Não sei se ainda há algo a ser dito sobre Ingrid Migliorini, a catarinense de 20 anos que resolveu leiloar a própria virgindade. Em 25 de outubro o leilão foi encerrado, e o hímen da moça alcançou a cifra de US$ 780 mil (R$ 1,58 milhão).
Segundo
o UOL, Ingrid “disse ‘entender a monotonia na vida das pessoas’ e atribui a
isso o interesse sobre ‘sua vida agitada’.”
Que
vida agitada? Não li nada sobre drogas, bebedeiras, baladas enlouquecidas, orgias
selvagens. Virgens românticas (como Ingrid se define) não costumam ter vidas agitadas. Vida agitada tem a Paris Hilton! O interesse que Ingrid desperta não
tem nada a ver com sua vida, e sim com a opção de leiloar sua “pureza”.
Muito
já se disse e se escreveu sobre o tal documentário, “Virgins Wanted”, que teria
motivado esse leilão; muito já se falou sobre o documentarista, sobre a própria
Ingrid e o outro rapaz que também leiloou a virgindade, sobre o arrematante do
hímen. Tudo isso já foi dissecado à exaustão. O único aspecto dessa história
que não foi bem analisado – e que, curiosamente, me parece o mais interessante
– é como um fato tão banal pode despertar tanto interesse do público. Certamente
a “vida agitada” da protagonista não é o motivo.
Ingrid
não é a primeira mulher a leiloar a própria virgindade. No passado, as “novas
aquisições” dos prostíbulos eram sempre disputadas de forma acirrada pelos
clientes habituais. A literatura, o cinema e a televisão têm inúmeras histórias
similares.
E
também não é o fato de Ingrid “não precisar disso” que torna a situação
atípica. Inúmeras prostitutas “não precisam disso” e ainda assim adotam a
prostituição como trabalho – e não há aqui nenhum julgamento sobre essa
escolha, cada mulher que faça o que quiser com o próprio corpo.
É
claro, é de prostituição que estamos falando aqui. O fato de a venda da
virgindade fazer parte de um “documentário” (nem imagino qual vai ser a tônica
desse filme, mas diante do leilão realizado, não espero boa coisa) não altera
em nada essa constatação. A alegação de Ingrid de que vai usar o dinheiro para
construir “casas populares”, além de ridícula, foi desmentida pelo próprio
documentarista. Se
ainda há alguma dúvida, o "book" de fotos sensuais colocadas no Facebook para “divulgar o produto” e o uso do "nome de guerra" (Catarina), duas características típicas desse mercado de carne,encerram qualquer discussão a respeito.
Repito, nenhum julgamento moral na constatação de que se trata de prostituição. Mas tratemos do caso como o que de fato ele é.
Outros
ingredientes despertaram a atenção do público: Oscar Maroni, o ex-dono do
Bahamas, afirmou há alguns dias que Ingrid ofereceu a virgindade a ele há dois
anos, por R$ 100 mil. Ela nega, embora afirme que, aos 17 anos, eles trocaram
telefones e se falaram algumas vezes. Não fica muito claro por que uma menina
de 17 anos trocaria telefonemas com Oscar Maroni, mas enfim...
O
fato é que, por mais que se tente apimentar a história, ela continua a ser
absolutamente tediosa e desinteressante. Que importa para o mundo a virgindade da moça? Que
interesse pode despertar um imbecil qualquer - o apelido divulgado é Natsu - que tenha se disposto a
desperdiçar R$ 1,5 milhão no que provavelmente vai ser o ato sexual mais chato da sua
vida?
Pelo
que a imprensa divulgou, o defloramento vai ocorrer em espaço aéreo
internacional, para evitar problemas legais. Não pode beijo na boca, usar
nenhum brinquedo sexual nem realizar qualquer fantasia. Segundo a própria
Ingrid em entrevista à Folha de São Paulo, “só pode
tirar a virgindade, nada mais”.
Em
outras palavras, a rigor, nem de sexo estamos tratando. Essa perda da
virgindade será um negócio (literalmente) mecânico e desprovido de qualquer
tipo de envolvimento. Chegar, dar um oi, romper o hímen da moça e ir embora.
É
prostituição sim, claro, mas da pior espécie. A prostituta, que não domina seu ofício, não se esforçará
para agradar o cliente. Este não terá sequer a ilusão do misto de afeto e
safadeza que tantos homens procuram nas profissionais. A relação se dará entre Natsu e o hímen, não entre o cliente e a mulher. Ingrid estará presente apenas de forma incidental.
Como
Shylock trocou 3 mil ducados por 453 gramas de carne com Antônio, em O Mercador de Veneza, de Shakespeare, Natsu trocou R$ 1,5 milhão por um pedacinho – bem mais leve – de carne.
Levando em consideração a quantidade de prostitutas de luxo que ele poderia
contratar por R$ 1,5 milhão, é fácil concluir que ele fez o pior negócio
da sua vida.
Ingrid,
por outro lado, fez um belo negócio. Vai virar uma espécie de ícone entre as
prostitutas – R$ 1,5 milhão por uma rapidinha, sem beijo na boca nem fantasia?
Vai virar mito.
Imagino que os dias seguintes ao evento não vão ser dos melhores – para Ingrid, que vai
ter de viver com o peso da sua escolha e com o julgamento da sociedade, sempre
severo nessas situações; para Natsu, que, se tiver o nome verdadeiro
divulgado, vai virar piada entre os amigos; para o documentarista, que, embora provavelmente ganhe um bom dinheiro com essa história, vai receber o inevitável estigma do cafetão.
Em suma, não há nada, absolutamente nada nessa situação que justifique tamanho interesse do público. Um japonês resolve comprar um hímen. Ponto final. E todo um frisson, artigos e artigos na mídia, críticas acirradas, debates apaixonados. Tudo por causa de um pedacinho de carne, menos valorizado pela sociedade a cada dia que passa, e que não deveria despertar a atenção de ninguém.
Não existe um jeito mais desprazeroso de se jogar dinheiro fora?
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