julguem por isso. Elas querem que seu trabalho seja tão valorizado quanto o de seus colegas homens, e que os salários sejam os mesmos se fizerem o mesmo trabalho. Elas querem ser livres para fazer suas próprias escolhas, sem pedir ou justificar nada a ninguém.
    Eles, os excluídos de tudo, querem ser tratados como seres humanos. Se conseguirem sobreviver em meio à miséria, querem que o governo lhes dê a assistência mínima a que têm direito. Se errarem, se cometerem crimes, querem ser julgados de acordo com as leis existentes, e não segundo regras não escritas inventadas por policiais, delegados, promotores e juízes, regras que distinguem as pessoas de acordo com o que elas têm e de onde elas vêm. Se presos e condenados, eles querem cumprir suas penas em celas feitas para seres humanos, não em canis ou masmorras medievais. Eles querem, em suma, que o poder público reconheça que, sob todo o manto de miséria que os encobre, ainda existem seres humanos.
     Eles, os perdidos no torpor da droga e do álcool, também querem que seus governantes enxerguem as pessoas escondidas no interior daqueles corpos cambaleantes. Eles querem ser tratados como gente, não como lixo a ser varrido para longe dos olhos dos demais, jogados num canto distante e abandonados à própria sorte. Quando ainda são capazes de querer, querem achar uma paz que veem nos outros, mas que não encontram em si mesmos. Quando chegam ao ponto de não conseguir querer mais nada, querem que quem queira por eles queira, no mínimo, preservar sua humanidade.
     O que todos eles querem? Um pouco de justiça, um pouco de igualdade. Nem precisa ser muito. Num mundo em que os 2% mais ricos concentram mais de 50% de toda a riqueza do planeta, eles não querem nem mesmo mudar o sistema. Eles só querem ter uma chance, mínima que seja, dentro desse sistema injusto.
     O que eles querem é que essa odiosa divisão do mundo entre "eles" e "nós" desapareça.
     Numa manhã de 1963, Samuel Weiner e Paulo Francis estavam parados num cruzamento, dentro de um carro, quando viram um grupo de jovens pobres jogando futebol com uma bola de meia. Wainer comentou: "Eles querem tão pouco e lhes negamos".
     Não existem "eles" de um lado e "nós" de outro. Mas a sociedade optou por criar essa linha imaginária, que tanto mal tem feito a todos.
     Passado meio século, eles continuam querendo tão pouco, e continuamos e lhes negar. Daqui a cinquenta anos continuará tudo igual?

     

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