Quem precisa do Estado fica à esquerda. |
Vamos imaginar, apenas por um momento, que aquelas categorias de "direita" e "esquerda" ainda são adotadas pela classe política brasileira.
Para não nos perdemos em detalhes, adotemos como premissa geral que ser de direita significa optar pelo neoliberalismo, pelo Estado mínimo, pelo laissez faire, laissez passer, e ser de esquerda significa querer um Estado mais atuante, mais forte, mais presente na solução de problemas sociais da vida privada que levam à manutenção do status quo e à desigualdade social. Não é só isso, evidentemente, mas foquemos nesse aspecto.
Para não nos perdemos em detalhes, adotemos como premissa geral que ser de direita significa optar pelo neoliberalismo, pelo Estado mínimo, pelo laissez faire, laissez passer, e ser de esquerda significa querer um Estado mais atuante, mais forte, mais presente na solução de problemas sociais da vida privada que levam à manutenção do status quo e à desigualdade social. Não é só isso, evidentemente, mas foquemos nesse aspecto.
Sob essa ótica, temos de
reconhecer que a atuação do Estado para reduzir as desigualdades sociais, o
desemprego e a pobreza só interessa às vítimas da desigualdade, aos
desempregados e aos pobres. Em outras palavras, quem já tem um bom emprego,
casa, patrimônio, plano de saúde e educação paga (ou condições para obter tudo
isso por conta própria) não precisa do Estado. E se não precisa do Estado para
nada, pode, perfeitamente, defender a teoria de que o Estado deve ser mínimo e
interferir o menos possível na vida privada da sociedade. Por outro lado, quem
não tem nada disso, nem encontra na sociedade condições de alcançar por conta
própria esses benefícios, precisa do Estado e – pelo menos em tese – compreende
(porque sente na pele) a sua relevância para a superação das desigualdades.
Conclusão: ser de direita é
um luxo. É como ter o último iphone, trocar de carro a cada seis meses ou
viajar para a Europa três vezes por ano. Ser de direita é para quem pode, não
para quem quer.
Daí sucede que, com a
evolução da humanidade e a superação das mazelas sociais, no futuro todos
seremos de direita. Quando ninguém mais precisar do Estado para obter
moradia, saúde, educação, alimentação, emprego etc., quando o Estado retomar
seu perfil liberal, não haverá mais ninguém de esquerda, e todos nos
regozijaremos entre brindes de Romanée-Conti,
lembrando, sem saudade nenhuma, de quando ainda havia gente de esquerda no
mundo.
Até que isso ocorra,
continuaremos a testemunhar a ascensão do novo direitista, a versão anos 2000
do “novo rico”. Como a socialite que
comenta com a amiga que “enfim a empresa
do Oswaldinho decolou e saímos daquele apartamento minúsculo, horroroso. Agora estamos
bem e finalmente – finalmente! – entramos para a Nova Direita. Um alívio,
querida, um alívio!”
Para o novo direitista, é
absurdo e ilógico que o Estado dê moradia e saúde de graça (“o Oswaldinho se esforçou tanto, agora o
vagabundo quer ganhar isso na moleza?”). Faz sentido. Depois de tanto
esforço para alcançar um status que
lhe permita o luxo de ser de direita, nada pior do que o pavor de
retroceder e ter de “recair na esquerda”, e precisar pensar no que o Estado precisa
fazer para reduzir as desigualdades.
No futuro, ser de esquerda será démodé. Será como a gravata de
teclas de piano ou a macarena, um anacronismo do qual os neodireitistas
caçoarão. Nenhum anjo torto procurará um poeta para lhe dizer: vai ser gauche na vida. Ser de esquerda será vintage. Será, na melhor das hipóteses,
uma extravagância divertida e (principalmente) inofensiva.
É evidente que no futuro
neodireitista os pobres não desaparecerão. Afinal, alguém precisa preparar a mesa, estender as toalhas, lavar os pratos e talheres! Mas serão muito bem
remunerados para isso – os neodireitistas mais otimistas preveem índices
salariais estratosféricos, na casa dos 5% dos salários dos patrões – e, o que é
mais importante, receberão, desde pequenos, a adequada educação da cartilha
neodireitista, aprendendo que o mundo é assim mesmo e que cada um tem o seu
lugar, sendo todos, é claro, igualmente importantes no desempenho de suas
funções sociais.
É certo, também, que um ou
outro desavisado pode não enxergar as benesses de um mundo tão evoluído. Mas
isso não será problema para o projeto neodireitista. À medida que o Estado se
enfraquecer, as forças policiais, destinadas a manter a calma e a ordem, serão
fortalecidas. Eventuais tentativas de perturbar a paz social serão reprimidas
com o rigor que a situação exigir.
Mas tudo isso pressupõe a
superação da pobreza e das desigualdades, que precisará da colaboração do Estado.
Expoentes do pensamento neodireitista já estão elaborando um Manifesto Capitalista que demonstrará que a “ditadura da burguesia”
é uma consequência inevitável da história, que levará ao encolhimento do Estado
e, quem sabe, à sua supressão.
Enquanto o sonho dourado
neodireitista não se torna realidade para todos, temos de admitir que apenas um
esquizofrênico conseguiria ser de direita sem ter garantidos seus direitos (à
saúde, à moradia, ao pleno emprego etc.). Por outro lado, apenas um ingrato alcançaria
todas essas benesses e não migraria alegremente para a direita.
Mas vivemos no Brasil e, como
já dizia Tim Maia, “o Brasil é o único
país onde, além de puta gozar, cafetão ter ciúme e traficante ser viciado,
pobre é de direita”. Por outro lado, felizmente, há muita gente ingrata no
Brasil: gente que estuda, se prepara, ascende na vida e mesmo assim não se
“endireita”. Talvez isso ocorra porque, quanto mais se estuda, se investiga e
se reflete, menos o simplismo burro das direitas convence. Quanto mais se pensa,
menos razoável parece o raciocínio (também típico do neodireitismo) segundo o
qual se EU estou bem, VOCÊ é um problema só seu.
Pois é, talvez hoje em dia ser de
direita seja mesmo um luxo. Mas não ser um completo idiota é mais.