domingo, 13 de janeiro de 2013

Não há final feliz


O Rei Pirro. A expressão "vitória de Pirro" designa uma
vitória com gosto de derrota. Como no caso de Teresa.


    No dia 09 de janeiro, escrevi o texto Alemanha, 1939 - Brasil, 2013, relatando o drama de "Tereza", que, com leve deficiência mental, precisou se esconder da Justiça para evitar uma laqueadura forçada. A notícia havia sido divulgada no site da Defensoria Pública de São Paulo e retransmitida pelo Estadão.
     Diante da provável repercussão negativa e da divulgação dos fatos, o Poder Judiciário resolveu se mexer. Segundo notícia publicada ontem na Folha de São Paulo e na UOL, "a Justiça de São Paulo decidiu anteontem liberar uma mulher de 27 anos, com deficiência intelectual, da obrigação de fazer laqueadura". De acordo com a matéria, "a intenção era evitar que ela tivesse um filho caso fosse vítima de abuso". Segundo o promotor que acompanha o caso, e que afirmou que não recorrerá da decisão, "em nenhum momento se tentou tolher algum direito da paciente. Com as condições daquela época, se houvesse gravidez, teríamos uma criança em situação de risco. A intenção era proteger ambos."
    Admito que não entendo como uma castração forçada pode ter a intenção de proteger a paciente, mas, enfim, era óbvio que esse seria o argumento (como afirmei no texto acima). De qualquer modo, a barbaridade já não será praticada.
     Final feliz, certo? Errado.
     Vou destacar apenas alguns comentários feitos por internautas à notícia publicada na UOL (por fidelidade ao pensamento de tais pessoas, os comentários seguem exatamente como foram escritos, sem correção):

"Já vi esta tragédia antes. Tinha uma fulana assim na minha rua e todos os mendigos pegavam ela! Resultado, uma aquarela do Brasil de filhos, Tinha filho B&W cara de índio, cara de japa e pai mesmo! Mas! Concordo com a decissão se caso ela seja abusada e fique grávida quem cria e paga esta conta é o defensor que lutou pela causa, não o erário! Justo, não?"

"E' simples ela trabalha e se sustenta? Tem onde morar? Ou eu vou ter que continuar ralando para prover os filhos de pessoas incapacitadas financeiramente,moralmente,culturalmente/ou psicologicamente de ter filhos aos montes ate quando ? Como cidada pagadora de altos impostos deveria ter o direito de opinar onde usar os 30% que 'e tirado do meu trabalho suado que ja nao me da lucro ha muito tempo ,so subsistencia neste pais do coitadismo!"

"A prefeitura deveria esterilizar as zumbis que permabulam pela cidade, que infestam as ruas com seus filhos imundos e banddidos!!! E castrar todos os zumbis e moradores de rua!! Basta desses parasitas da sociedade!!!!!"

"Sic! Com certeza será uma 'grande mãe'! Que absurdo! Quanta hipocrisia! Uma pessoa incapaz de cuidar de si, gerando filhos!...uma beleza! Provavelmente vai dar de presente à sociedade mais um delinquente desajustado! Esta é a 'grande justiça' brasileira! Sic!"


     Há comentários ainda piores. Felizmente, porém, também há comentários em sentido contrário. A maioria dos internautas, no entanto, considera "um absurdo" que a Justiça não castre Tereza. Afinal - segundo esse raciocínio - se ela tiver o filho que pretende, não saberá cuidar dele, a criança será sustentada por nós, contribuintes, se tornará um bandido e nos assaltará/estuprará/matará no futuro. Assim, a esterilização de Tereza - bem como dos demais "zumbis e moradores de rua" que "infestam as ruas com seus filhos imundos e bandidos" - está mais do que justificada.
     Embora comentários feitos em notícias da UOL não sejam nenhum índice estatístico preciso, creio que é possível afirmar que parcela considerável da sociedade apoia uma política de castração forçada dos indesejáveis. Já que a lei não permite que se aumente o PIB com o extermínio sistemático de pobres, impedir que eles se reproduzam parece uma boa alternativa para muita gente.
     Que fique muito claro: não estou defendendo que o Estado se isente da prática de políticas de controle de natalidade, principalmente em relação a pessoas que, por qualquer razão, não têm condições (psicológicas, financeiras, sociais etc.) para cuidar de um, dois ou dez filhos. Como todo mundo, sinto uma tremenda angústia ao ver uma viciada em crack cambaleando pelas ruas, pedindo esmolas e carregando um bebê na barriga. O Estado precisa, sim, cuidar dessas pessoas, seja para lhes dar a estrutura psicológica e social necessária para encarar as responsabilidades da maternidade, seja para lhes mostrar que um filho só será mais um problema numa vida já cheia deles, e que a criança será também uma vítima da situação, alguém que chegará ao mundo já com desvantagens e poucas chances. Daí a defender a castração compulsória, ou afirmar que todo filho de mendigo virará um marginal, há uma grande distância.
     É assustadora a quantidade de pessoas que parecem não se constranger em afirmar que o excluído social não passa de um dejeto a ser removido. A banalização da desumanização desse grande "outro", a quem o status de pessoa é negado, parece maior a cada dia. Impressão minha? Torço muito para que seja. Mas acho que não.
     Soma-se a esse quadro de intolerância social o veto da Presidente Dilma Roussef ao Projeto de Lei nº 114/2011, que dava às Defensorias Públicas autonomia financeira, o que as fortaleceria. Segundo matéria veiculada pelo site Última Instância em 21 de dezembro de 2012, o veto se deu "por contrariedade ao interesse público". Defensorias fortes contrariam o interesse público de quem? 
     As Defensorias Públicas deveriam ter força similar à dos Ministérios Públicos. Isso não acontece. O MP é uma instituição que se fortaleceu muitíssimo a partir da promulgação da Constituição de 1988. A Defensoria Pública, a despeito da sua relevância, não tem recebido do Poder Público a atenção merecida. Apenas para lembrar, no caso de Tereza foi o MP quem pediu a laqueadura forçada, o que só não ocorreu por conta da atuação da Defensoria. Uma vitória, é certo, mas isolada. E, segundo um comentário feito no Facebook em relação ao caso de Teresa, o MP faz diversos pedidos nesse sentido Brasil afora. Não sei se a informação procede ou não, mas é certo que muitos absurdos, endossados pelo Poder Judiciário, ocorrem nos cantões do Brasil quando não há a fiscalização da mídia ou a atuação de defensores (há muitas cidades no Brasil que não têm um único defensor público).
     Enfim, numa sociedade em que o desprezo aos excluídos ganha cada vez mais espaço, em que a Presidência da República não reconhece o interesse público de fortalecer as Defensorias, em que os pobres sofrem barbaridades nas mãos de autoridades públicas despreparadas, a vitória de Tereza, embora deva ser comemorada, é lamentavelmente uma exceção.
     A história dessa Tereza teve um final feliz. Mas não há final feliz para a maioria das Terezas do Brasil. E elas são muitas.

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