Protesto na PUC-SP contra a eleição da professora Anna Maria Cintra para a função de reitora da universidade. |
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – a PUC-SP – tem vivido em convulsão desde que a professora Anna Maria Cintra, terceira colocada lista tríplice de candidatos na eleição para a reitoria da universidade, foi nomeada por dom Odilo Scherer para assumir a função de reitora. Inconformados, alunos, professores e funcionários da universidade desencadearam uma greve que, ao menos até o momento, não tem previsão para terminar.
É certo que o estatuto da universidade prevê que o grão-chanceler da instituição pode nomear como reitor qualquer um dos três candidatos da listra tríplice que lhe é encaminhada. Não houve, assim, o descumprimento de nenhuma regra do estatuto. Houve a quebra de uma tradição de mais de trinta anos, de eleição do candidato mais votado. Por outro lado, os três candidatos, numa assembleia realizada no Tuca em agosto, se comprometeram por escrito a não assumir o cargo caso não fossem os mais votados, o que não aconteceu.
Não quero me alongar sobre a situação em si – apenas ressalto que, a despeito do que prevê o estatuto, uma vez que é dado a alunos e professores o direito ao voto, cria-se a expectativa de que a votação sirva para alguma coisa – principalmente quando há apenas três candidatos, como é o caso (e como costuma ocorrer) e quando há uma tradição de três décadas nesse sentido.
Mas o que me interessa, no momento, é o debate publicado hoje na seção “tendências/debates” da Folha de São Paulo. De um lado, os professores Carlos-Arthur Ribeiro do Nascimento, Jeanne Marie Gagnebin e Salma Muchail, todos do Departamento de Filosofia da PUC-SP, defendendo a mobilização no artigo Um ataque à democracia na universidade. Do outro, o professor do Instituto Tecnológico Pio XI e da Escola Dominicana de Teologia, Edson Luiz Sampel, defendendo a escolha de dom Odilo, no artigo Pontifícia Universidade Católica: pontifícia e católica.
O primeiro artigo traz argumentos semelhantes àqueles que já mencionei, e revela a preocupação com a perda do espaço democrático na universidade. Não vou me estender sobre ele. O link está logo acima e o artigo fala por si.
Muito mais preocupante e surpreendente foi o artigo de Edson Luiz Sampel, cujos argumentos me deixaram de tal forma perplexo que resolvi escrever um pouco a respeito.
Após defender a legitimidade do procedimento – o que era esperado – o articulista afirma que o grão-chanceler nomeará o reitor “com cabal discricionariedade, tendo em vista o bem maior da instituição”, salientando ainda que “Dom Odilo tem dado o melhor de si para recrudescer a confessionalidade da PUC-SP, resgatando-lhe a ‘alma católica’. Infelizmente, essa postura do grão-chanceler, assaz benemérita e imprescindível do ponto de vista pastoral e jurídico-canônico, arrosta opositores vorazes. Debaixo do inconsistente vexilo da independência acadêmica, alguns desejam mesmo que o catolicismo seja banido do campus e cambiado por um relativismo cristão ou cristianismo light ou, então, por outras ideologias”.
Depois de comparar a situação do reitor da PUC-SP à do diretor da Volkswagen (“Quanto tempo duraria na fábrica da Volkswagen um diretor que fosse grande defensor e entusiasta dos automóveis montados pela Ford?”), Edson Sampel afirma: “No entanto, querem que a PUC-SP seja complacente com professores que defendem, por exemplo, o aborto na mídia – e que só tem acesso aos jornais em virtude de exibirem o título de professor ou professora da PUC-SP”, para concluir que “quanto mais congruente com os valores autenticamente católicos, tanto mais a PUC-SP ascenderá ao cume da excelência científica, pois a Igreja é perita em humanidades (Populorum progressio, 13)”.
Admito que a menção ao resgate da “alma católica” da PUC-SP ao menos mostra a transparência das intenções de dom Odilo. Mas no contexto da atividade universitária, chamar de “inconsistente vexilo” (“vexilo” é sinônimo de bandeira – precisei pesquisar) um valor que é não só caro, mas fundamental a qualquer universidade – a independência acadêmica – me parece desconsiderar a essência e a concepção da instituição em si.
Esse argumento, estranho a qualquer acadêmico, é reafirmado na menção aos “professores que defendem o aborto na mídia”. Como aluno de uma universidade que reputo séria, não quero que a PUC-SP seja “complacente” com professores que defendem o aborto na mídia. Não se trata de “tolerar” ou ser “condescendente” com professores que expõem opiniões próprias, geralmente fruto de muito estudo e reflexão. A PUC-SP deve respeitar essas opiniões e, principalmente, ter em vista que a atividade científica séria só se constrói com liberdade intelectual e pluralismo das opiniões – algo bem diferente de complacência.
Também é bom lembrar que as pessoas que opinam na mídia não o fazem porque são professores da PUC-SP – e sim porque são estudiosos que conhecem a fundo os temas sobre os quais são indagados. Um professor de direito civil que conheça a fundo Direito de Família não será procurado para falar sobre contratos mercantis. É a qualificação intelectual que leva ao cargo de professor da PUC-SP, e não o contrário.
A comparação entre o reitor da PUC-SP e o diretor da Volkswagen parece confirmar a afirmação, feita no artigo dos professores Carlos-Arthur, Jeanne e Salma, de que “a mantenedora, desde 2005 e de modo autoritário, mercantiliza o ensino”. De fato, a comparação é esdrúxula. A Volkswagen não tem o compromisso de formar pensadores, ao contrário das universidades. Aplicar a lógica de uma indústria automotiva privada a uma universidade (e nesse aspecto não interessa se a universidade é pública ou privada, a função é a mesma) é trazer ao ambiente acadêmico um aspecto mercantil de que as melhores universidades privadas tentam se afastar, tanto quanto lhes for possível. Formar pensadores dotados de senso crítico e construir fuscas são coisas bem diferentes.
O mais surpreendente de tudo é que, diante de uma postura assumidamente sectária, na qual opiniões que não sigam o dogma (outra palavra que não combina nada com o mundo acadêmico) católico devem ser refutadas, o articulista defenda que “quanto mais congruente com os valores autenticamente católicos, tanto mais a PUC-SP ascenderá ao cume da excelência científica” (prefiro creditar à Folha e não ao articulista o uso do verbo “acender” no lugar de “ascender”).
Confesso minha dificuldade em compreender essa afirmação. Os valores católicos determinam, dentre outras coisas, que Darwin estava errado, que o surgimento do homem se deu tal como descrito na Bíblia e que o mundo tem cerca de 6.000 anos. Como conciliar um apego estrito a essas ideias com o “cume da excelência científica”? Afirmar que “a Igreja é perita em humanidades” é insuficiente, já que sua história demonstra que ela também é perita em desumanidades (por exemplo, apenas em 1992 a Igreja reviu o processo de Galileu Galilei, "perdoando-o" pela heresia de ter afirmado, três séculos antes, que a Terra não era o centro do universo).
Desde o surgimento da universidade (em 1088, com a fundação da Università di Bologna), cujos objetivos principais consistiam justamente na compilação, organização e divulgação do conhecimento até então produzido, a essência de uma universidade está no respeito à pluralidade de pensamento. Ainda que se admita o estabelecimento de linhas-mestras de construção teórica, isso não pode significar, de modo algum, a perda da liberdade científica e, principalmente, da liberdade de pensamento. Ou a PUC-SP pretende, no futuro, eliminar o evolucionismo de seus currículos e ensinar o criacionismo, como fazem algumas escolas do eixo religioso nos EUA?
A PUC, antes de ser pontifícia e antes de ser católica, é uma universidade. É este o substantivo (e o núcleo) do nome PUC. Nesse sentido, o título do artigo de Edson Sampel talvez revele mais do que seu autor pretendia.
O atual movimento, embora tenha repercutido a ponto de gerar protestos, não é de agora. Em março deste ano, dom Luiz Bergonzini, bispo emérito de Guarulhos (falecido em junho), escreveu em sua página na internet que Graças a Deus, a PUC não é uma "progressista universidade comunista"!, em artigo no qual afirmou que “se a PUC é da Igreja Católica, deve seguir o Evangelho e a Moral Cristã. Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula”. Alguém deveria ter-lhe perguntado: e alunos não católicos (pagantes, todos), podem integrar o corpo discente?
Talvez formalmente a PUC-SP pertença à Igreja Católica. Mas na prática ela pertence aos alunos, ex-alunos e professores, pessoas que convivem na instituição para construir o pensamento, para que se formem advogados, historiadores, psicólogos etc. Gente que, durante o curso, ajuda a formar a PUC, e que, ao sair da faculdade, leva a PUC consigo. Se alguém tiver alguma dúvida a esse respeito, tente imaginar a PUC sem seus professores e alunos. Que se entregue à PUC, vazia, à Igreja Católica, dizendo: “toma, é sua e só sua”.
Ou a PUC-SP se dá conta de que está no mundo, ou é melhor deixar de ser uma universidade e se transformar num curso preparatório para seminários. Só não dá para querer ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Resumo da história: Ada, Ada, Ada, Aão, Aão, aqui tem Peruada aí tem procissão!!!!!
ResponderExcluirBoa Sorte para os amigos da católica kkkk!!!!
Credo, esse tal de Marcus Vinicius tem o demônio no corpo! Tão perto do Centro e tão longe de Deus....
ExcluirPura inveja, pois nós temos o Celso Antônio Vexilo de Mello.
Ah, para os "colegas" daquela Faculdade macróbia do Centro, o "x" de "vexilo" tem som de "cs".
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirótimo texto! Acredito que o problema é exatamente esse, a incoerência entre a Igreja Católica e o conceito de universidade. É difícil manter o aspecto investigativo do ensino quando a Igreja diz que possue a verdade. A "universidade", nesse sentido, seria apenas para transmitir essa verdade?
ResponderExcluirGrande abraço,