quarta-feira, 6 de março de 2013

Ditadura da intolerância e direitos humanos

 
 
Marco Feliciano: um pastor homofóbico e racista
presidindo a Comissão de Direitos Humanos
e Minorias da Câmara dos Deputados
 
 
      Não há nada mais traiçoeiro do que o inconsciente. Podemos tentar esconder nossos preconceitos, podemos tentar mostrar ao mundo uma versão de nós mesmos que nos pareça mais simpática, mas o inconsciente, esse danadinho, sempre dá um jeito de expor nossas mazelas e nossa miséria. Freud chamava isso de ato falho ou, numa expressão deliciosamente precisa, lapsus linguae.
     O caderno "tendências x debates" da edição de hoje da Folha de São Paulo traz um artigo escrito pelo deputado federal Marco Feliciano, do PSC-SP, intitulado Ditadura gay e direitos humanos. Ele nem precisaria ter escrito mais nada. O título de seu artigo já diz tudo o que se precisa saber a respeito do parlamentar.
     Marco Feliciano, que é pastor evangélico, foi indicado por seu partido para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O descalabro gerou mais do que justificados protestos, não só por parte da comunidade GLBTT, como de muita gente que, sem integrar essa comunidade, espera não apenas o mínimo de bom senso e coerência dos parlamentares, mas também que uma comissão dessa natureza seja presidida por alguém que respeite tais direitos.
     O pastor-parlamentar inicia seu artigo sugerindo que a indicação do deputado Gabriel Chalita para o Ministério da Ciência e Tecnologia foi vetada "pelo simples fato de ele ser católico e praticante", fingindo ignorar o escândalo de corrupção denunciado pelo assessor de Chalita, este sim o verdadeiro motivo do veto. "Perseguição religiosa?", indaga, já insinuando ser vítima da mesma perseguição. Não, pastor, foi corrupção mesmo.
     Segundo o deputado, "a indicação do meu nome gerou um furação de manifestações dissimuladas pela internet por parte de militantes da comunidade GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais). Algumas me acusaram de ser racista e homofóbico."
     "Dissimular", o deputado deve saber, não é sinônimo de "divulgar". Ao contrário, significa "ocultar", "disfarçar", "fingir", "afetar com artifício", segundo o dicionário Michaelis. O que o parlamentar afirma, portanto, é que todas as manifestações contrárias à sua nomeação partiram de militantes da comunidade GLBTT, mesmo que aparentemente venham de outros setores da sociedade.
     Bem, até onde sei, não sou gay, lésbica, bissexual, travesti nem transexual. Isso não me impede de questionar a legitimidade do parlamentar para presidir uma comissão que existe para promover e garantir justamente alguns direitos que o deputado ataca. A incapacidade de Marco Feliciano de perceber que não é necessário integrar a comunidade GLBTT para discordar de sua nomeação é, a meu ver, prova clara de sua incapacidade de exercer a presidência da CDHM.
     Ainda nas palavras do deputado, "tudo teve início quando postei na internet que os africanos são descendentes de um 'ancestral amaldiçoado por Noé'. Referia-me a uma citação bíblica, segundo a qual o filho de Noé, após ser amaldiçoado pelo pai, foi mandado para a África. A maldição foi quebrada com o advento de Jesus, que derramou seu sangue para nos salvar. Não usei a palavra negro, pois me referia a um povo definido por uma região e não pela cor de sua pele."
     Portanto, na cabeça do deputado, não há problema em ser racista, desde que o fundamento seja a Bíblia. A mesma Bíblia que atribui à mulher a origem de todos os males, que mostra um Deus bipolar (o Javé rancoroso do Velho Testamento se converte num Deus amoroso no Novo Testamento) que pede a seus fiéis que matem seus filhos só para provar que O amam, enfim, a mesma Bíblia que tem sido usada para os mais escusos fins desde que o cristianismo se tornou uma força não só espiritual como também política. Então, não é o deputado que é racista, só o que ele fez foi citar a Bíblia. Sei. Aliás, não se trata de racismo, porque a menção foi geográfica e a palavra "negro" não foi usada. Claro, na época de Noé, o continente africano estava tomado por japoneses, holandeses, índios e albinos. Por favor!
    Afirmando que "sobre homossexuais, minha posição é mais tolerante do que se pode imaginar", o pastor-parlamentar ressuscita o velho bordão de amar o pecador e odiar o pecado. Talvez, como Silas Malafaia, ele ache que "amar os homossexuais como amo os assassinos" é expressão da máxima tolerância. Lamento informar, caro pastor: não é. "Esta é a minha fé - só prego o amor e o perdão". Caro pastor, os homossexuais não precisam ser perdoados por nada, e - não se espante - eles não estão pedindo e nem precisam do seu perdão.
     E, embora se considere muito tolerante, o pastor alega que "esses militantes GLBTT rotulam como homofóbica qualquer pessoa que discordar de suas posições. Acusam de incitação à violência, o que qualquer pessoa isenta sabe que não é verdade. Mas, jogada ao vento, essa mentira causa estragos à imagem do acusado perante a opinião pública. Vivemos uma ditadura gay", concluindo que "a fúria deles é por saber que questiono suas pretensões. Defendo a Constituição e ela precisaria ser alterada para aprovar suas lutas."
     Considero-me uma pessoa isenta, e não creio que discordar das reinvidicações da comunidade GLBTT seja sinônimo de homofobia. Por outro lado, sei que é absolutamente verdadeira a incitação à violência - não só à violência física, mas também, e talvez principalmente, a psicológica - por parte dos que proclamam que a homossexualidade é uma doença, um mal a ser erradicado. O pastor-parlamentar não defende a Constituição - que deve ser interpretada, como um todo, sempre com base no princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) - e sim trechos isolados que lhe permitem construir um raciocínio não condizente com o espírito da Constituição. Afirmar-se tolerante e sustentar a existência de uma "ditadura gay", num país em que há tanta violência contra os homossexuais, é uma incongruência gigantesca que o parlamentar tenta, sem sucesso, esconder.
     É inegável que Marco Feliciano se coloca em clara posição de antagonismo em relação à comunidade GLBTT. Ele conclui seu artigo afirmando que "essa comissão é muito mais importante do que discussões rasas", deixando clara sua intenção de não contribuir (e se possível, atrapalhar) para qualquer avanço no reconhecimento de direitos da comunidade GLBTT.
     Ocorre que as pessoas têm o direito de viver sua sexualidade da forma como acharem melhor. E é dever do Estado garantir que isso ocorra, inclusive por meio da criminalização de condutas que agridam alguém pelo só fato de ser homossexual. A Constituição, que Marco Feliciano afirma defender, elenca como objetivo da república brasileira "construir uma sociedade livre, justa e solidária". Um Estado que não reconheça a cada um o direito de amar os outros como quiser (ou puder) não contribuirá para que essa sociedade livre, justa e solidária seja construída.
     Marco Feliciano ainda viola a Constituição ao trazer valores religiosos para, na qualidade de membro do Poder Legislativo de um Estado laico, balizar suas decisões políticas e negar direitos à comunidade GLBTT. Que ele faça isso na qualidade de deputado já é algo gravíssimo. Atribuir-lhe a presidência da CDHM é uma aberração política.
     Como é possível que o pastor-parlamentar presida uma comissão criada para defender direitos que ele mesmo não reconhece?
 

4 comentários:

  1. Falando em ato falho. Que tal este aqui:

    http://youtu.be/N8_-ffnd3mM?t=38s

    Abraços!

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    1. Em 38 segundos de vídeo, ele deixa claro, sem querer - querendo, que nunca teve origem... de quê?

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  2. Feliciano é um conservador. Tenta tomar um espaço da Direita (oq Bolsonaro abraçou rindo) mas, além de atacar a liberdade da minoria social (o indivíduo em si), defende conceitos religiosos acima das vontades, racismo, homofobia, ISENÇÃO FISCAL cruzada. Enfim.. faz parte dos defensores dos piores privilégios em Brasil: os dados aos grupos religiosos. É um autoritário fanático. N deve ser tolerado.

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