sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O passado é uma roupa que não nos serve mais




"Olhem! Um comunista!"

 
           No dia 13 de novembro foram publicados no Diário Oficial da União o estatuto e o programa de um novo partido político, idealizado por um grupo de jovens liderado pela estudante de direito da universidade da Serra do Rio Grande do Sul, Cibele Bumbel Baginski, de 23 anos.
            Seria uma excelente notícia, a mostrar que a juventude vem se envolvendo com as questões políticas do país, não fosse um detalhe: o partido político que esse grupo de jovens pretende criar será chamado de Aliança Renovadora Nacional, ou simplesmente ARENA.
            Não se trata, portanto, a rigor, de um novo partido político, e sim da ressurreição do partido criado em 1965 para dar apoio à ditadura militar instaurada no Brasil por um golpe de Estado no ano anterior. Tanto é assim que a imprensa e os próprios idealizadores do partido o chamam de “nova ARENA”.
            E para que não reste qualquer dúvida a respeito da ligação entre a antiga ARENA e a nova, os parágrafos 2º e 3º do artigo 1º do estatuto publicado na imprensa oficial (que pode ser lido aqui) estabelecem o seguinte:

§ 2º A ARENA possui como ideologia o conservadorismo, nacionalismo e tecno-progressismo, tendo para todos os efeitos a posição de direita no espectro político; devendo as correntes e tendências ideológicas ser aprovadas pelo Conselho Ideológico (CI), visando a coerência com as diretrizes partidárias.

§ 3º A ARENA, em respeito às convicções ideológicas de Direita, não coligará com partidos que declaram em seu programa e estatuto a defesa do comunismo, bem como vertentes marxistas. O Conselho Ideológico emitirá Normativa especificando demais partidos com convicções ou ações não compatíveis com a ARENA, com os quais será proibida a coligação dado o contexto político e regional.

            O artigo 2º, que trata dos objetivos do partido, elenca, em seu inciso IV, a luta contra a “comunização da sociedade e dos meios de produção além de outras práticas insidiosas ao pleno desenvolvimento e qualidade da sociedade brasileira”. Segundo reportagem da Folha de São Paulo de 14.11.2012, o partido “defende a ‘abolição de quaisquer sistemas de cotas raciais, de gênero ou condições especiais’, a maioridade penal aos 16 anos e o retorno ao currículo escolar da Educação Moral e Cívica”. Ainda de acordo com a reportagem, “Baginski disse que o partido já conversa com políticos com mandato, mas não quis dar nomes. Disse apenas que entre as pessoas ‘muito respeitadas’ estão os deputados Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Romário (PSB-RJ)” (leia a reportagem na íntegra aqui).
            Tudo bem que parcela da juventude adote os valores do conservadorismo e se mobilize para defender suas ideias, sejam elas quais forem. Mas nessa situação específica duas questões fundamentais saltam aos olhos e preocupam: a necessária vinculação a um ícone do passado que remete diretamente ao período menos democrático da história brasileira e o anacronismo das ideias.
            A história da ARENA, que durou de 1965 (quando foi criada pelo AI-2, embora o partido só tenha sido fundado no ano seguinte) a 1979, quando o pluripartidarismo foi restaurado no Brasil, é a narrativa de uma batalha feroz contra a democracia. O partido do governo, assim como a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, nada mais eram do que aparatos do cenário de uma farsa que pretendia convencer o público (o povo brasileiro) de que o Brasil vivia sob um manto de legalidade – o que, todos sabiam, era uma mentira deslavada, até porque a “legalidade” era alterada ao sabor dos humores dos militares. É lamentável que a juventude de hoje, a fim de propagar seja lá que ideia (conservadora ou não), busque se valer de um símbolo tão sombrio da história brasileira.
            Quanto à atualidade das propostas do novo partido, pareceriam piadas se seus idealizadores não as levassem tão a sério. No Brasil atual, pretender lutar contra a “comunização da sociedade e dos meios de produção” é, literalmente, caçar fantasmas. Só nos resta desejar aos futuros membros da nova ARENA boa sorte na luta contra os comunistas que estão “comunizando” o Brasil – se eles conseguirem encontrar algum.
            Em relação à inconsistência das ideias em si, nem vale a pena se estender, porque nisso os idealizadores da nova ARENA não são diferentes de boa parte da classe política brasileira, a começar pelo próprio Jair Bolsonaro. Basta lembrar que a presidente do partido que defende a “abolição de quaisquer sistemas de cotas raciais, de gênero ou condições 'especiais’” (item 2.2 do programa do partido) é bolsista do Prouni (e não vê qualquer incoerência nisso), ou que o “Conselho Ideológico” previsto no estatuto como “órgão máximo na ARENA” (art. 14), desenhado quase à moda socialista (êpa!), não combina muito bem com o propalado objetivo de “enfatizar a individualidade em vez da uniformidade”  (art. 2º, III). E, lendo o programa nacional do partido, confesso que não entendi como "defender o Estado Necessário" (4.1) pode ser compatível com "retomar o controle de todas as empresas estatais que são fundamentais à proteção da nação" (4.2)....
            Em suma, ignorâncias, inconsistências e anacronismos à parte, concluo que os jovens idealizadores da nova ARENA – que, agora, precisará reunir cerca de 500.000 assinaturas para poder se registrar junto ao TSE – tentarão caminhar para frente olhando para trás. 
       Resgatando um passado vergonhoso (o item 7.2 do programa nacional fala em "reorganização e reaparelhamento das forças de segurança pública"...) para lutar quixotescamente contra um moinho de vento que já parou de rodar há décadas, a nova ARENA, se conseguir as assinaturas necessárias para sair do papel, provavelmente se tornará mais uma das muitas piadas sem graça no anedotário político brasileiro, e sua relevância política na condução dos rumos do Brasil será a mesma de um Jair Bolsonaro – nenhuma.
            Elis Regina cantava nos anos 70 que "o passado é uma roupa que não nos serve mais". Vivemos em uma democracia (certamente, não graças à ARENA) e cada um segue o caminho que quiser. Mas quem caminha de costas tem muito mais chance de tropeçar e cair.




7 comentários:

  1. René, quando li essa notícia, além da imediata reação de rir da situação, procurei tentar chegar na raiz da questão, ou seja, no que está levando as pessoas - os jovens, em especial - a adotarem uma postura tão radical e retrógrada.

    Evidentemente, essa não é uma tarefa fácil, dada a vastíssima gama de fatores que convergem para isso: vamos desde a "mídia policial", que prega que "a falta de velhos valores morais" e o "desaparelhamento da segurança pública Estatal" seriam causas da "bandidagem crônica" que nos assola; até a falta de educação cívica das novas gerações que, acostumadas à liberdade democrática, não fazem ideia do que é viver sem ela (não que eu saiba; nasci em 1984, já no final da ditadura militar. Ainda assim, sempre fui curioso e crítico, e sempre procurei estudar as versões de quem esteve dos dois lados da moeda e, embora não tenha experimentado a falta de liberdade de expressão, jamais consegui me convencer que seria algo bom abrir mão dela em prol de uma pseudo-segurança e de valores morais com os quais nem sempre concordo...).

    No meio, porém, me veio um outro elemento, talvez não tão óbvio, mas ainda assim vibrante: o enfraquecimento de partidos políticos outrora fortes no país, e o nosso sistema partidário.

    Vamos ao primeiro ponto: já que estamos falando do ressurgimento de um partido de "direita", devemos voltar nosso foco aos dois maiores partidos ditos de "direita" do país: o PMDB e o PSDB. Ambos, curiosamente, surgidos do MDB, justamente o rival político da ARENA no período ditatorial. Mas isso não vem ao caso no momento.

    O fato é que, tanto PMDB quanto PSDB, desde a redemocratização do Brasil, sempre foram referência como partidos de direita, ainda que "moderadamente conservadores". E, cada qual ao seu modo, têm grande participação da vida política do país: o PMDB dominando as prefeituras municipais (e, recentemente, conquistando a Vice-Presidência da República, aliando-se ao principal expoente da esquerda "moderada", o PT); e o PSDB conquistando governos estaduais importantes, além de dois mandatos presidenciais com FHC e sua consolidação como grande adversário da esquerda (PT, no caso) no cenário nacional. Como o PMDB se tornou situação, vamos focar a análise no PSDB.

    O PSDB vem se enfraquecendo muitíssimo nos últimos anos. E da pior forma possível: de dentro para fora. A causa: o mesmo mal que sempre foi apontado como característico dos partidos ultra-conservadores (tanto de esquerda quanto de direita), qual seja, o "coronelismo". O nome desse coronel é bastante conhecido: José Serra.

    Ele comanda e concentra as ações do partido, escolhe quem se candidata e quem não, impõe suas ideias e dá pouco espaço ao novo, ao jovem. É mais fácil passar entre os 10 primeiros para o vestibular de medicina da USP do que sair candidato a deputado estadual pelo PSDB. E, dizem as más línguas, é muito mais barato também...

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  2. CONTINUAÇÃO


    Diante disso, enfraquece-se o partido que hoje deveria ser a principal força de oposição ao governo (não estou fazendo apologia ao PSDB, quero deixar bem claro! Só estou dizendo que é sempre saudável em uma democracia ter uma oposição forte, pisando nos calos da situação!). Pior: encontrando as portas fechadas, jovens que poderiam somar com suas ideias novas acabam por optar ingressar em um partido de menor expressão, que os acolhe; ou até mesmo criar uma nova sigla.

    Não estou dizendo que as ideias dessa re-fundadora da ARENA sejam novas, inovadoras, que elas iriam oxigenar o PSDB. O que quero dizer é o seguinte: se o principal partido de oposição desse oportunidade ao jovem de participar de sua atividade política, talvez não houvesse o surgimento de iniciativas partidárias absurdas como essa. Dê ao jovem espaço para a apresentação de suas boas ideias (conservadoras que sejam, isso pouco importa), que ele logo esquecerá as ideias ruins.

    Enfim... Foi apenas uma divagação. É claro que é impossível apontar um único culpado para o ressurgimento e o fortalecimento de ideias radicais conservadoras, sejam elas de direita ou de esquerda. Mas uma coisa é certa: uma oposição que se enfraquece e que sabota a si mesma, seguramente proporciona campo fértil para esse tipo de ideia ser plantada, criar raízes e crescer forte.

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  3. De fato é patética a ideia de "regurgitar" a ARENA. Agora, achar que a esquerda é uma roupa que ainda serve também é patético - e essa ideia, sim, é polêmica e renderia um texto mais interessante. Criticar essa nova ARENA soa como chutar um cachorro morto...

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  4. E onde foi dito no texto que a "esquerda é uma roupa que ainda serve"? O texto critica o apego a ideias e ideais ultrapassados, que não mais se adequam à nossa realidade - que, ao contrário do que muitos (anônimos) ainda querem crer, não mais se basta no dualismo esquerda x direita.

    A crítica à nova ARENA foi mais uma oportunidade em função da atualidade do tema do que uma crítica da esquerda à direita. Tenho certeza de que, se ao invés da ARENA, tivesse sido ressuscitado o Partido Comunista de cunho Stalinista, pregando a revolução bolchevique, o blogueiro também não pouparia críticas. Não entender isso é que é patético.

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  5. O PT é Patético - meu amigo, eles apoiam o Regime Stalinista de Cuba!!!! Isso é o HOJE!!!

    E ainda se preocupam com uma ARENA, enquanto o Bolchevismo está no Poder! E as coisas só não estão piores porque o São Roberto Jefferson impediu o Dirceuzão de tomar o poder....

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  6. O Brasil apóia Cuba em sua política externa não por apoiar seu "Regime Stalinista". O Brasil apóia Cuba pois sabe que o comunismo tradicional não irá durar muito por lá, e está tentando conquistar MERCADO CONSUMIDOR com isso. Aliás, sabia que o governo cubano promulgou recentemente uma lei de incentivo à entrada de investidores estrangeiros no país?? Sabia que as indústrias têxtil e de calçados exportam em massa para lá?? Cuba está inclusive reformando um porto marítimo para melhorar a importação de produtos brasileiros, incluindo maquinário agrícola. Bastante comunista isso, não??

    Vale dizer que o mesmo acontece em relação à África: o Brasil tem planos de investir montanhas de dinheiro por lá; tudo para desenvolver as economias locais e torná-las CONSUMIDORAS dos nossos produtos. Por isso que o "Sapo Barbudo" não parava de viajar para lá enquanto era presidente...

    Isso, meu amigo, não tem nada de Bolchevique. Isso é capitalismo. É neo-colonialismo do século XXI.

    Posso não concordar com várias políticas governamentais do PT - como de fato não concordo (da mesma forma com que não concordava com várias tantas outras do PSDB de FHC).

    Mas seguramente não posso ter a ilusão de que o mundo ainda vive a Guerra Fria, e de que só porque o Brasil elegeu um partido cujo símbolo é uma estrela vermelha nos alinhamos a um Bloco Comunista que já não existe há uns 20 anos...

    Só pra constar, eu vibrei a cada condenação do mensalão. Político corrupto tem que pagar por seus atos, independentemente da legenda à qual se filie. Agora, daí a chamar Roberto Jefferson de santo...

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  7. Óbvio que o Jefferson não é santo... ele só fez um ato de santidade na vida, que foi nos livrar do Dirceu presidente... merece uma beatificação, não? rs

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