Datena negocia com um sequestrador. Erro crasso do apresentador e da Polícia Militar. |
Primeiro Ato:
“... E espero que a imprensa não atrapalhe mais esse caso. A
imprensa, não. Alguns, alguns repórteres e apresentadores que se meteram a negociadores
da polícia e não são negociadores coisa alguma. São apresentadores, são repórteres,
não têm o direito de se intrometer numa negociação policial. Não têm mesmo! Não
têm esse direito! Doa a quem doer. (...) E sempre critico quem faz besteira,
como a que você fez hoje de novo. Porque isso aí já podia ter terminado, o
próprio policial disse isso. Já estava combinado que ele ia se entregar, mas
depois de uma entrevista, não quis se entregar mais. De repente está falando em
todo lugar, não se entrega mesmo. Então isso é uma insanidade, uma insanidade!
Para qualquer pessoa que você perguntar se é uma insanidade uma pessoa que não
é capacitada para conversar com um sujeito que está sequestrando duas pessoas, sob fortíssimo stress, com duas armas e um saco cheio de balas... qualquer
pessoa que tenha competência para isso vai dizer que é uma coisa errada!”
José
Luiz Datena, apresentador do programa Brasil
Urgente, em outubro de 2008, quando ainda estava em andamento o sequestro
da menina Eloá Cristina Pimentel, que terminou de forma trágica, com a morte da
menina, em parte por conta da incompetência da polícia em lidar com a situação,
em parte por conta da cobertura irresponsável e sensacionalista da imprensa,
especialmente da apresentadora Sônia Abrão, que transformou o sequestrador,
Lindemberg Fernandes Alves, numa estrela midiática (veja o vídeo aqui).
Segundo Ato:
“...Eu exijo, eu EXIJO uma resposta da
Polícia Militar, sob pena de eu não defender mais ninguém aqui! Eu exijo AGORA
uma resposta da Polícia Militar! Do comando da Polícia Militar ou de alguém.
(...) DEIXA EU FAZER AQUI MEU DISCURSO! (...) Eu EXIJO uma resposta, mas NESSE EXATO MOMENTO, da Polícia Militar! (...)
Não é possível! Porque senão eu vou parar de defender todo mundo, e vocês é que
se danem! (...) Onde está o comando da Polícia Militar? Tá de folga no feriado? (...) Vem cá, o GOVERNADOR tá de férias também? Tá de folga o
governador, que é a principal autoridade do Estado? O Secretário também tá de
folga? Nosso cinegrafista foi agredido pelas costas! Quer dizer que é isso o
que a gente ganha por defender uma corporação que é gloriosa? Levar uma
cacetada pelas costas? É isso o que a gente ganha? É ver uma mulher sendo algemada covardemente? É isso o que a gente ganha? E não tem... ATÉ AGORA
ALGUMA AUTORIDADE LIGOU AQUI PRA FALAR? ALGUMA AUTORIDADE LIGOU AQUI PRA FALAR?
Isso é uma covardia desgraçada! E se continuar desse jeito, eu não defendo mais
porcaria de ninguém! Não defendo mais ninguém!”
José
Luiz Datena, em 20.11.2012, apresentando o Brasil
Urgente, revoltado porque o cinegrafista do seu programa foi agredido pelas
costas por um policial militar enquanto filmava uma operação da Polícia
Militar (quem ainda tiver paciência pode ver o vídeo aqui).
Terceiro Ato:
“Ouça sua mãe, que é Deus que está falando
através dela. Vamos saindo, Joel. (...) Você já ta saindo, Joel? (...) É minha
responsabilidade, pode sair. Pode confiar no amigo. Vamos, Joel! Já tá saindo?
Isso, Joel, vamos saindo, Joel. Vamos saindo que você vai me fazer o cara mais
feliz do mundo e você vai ficar mais tranquilo. Quero ver você sair na porta,
Joel.”
José Luiz Datena, em 28.11.2012, negociando a rendição de um
homem que mantinha a mãe a esposa reféns numa casa em Diadema, em transmissão
ao vivo do programa Brasil Urgente. A
negociação, feita, segundo o apresentador, a pedido da polícia, durou mais de
vinte minutos. O sequestrador se entregou à polícia (se ainda sobrou estômago depois dos vídeos anteriores, pode-se visualizar a parte final da negociação aqui).
José
Luiz Datena e seu programa Brasil Urgente
seguem uma linha de jornalismo (ou entretenimento travestido de jornalismo) que mostra o “mundo-cão”, exalta toda e
qualquer ação da polícia, seja ela legítima ou não (a não ser quando há provas
incontestáveis de ilegalidade, ocasiões em que os programas televisivos dessa
natureza, seguindo a lógica da própria PM, criticam o policial
contraventor, nunca deixando de ressaltar o caráter de “exceção” do caso) e não
vê nenhum problema em humilhar e violar direitos de pessoas detidas, porque dá
audiência e o público adora (embora muita gente deteste isso, o fato é que
bandidos têm direitos, e a polícia tem o dever funcional de respeitá-los - o que raramente acontece).
Trata-se de uma antiga
tradição brasileira. Jacinto Figueira Júnior, “o homem do sapato branco”,
inaugurou o estilo nos anos 60. Nos anos 70 e 80, Luiz Carlos Alborghetti
apresentava, primeiro no rádio e depois na televisão, o programa Cadeia (posteriormente, Cadeia Nacional). Nos anos 90, o jornal Notícias Populares e o noticiário Aqui Agora seguiram a
mesma linha. Ratinho, Marcelo Rezende, Gilberto Barros e Datena, dentre outros, deram sequência
ao formato.
Há muito público para
programas assim. Não é problema meu. Mas quando apresentadores de televisão
começam a negociar a vida de reféns, o problema passa a ser meu. Porque eu
posso ser sequestrado amanhã, e não quero que minha vida fique nas mãos do
Datena, da Sônia Abrão ou do Marcelo Rezende.
A pedido da PM, a negociação foi conduzida por um sujeito que defende diariamente que
a polícia deve agir de forma truculenta com criminosos. Por alguém que ofende diariamente
bandidos, chamando-os de vagabundos, sem-vergonha, covardes etc. E a polícia colocou "uma pessoa que não é capacitada para conversar com um sujeito que está sequestrando duas pessoas, sob fortíssimo stress" - para repetir as palavras usadas pelo próprio Datena em 2008. Se o sequestrador fosse um criminoso "profissional" e começasse a gritar para o Datena "me chama de vagabundo agora!", o que ele iria fazer?
O sequestro teve um final
feliz por puro acaso. Sorte. Fortuna. Dê-se a isso o nome que quiser. Mas, com
toda a certeza, não foi a habilidade de Datena que salvou a vida das reféns.
Repetindo o tempo todo que só
aceitou negociar com o sequestrador porque a polícia lhe pediu isso, Datena
afirmou, posteriormente, que estava “profundamente arrependido” de ter aceitado
o pedido. Disse ainda que não negocia com bandidos, mas que o sequestrador, nesse caso,
era uma pessoa honesta, um trabalhador que estava desesperado etc. etc. Isso torna o perigo para as vítimas menor? Ou maior?
A despeito de todas as
desculpas, justificativas e supostos arrependimentos, o acontecimento é marcado
por erros crassos. Datena sabia-se despreparado para lidar com a situação, mas
aceitou fazê-lo. Por vaidade, arrogância ou audiência, colocou em sério risco a vida de
pessoas que não conhecia. Se é fato que a polícia lhe pediu que o fizesse, era
seu dever, como cidadão, recusar. Como o próprio apresentador afirmou em 2008, ele não tinha o direito de interferir. Se alguém discordar, faça o favor de reler o
Primeiro Ato.
Datena não é apenas destemperado. Como muitas celebridades
televisivas, ele parece esquecer que existe um mundo para além de seu programa.
Embora venham ocorrendo em média dez mortes por noite nas periferias de São Paulo, quando seu cinegrafista
recebe um empurrão de um policial, ele quer que o governador, o secretário de
segurança pública ou “alguma autoridade” pare imediatamente o que quer que
esteja fazendo para telefonar para o seu programa e lhe dar explicações, “sob
pena de não apoiar mais ninguém”. Policiais sérios e honestos podem viver
perfeitamente bem sem o apoio de Datena. E, por mais que isso possa parecer
surpreendente para o apresentador, as autoridades públicas não se reúnem ao fim
de cada dia para assistir ao Brasil
Urgente.
Quanto à atuação policial
nesse caso, deveria render no mínimo
a exoneração do comandante da operação. Um policial com uma equipe treinada
para negociações atribui a um apresentador de televisão, sem o menor
conhecimento técnico sobre o assunto, e conhecido por sua truculência e seu destempero, a tarefa
de negociar a vida de duas pessoas com um sequestrador emocionalmente instável. O desfecho importa, é claro. Se as reféns
tivessem sido mortas ou feridas, o comandante da operação com certeza seria exonerado. Mas o final feliz retira a responsabilidade
do policial pela conduta absurda e pelo risco a que expôs as reféns? De jeito
nenhum. Detalhe: questionada pela UOL, a PM se recusou a informar o nome do
comandante da operação, afirmando que “não fala mais sobre o assunto”.
Como ninguém se feriu e a
PM se recusa a dar explicações à sociedade - numa atitude corporativista e ilegal - , imagino que ninguém será punido. O
que significa que agora, além do já natural medo que temos de ser sequestrados,
ainda teremos o receio de que, se isso acontecer, a polícia coloque a Palmirinha, o Galvão Bueno ou
o Bozo para negociar nossas vidas.
Ótimo artigo. Há muito venho dizendo do efeito nefasto desses tipos de programas na prática policial. Os policiais se sentem super heróis midiáticoa. O efeito, repito, é devastador. O Datena tem até um âncora, ou foca, ou sei lá o quê no COPOM. Trata-se de um PM aposentado que fica "pescando" notícias para serem apresentadas, em tempo real, no programa do Datena. Não revelarei o nome, por enquanto. Vê-se que a associação, no mínimo preocupante, entre a polícia e esse tipo de imprensa é bem mais intensa.
ResponderExcluirAdilson
Esse apresentador e seu semelhantes em outras emissoras são nocivos á Sociedade. No dia que não houver mais crimes eles morrem de fome.
ExcluirEu gostava mais do Wallace Souza:
ResponderExcluirhttp://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1252275-15605,00-DEPUTADO+DO+AMAZONAS+E+ACUSADO+DE+ENCOMENDAR+CRIMES+PARA+PASSAR+NA+TV.html