sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Pode deixar, Zucky, eu mesmo faço!


"Olá, René! Podemos ser amigos?"

             Mark Zuckerberg, acabo de descobrir, quer muito ser meu amigo.
       Primeiro, por meio do feicebúqui, ele resolveu me contar quais foram os meus momentos mais importantes de 2012. Achei curioso. Afinal, nem o conheço, mas ele parece saber mais sobre mim do que eu mesmo. De qualquer modo, acabei não clicando no link por meio do qual eu ficaria sabendo o que foi mais importante para mim neste ano que se encerra. Talvez eu devesse ter deixado que Zuckerberg me mostrasse um pouquinho de mim mesmo - no mínimo, economizaria algumas seções de terapia.
       Eu já havia quase me esquecido dessa estranha tentativa de aproximação quando um dia, ao abrir o feicebúqui, deparo-me com a seguinte frase: "o que está acontecendo, René?"
       Ora, quer dizer então que Zucky - já que ele quer tanto cavar essa intimidade, permito-me dar-lhe um apelido carinhoso, coisa de "brothers" - não apenas conhece meu 2012 melhor do que eu, como também demonstra um interesse afetuoso pelo que está acontecendo comigo e, mais do que isso, ainda me chama pelo primeiro nome (lance manjado de marketing, Zucky, confesso que não fez com que eu me sentisse mais importante, sorry)!
       Então, velho amigo Zucky, acontecer, acontecer, não está acontecendo nada de muito emocionante ou interessante no exato momento. Lamento decepcioná-lo.
       Mas, inspirado por sua preocupação tanto pelo que aconteceu comigo em 2012 como pelo que está acontecendo (isso é que é amigo!), resolvi te contar, caro Zucky, o que me pareceu relevante no ano que finda. Poderemos então comparar nossas notas sobre o assunto e ver se batem, olha que divertido!
       Não vou tratar diretamente da minha vida, é claro - este blog é um espaço de ideias, e minha vida é besta como a de qualquer mortal. Não conheci a Angelina Jolie, não salvei crianças de nenhum incêndio, não descobri a cura do câncer. Então só vou tratar de fatos pessoais na medida em que influenciaram minhas ideias e meu modo de ver o mundo. E nesse aspecto, caro Zucky, 2012 foi um ano agitado!
       Para mim, 2012 começou na verdade em dezembro de 2011, quando eu entrei no feicebúqui (podemos ser "brothers", Zucky, mas, embora eu use bastante sua empresa, ainda não fiquei íntimo dela a ponto de chamá-la de "face"). Foi por conta das aulas e dos alunos - afinal, eu precisava de um meio mais ágil para me comunicar com eles do que o velho e-mail. Depois de perder a conta de quantas vezes eu ouvi "você tem 'fêice', professor?", resolvi superar meu antigo preconceito com redes sociais e conhecer melhor sua empresa.
       Grata surpresa, Zucky! Ao contrário do que eu imaginava, o feicebúqui não servia só para as pessoas informarem ao mundo que estavam prestes a escovar os dentes ou reencontrar aquela turma da 4ª série. Tinha e tem muito disso, é claro - além de incontáveis convites para participar de jogos, coisa que nunca entendi nem aceitei (o que não impede que os convites continuem a chegar). Mas conheci muita gente que usa o feicebúqui para divulgar informação de qualidade, propiciar debates sérios e espalhar conhecimento relevante. Surpreendentemente, o feicebúqui ainda propiciou o reencontro com amigos muito queridos cujo contato se perdera há anos, e o encontro de novos amigos, pessoas que até hoje não conheço pessoalmente, mas por quem desenvolvi verdadeiro afeto (sorry, Zucky, por ora você não é um deles...) e com quem tive debates riquíssimos. Cito quatro dentre muitos: Cecília Olliveira, Maria Luiza Quaresma Tonelli, Marcelo Semer e Suzana Pimenta Catta Preta. A vocês (e aos muitos cujo nome não mencionei), meu muito obrigado pela riqueza da troca de ideias, que, espero, continuará em 2013 e nos anos vindouros (se Deus quiser, não só virtualmente, porque no quesito "relacionamentos humanos" sou old school, prefiro o contato pessoal e direto).
       Bem, superado o preconceito com as redes sociais, resolvi tentar vencer meu preconceito com blogs - que, para mim, assim como orkuts e feicebúquis, só serviam para que as pessoas mostrassem ao mundo como seus cotidianos lhes pareciam interessantes (com a exceção de uns poucos blogs "sérios"). Também nesse terreno descobri todo um mundo de informações, pessoas e ideias muito interessantes - mais uma vez a riqueza do pensamento me alcançou por meios virtuais e inusitados. E, suprema ousadia, em agosto iniciei eu mesmo um blog, por insistência de alguns alunos com quem tive debates instigantes que eram interrompidos pelo fim das aulas. Segundo meus cálculos, talvez em um ano eu atingisse a marca de mil acessos. Hoje o blog completa quatro meses de existência, e beira os 14 mil acessos - e resultou, agora no final do ano, numa parceria com o jornal jurídico Carta Forense, praticamente um presente de natal para o jornalista frustrado que existe dentro de mim. Quem diria, Zucky?
       Fora da internet, meu 2012 começou com desafios inesperados: recebi convites para lecionar em cursos que não eram da área jurídica - Direito para turmas de Ciências Contábeis, Cidadania e Questões Contemporâneas para turmas de Comunicação Social.
       Mundos diferentes do meu, Zucky - conheci gente interessante, gente diferente, gente exótica, gente esquisita, gente divertida, gente doida (algumas pessoas normais também). Fiz grandes amizades, interessantíssimas. Vivi momentos insólitos, passei por situações absurdas e divertidas. Aprendi muito com tudo e com todos.
       O mundo ao meu redor também pareceu mudar em 2012. O partido que sempre considerei de centro-esquerda consolidou sua triste caminhada para a direita, iniciada há uns dois anos. A pobreza diminuiu um pouco no Brasil, mas o conservadorismo aumentou assustadoramente. Vi o prefeito da minha cidade aderir a uma mentalidade semifascista e nossa Suprema Corte decidir que, para prender bandidos, vale tudo, inclusive ignorar a lei e a própria Constituição (para quem estuda a Constituição há alguns anos, não foi fácil). Revi muitos conceitos sobre política, ética e justiça. Perdi muitas certezas, ganhei muitas dúvidas. Fiquei um pouco mais velho, e nem um pouco mais sábio. Contrariando a lógica do tempo, tornei-me um pouco mais radical, não mais moderado. A culpa não foi minha, a realidade à minha volta não me deu outra opção.
       Haveria muito mais a mencionar, mas o essencial é isso. No campo pessoal, 2012 também foi agitado, mas não a ponto de despertar o interesse de ninguém além de mim mesmo. Sintetizo tudo afirmando que, em todas as áreas da vida, 2012 foi um ano fantástico e rico, pelo qual sou muito grato. E que 2013 se desdobre para tentar superá-lo. Fico na torcida!
       É como eu vejo meu 2012, caro Zucky. Bateu com o que você pretendia me mostrar?

      E para quem leu, comentou, criticou, elogiou, enfim, gastou um pouquinho do seu tempo com minhas palavras, meu encarecido e sincero OBRIGADO! E um feliz 2013 para todos  e cada um de nós!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Mensalão: primeiras impressões



"Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês..."

     Desde que o julgamento do Mensalão começou, alguns alunos e alguns amigos têm pedido a minha opinião. Para todos eu respondi a mesma coisa: como não consegui acompanhar o julgamento e os debates dos Ministros, prefiro não opinar.
       O julgamento terminou, quase todo mundo foi condenado e o acórdão com a decisão sairá em 2013. Pelos meus cálculos, vai ter mais de mil páginas. Pretendo dedicar umas longas horas de estudo à decisão e, no futuro, escrever alguma coisa a respeito. Mas por ora, sem informações mais concretas, acho temerário palpitar (e não seria mais do que isso, mero palpite) sobre o mérito do julgamento.
        O que, aliás, é um hábito que todos deveríamos cultivar. Sempre que algum processo cai nas graças (ou nas desgraças) da mídia, e começa a ser debatido nos bares, nas faculdades, nas rodas de amigos e na internet, todo mundo imediatamente forma uma opinião. Ninguém lê o processo (que, muitas vezes, corre em segredo de justiça), ninguém sabe quais provas foram produzidas, mas mesmo assim todo mundo sabe o que é o certo e o justo para aquele caso. Liberamos o nosso Caetano Veloso interior. De uma hora para outra, todos despertamos o técnico de futebol e o motorista de táxi que temos adormecidos dentro de nós. E nossas opiniões, recobertas com o manto da sabedoria absoluta e intocável, traduzem a verdade universal e a justiça perfeita - embora haja tantas verdades universais e justiças perfeitas quanto técnicos de futebol e taxistas.
        Então, ao menos por ora, parece mais prudente não ceder à tentação de palpitar - seja para aplaudir a condenação dos bandidões malvados, seja para lamentar a injustiça do julgamento contra as pobres vítimas de uma perseguição política. Eu simplesmente não tenho elementos sólidos para fazer uma coisa ou outra. Então, sobre o mérito do julgamento do Mensalão, por ora me calo. Perguntem-me daqui a um ano.
      Apesar disso, alguns aspectos relevantes do julgamento foram bem documentados pela imprensa, e suscitam algumas ponderações interessantes. Refiro-me ao comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, ao longo do julgamento.
       Sem abordar a questão do justo/injusto ou do certo/errado do julgamento, fiquei espantado com a postura dos ministros Joaquim Barbosa, Lewandowski, Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Celso de Mello. 
        Joaquim Barbosa, picado pela mosca azul da vaidade (ah, Machado de Assis, não fosse você tão bom em prosa e tão ruim em verso, mais conhecida seria sua metáfora!), entusiasmado com o papel de "herói do povo" que boa parte da imprensa lhe atribuiu, em muitos momentos deixou de lado a função de juiz e agiu como verdadeiro membro do Ministério Público, órgão de acusação. Lewandowski e Toffoli, talvez incomodados com a postura de Barbosa, e historicamente ligados ao PT e a vários dos acusados, cometeram o mesmo erro, em sentido contrário - deixaram de agir como juízes e passaram a se comportar como verdadeiros advogados de defesa. Toffoli chegou ao cúmulo de afirmar, após a condenação, que achava que a pena de prisão era inadequada para o caso: "Aquele que comete um desvio com intuito financeiro, e tudo o que foi colocado aqui era o intuito financeiro, não era violência, não era atentar contra a democracia, não era atentar contra o estado democrático de direito porque o estado de direito era muito maior do que isso. Era o vil metal, então que se pague com o vil metal", afirmou. Ele diria o mesmo em relação a todos os outros crimes que não envolvem violência e que são cometidos diariamente no país?
           Gilmar Mendes, conhecido por seu garantismo e por não temer embates com os demais ministros (principalmente com Joaquim Barbosa), calou-se, acabrunhou-se, desapareceu no julgamento - ao contrário da sua postura habitual. Luiz Fux, num arroubo de "sincericídio", também picado pela mosca azul (ah, Machado!), deu uma infeliz entrevista à Folha de São Paulo em 02.12.2012, falando mais do que devia e se expondo ao ridículo (regra básica da malandragem, ministro Fux: malandro que é malandro dá uma de trouxa, não conta vantagem da própria malandragem). Celso de Mello, há anos o ministro mais brilhante e ponderado do STF, mostrou um viés autoritário incompreensível na última semana, ao ameaçar o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, de processo criminal, caso este não cumpra a decisão tomada pelo Supremo em relação à cassação dos mandatos dos deputados condenados, decisão esta claramente inconstitucional (publiquei ontem no site do jornal Carta Forense um artigo em que analiso as implicações jurídicas dessa decisão - o artigo pode ser lido aqui).
          Finalmente, a postura do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, foi de uma desonestidade processual inacreditável. Ele sabia que, se pedisse a decretação da prisão dos condenados ao Plenário do Supremo, antes do trânsito em julgado da decisão, o pedido seria negado. Retirou formalmente o pedido, esperou que o Supremo entrasse em recesso e, no primeiro dia do recesso, refez o pedido de prisão, para que Joaquim Barbosa - sabidamente severo com os "mensaleiros" - o analisasse individualmente. Malandragem pura e simples, chicana jurídica da pior qualidade, incompatível com o cargo de um procurador da República. Felizmente não deu certo.
          De tudo isso, resta uma conclusão: do ponto de vista puramente comportamental, os ministros do STF e o Procurador-Geral resolveram assumir os papéis que a imprensa mais rasteira e a parcela mais desinformada da população lhes atribuíram. Se o Brasil via o Mensalão como uma novela, como um filme americano, era preciso que houvesse bandidos e mocinhos. Era necessário que se criasse um cenário maniqueísta (e todo maniqueísmo é de uma pobreza atroz) que tornasse simples (e assim compreensível) uma situação tão complexa.
         É natural que a maior parte da população, pouco instruída e pouco afeita a abstrações e ponderações, encare assim o julgamento do Mensalão. Também é natural que boa parte da imprensa se aproveite disso. O que não é admissível é que os órgãos públicos responsáveis por esse julgamento vistam as fantasias baratas que lhes são sugeridas.
          O mundo real é bem mais complexo do que uma novela ou um filme americano. Seria bom que ministros e procuradores mostrassem isso ao Brasil - ao invés de incorporar fantasias infantis, que não cabem na realidade, e fomentar a ignorância.


      

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O fim do mundo de novo



Calendário Maia: "Cadê o retorno?"


            No próximo dia 21 de dezembro, o mundo acabará de novo.
            Em razão de uma interpretação qualquer de um dos calendários maias, alguns “estudiosos” conseguiram calcular o fim do mundo com precisão. Ele ocorrerá impreterivelmente na sexta-feira. Não podia pelo menos esperar o feriado?
            Para quem acredita no calendário maia, os sinais – aqueles que sempre prenunciam o final dos tempos – são inequívocos: Silvio Santos faliu um banco; a cantora Sandy deu a entender que aprecia práticas sexuais que, digamos, não combinam com sua imagem pública; o Brasil se tornou credor do FMI. O coronel Telhada, ex-comandante da Rota, orgulhosamente responsável por 36 mortes, será indicado pelo PSDB para integrar a Comissão de Direitos Humanos. Sim, o fim está próximo.
            Não é a primeira vez que o mundo acaba. Pelo visto, ele acaba de vez em quando. Ou deveria, segundo as profecias.
            Na virada do ano 999 para o ano 1000, boa parte da Europa acreditava que o Juízo Final aconteceria. Houve penitências, autoflagelações e caridades de última hora – e nada aconteceu. Quem doou seus bens (muitas vezes para a Igreja) não pôde pedir devolução.
            Em 1910, muita gente achava que a passagem do cometa Halley pela Terra extinguiria a vida no planeta. Não aconteceu nada. Quando o Halley passou por aqui novamente, em 1986, já tinha perdido a moral, não assustou ninguém.
            Numa das muitas interpretações das profecias de Nostradamus – cuja linguagem é tão genérica e simbólica que se poderia encaixar até a vitória do Corinthians em Tóquio em alguma delas – o mundo acabaria em 1987, em razão de uma guerra nuclear. Lembro-me bem disso, eu era criança e passei o ano com a respiração presa (o mundo acabaria como no terrível filme The Day After, e eu morreria carbonizado e virgem) – só respirei aliviado em 1º de janeiro de 1988.
            Na passagem de 1999 para 2000, o “bug do milênio” destruiria toda a rede mundial de computadores, haveria um colapso global. Algum bocó conseguiu divulgar o boato de que na Bíblia constava a frase “A mil chegarás, de dois mil não passarás” (não estudo a Bíblia, mas alguns estudiosos que conheço me disseram que a frase não está lá). Não aconteceu nada.
            Essa história de fim do mundo seria divertida se tanta gente não acreditasse nela de verdade. Em maio deste ano, a BBC publicou um estudo realizado pela Ipsos Global Public Affairs (instituto de pesquisa sediado em Nova York) em mais de 20 países, que mostrou que quase 15% da população mundial acreditam que o fim do mundo acontecerá durante suas vidas, e que 10% acreditam que o fim do mundo acontecerá em 2012. Pelo visto, para essas pessoas, não importa o fato de que todas – TODAS – as previsões anteriores falharam. É incompreensível. Talvez em seus íntimos não faça sentido que o mundo continue após suas mortes.
            Será interessante ouvir as explicações dos profetas do apocalipse no dia 22 de dezembro. Serão, é claro, as mesmas dadas pelos profetas que diziam que o mundo acabaria nas ocasiões anteriores. As explicações – sempre as mesmas – foram sintetizadas brilhantemente pelo astrônomo Carl Sagan, no artigo Um sermão de domingo:

“Uma religião proeminente nos Estados Unidos previu com toda a certeza que o mundo acabaria em 1914. Ora, 1914 veio e se foi, e – embora os eventos daquele ano por certo tivessem alguma importância – o mundo, tanto quanto posso perceber, parece não ter chegado ao fim. Há pelo menos três respostas que uma religião organizada pode apresentar diante da falha numa profecia tão fundamental. A primeira seria alegar: ‘Oh, dissemos ‘1914’? Desculpem, queríamos dizer ‘2014’. Houve um pequeno erro de cálculo. Esperamos que isso não lhes tenha causado incômodos’. Mas não o fizeram. Poderiam ter dito: ‘Bem, o mundo deveria ter acabado, mas nós rezamos muito e pedimos a Deus, de modo que Ele poupou a Terra’. Mas não o fizeram. Em lugar disso, saíram-se com algo muito mais engenhoso. Anunciaram que o mundo havia de fato acabado em 1914, e se o resto de nós não notou é porque não quis ver.”

            É surpreendente que, mesmo diante de um histórico quase interminável de profecias furadas, uma em cada dez pessoas acredite que o mundo terminará em 2012. A base científica para essa crença é, evidentemente, nenhuma. Não há um único cientista sério, ou mesmo algum especialista na cultura maia, que defenda esse despropósito. A “ciência” que justifica essa patacoada é apenas a internet, esse poço de “verdades” compradas, vendidas e espalhadas sem o menor critério ou senso crítico. A única diferença entre este fim do mundo e os anteriores é que o atual gerou um filme horroroso estrelado pelo John Cusack. Aguardemos para ver o que dirão os arautos do fim do mundo da vez no próximo dia 22.
            Enquanto isso, se você for um dos que acreditam que o mundo acabará na sexta-feira, minha sugestão é: não perca tempo! Compre uma Ferrari a prestações (você só pagará a entrada), confesse à esposa que está apaixonado pela vizinha personal trainer de 23 anos, torre suas economias, vá a Paris (passagem na primeira classe, é claro), beba aquele vinho de dez mil reais que você jamais se atreveria a comprar, enfim, viva como se não houvesse amanhã – porque não vai haver mesmo.
            Mas lembre-se que os maias não existem mais – se você acordar no dia 22 endividado e falido, com a esposa pedindo divórcio e pensão e o namorado da vizinha (lutador de MMA) querendo ter uma “conversinha” com você, não haverá a quem reclamar.
           


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Quatro odes ao alfabeto





I

            Andava balbuciando, cabisbaixo, divagando entre frases grotescas, horríveis impropérios, já lamentava, mas não ouvia palavras que resolvessem seus temores. Ultimamente, vertia xingamentos, zonzo.

II

        Animado, bradarei considerações, demolirei estúpidas falácias, gritarei homilias impressionantes! Jamais louvarei mentiras! Nunca orarei para quem respeita sandices, traficando umas verdades xiitas, zarolhas!

III
             
        Atenção, bobo comediante, descarta esses fracos gracejos, humilhas injustamente judeus, lésbicas, minorias, negros. Outro processo? Queres reduzir seus tesouros? Um vaticínio: xingando, zerarás.  

IV

            Alto, bravo cavaleiro! Destrói esses falsos grilhões! Horas intermináveis jorram, loucamente misturadas numa ordem pretensamente qualificada, revelando sua transcendência unívoca, vil xamã, zênite.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Datena em três atos


Datena negocia com um sequestrador. Erro
crasso do apresentador e da Polícia Militar.


Primeiro Ato:

“... E espero que a imprensa não atrapalhe mais esse caso. A imprensa, não. Alguns, alguns repórteres e apresentadores que se meteram a negociadores da polícia e não são negociadores coisa alguma. São apresentadores, são repórteres, não têm o direito de se intrometer numa negociação policial. Não têm mesmo! Não têm esse direito! Doa a quem doer. (...) E sempre critico quem faz besteira, como a que você fez hoje de novo. Porque isso aí já podia ter terminado, o próprio policial disse isso. Já estava combinado que ele ia se entregar, mas depois de uma entrevista, não quis se entregar mais. De repente está falando em todo lugar, não se entrega mesmo. Então isso é uma insanidade, uma insanidade! Para qualquer pessoa que você perguntar se é uma insanidade uma pessoa que não é capacitada para conversar com um sujeito que está sequestrando duas pessoas, sob fortíssimo stress, com duas armas e um saco cheio de balas... qualquer pessoa que tenha competência para isso vai dizer que é uma coisa errada!”

            José Luiz Datena, apresentador do programa Brasil Urgente, em outubro de 2008, quando ainda estava em andamento o sequestro da menina Eloá Cristina Pimentel, que terminou de forma trágica, com a morte da menina, em parte por conta da incompetência da polícia em lidar com a situação, em parte por conta da cobertura irresponsável e sensacionalista da imprensa, especialmente da apresentadora Sônia Abrão, que transformou o sequestrador, Lindemberg Fernandes Alves, numa estrela midiática (veja o vídeo aqui).

Segundo Ato:

            “...Eu exijo, eu EXIJO uma resposta da Polícia Militar, sob pena de eu não defender mais ninguém aqui! Eu exijo AGORA uma resposta da Polícia Militar! Do comando da Polícia Militar ou de alguém. (...) DEIXA EU FAZER AQUI MEU DISCURSO! (...) Eu EXIJO uma resposta, mas NESSE EXATO MOMENTO, da Polícia Militar! (...) Não é possível! Porque senão eu vou parar de defender todo mundo, e vocês é que se danem! (...) Onde está o comando da Polícia Militar? Tá de folga no feriado? (...) Vem cá, o GOVERNADOR tá de férias também? Tá de folga o governador, que é a principal autoridade do Estado? O Secretário também tá de folga? Nosso cinegrafista foi agredido pelas costas! Quer dizer que é isso o que a gente ganha por defender uma corporação que é gloriosa? Levar uma cacetada pelas costas? É isso o que a gente ganha? É ver uma mulher sendo algemada covardemente? É isso o que a gente ganha? E não tem... ATÉ AGORA ALGUMA AUTORIDADE LIGOU AQUI PRA FALAR? ALGUMA AUTORIDADE LIGOU AQUI PRA FALAR? Isso é uma covardia desgraçada! E se continuar desse jeito, eu não defendo mais porcaria de ninguém! Não defendo mais ninguém!”

            José Luiz Datena, em 20.11.2012, apresentando o Brasil Urgente, revoltado porque o cinegrafista do seu programa foi agredido pelas costas por um policial militar enquanto filmava uma operação da Polícia Militar (quem ainda tiver paciência pode ver o vídeo aqui).

Terceiro Ato:

            “Ouça sua mãe, que é Deus que está falando através dela. Vamos saindo, Joel. (...) Você já ta saindo, Joel? (...) É minha responsabilidade, pode sair. Pode confiar no amigo. Vamos, Joel! Já tá saindo? Isso, Joel, vamos saindo, Joel. Vamos saindo que você vai me fazer o cara mais feliz do mundo e você vai ficar mais tranquilo. Quero ver você sair na porta, Joel.”

            José Luiz Datena, em 28.11.2012, negociando a rendição de um homem que mantinha a mãe a esposa reféns numa casa em Diadema, em transmissão ao vivo do programa Brasil Urgente. A negociação, feita, segundo o apresentador, a pedido da polícia, durou mais de vinte minutos. O sequestrador se entregou à polícia (se ainda sobrou estômago depois dos vídeos anteriores, pode-se visualizar a parte final da negociação aqui).

            José Luiz Datena e seu programa Brasil Urgente seguem uma linha de jornalismo (ou entretenimento travestido de jornalismo) que mostra o “mundo-cão”, exalta toda e qualquer ação da polícia, seja ela legítima ou não (a não ser quando há provas incontestáveis de ilegalidade, ocasiões em que os programas televisivos dessa natureza, seguindo a lógica da própria PM, criticam o policial contraventor, nunca deixando de ressaltar o caráter de “exceção” do caso) e não vê nenhum problema em humilhar e violar direitos de pessoas detidas, porque dá audiência e o público adora (embora muita gente deteste isso, o fato é que bandidos têm direitos, e a polícia tem o dever funcional de respeitá-los - o que raramente acontece).
Trata-se de uma antiga tradição brasileira. Jacinto Figueira Júnior, “o homem do sapato branco”, inaugurou o estilo nos anos 60. Nos anos 70 e 80, Luiz Carlos Alborghetti apresentava, primeiro no rádio e depois na televisão, o programa Cadeia (posteriormente, Cadeia Nacional). Nos anos 90, o jornal Notícias Populares e o noticiário Aqui Agora seguiram a mesma linha. Ratinho, Marcelo Rezende, Gilberto Barros e Datena, dentre outros,  deram sequência ao formato.
Há muito público para programas assim. Não é problema meu. Mas quando apresentadores de televisão começam a negociar a vida de reféns, o problema passa a ser meu. Porque eu posso ser sequestrado amanhã, e não quero que minha vida fique nas mãos do Datena, da Sônia Abrão ou do Marcelo Rezende.
A pedido da PM, a negociação foi conduzida por um sujeito que defende diariamente que a polícia deve agir de forma truculenta com criminosos. Por alguém que ofende diariamente bandidos, chamando-os de vagabundos, sem-vergonha, covardes etc. E a polícia colocou "uma pessoa que não é capacitada para conversar com um sujeito que está sequestrando duas pessoas, sob fortíssimo stress" - para repetir as palavras usadas pelo próprio Datena em 2008. Se o sequestrador fosse um criminoso "profissional" e começasse a gritar para o Datena "me chama de vagabundo agora!", o que ele iria fazer?
O sequestro teve um final feliz por puro acaso. Sorte. Fortuna. Dê-se a isso o nome que quiser. Mas, com toda a certeza, não foi a habilidade de Datena que salvou a vida das reféns.
Repetindo o tempo todo que só aceitou negociar com o sequestrador porque a polícia lhe pediu isso, Datena afirmou, posteriormente, que estava “profundamente arrependido” de ter aceitado o pedido. Disse ainda que não negocia com bandidos, mas que o sequestrador, nesse caso, era uma pessoa honesta, um trabalhador que estava desesperado etc. etc. Isso torna o perigo para as vítimas menor? Ou maior?
A despeito de todas as desculpas, justificativas e supostos arrependimentos, o acontecimento é marcado por erros crassos. Datena sabia-se despreparado para lidar com a situação, mas aceitou fazê-lo. Por vaidade, arrogância ou audiência, colocou em sério risco a vida de pessoas que não conhecia. Se é fato que a polícia lhe pediu que o fizesse, era seu dever, como cidadão, recusar. Como o próprio apresentador afirmou em 2008, ele não tinha o direito de interferir. Se alguém discordar, faça o favor de reler o Primeiro Ato.
Datena não é apenas destemperado. Como muitas celebridades televisivas, ele parece esquecer que existe um mundo para além de seu programa. Embora venham ocorrendo em média dez mortes por noite nas periferias de São Paulo, quando seu cinegrafista recebe um empurrão de um policial, ele quer que o governador, o secretário de segurança pública ou “alguma autoridade” pare imediatamente o que quer que esteja fazendo para telefonar para o seu programa e lhe dar explicações, “sob pena de não apoiar mais ninguém”. Policiais sérios e honestos podem viver perfeitamente bem sem o apoio de Datena. E, por mais que isso possa parecer surpreendente para o apresentador, as autoridades públicas não se reúnem ao fim de cada dia para assistir ao Brasil Urgente.
Quanto à atuação policial nesse caso, deveria render no mínimo a exoneração do comandante da operação. Um policial com uma equipe treinada para negociações atribui a um apresentador de televisão, sem o menor conhecimento técnico sobre o assunto, e conhecido por sua truculência e seu destempero, a tarefa de negociar a vida de duas pessoas com um sequestrador emocionalmente instável. O desfecho importa, é claro. Se as reféns tivessem sido mortas ou feridas, o comandante da operação com certeza seria exonerado. Mas o final feliz retira a responsabilidade do policial pela conduta absurda e pelo risco a que expôs as reféns? De jeito nenhum. Detalhe: questionada pela UOL, a PM se recusou a informar o nome do comandante da operação, afirmando que “não fala mais sobre o assunto”.
Como ninguém se feriu e a PM se recusa a dar explicações à sociedade - numa atitude corporativista e ilegal - , imagino que ninguém será punido. O que significa que agora, além do já natural medo que temos de ser sequestrados, ainda teremos o receio de que, se isso acontecer, a polícia coloque a Palmirinha, o Galvão Bueno ou o Bozo para negociar nossas vidas.