Evidentemente, o resultado das eleições municipais dá espaço às mais diversas interpretações. Esta é só mais uma.
A eleição de Fernando Haddad
para a prefeitura de São Paulo é marcada antes pela derrota do que pela
vitória. Em outras palavras, houve mais uma derrota de José Serra do que
propriamente uma vitória de Fernando Haddad.
Ao contrário do que parte da
imprensa tem afirmado, a vitória de Haddad não representa uma vitória de Lula –
que, embora tenha emplacado seu candidato em São Paulo, não conseguiu eleger
seus apadrinhados em inúmeras outras cidades de cujo segundo turno participou
ativamente.
No segundo turno, Lula
participou de eventos em 12 cidades. Em cinco destas – São Paulo, Salvador,
Cuiabá, Campinas e Taubaté – os candidatos do PT chegaram ao segundo turno em
desvantagem em relação ao concorrente. Apenas em São Paulo – o principal
município do estado que é o principal reduto do PSDB há décadas – a força de
Lula foi suficiente para virar o jogo. Em todas as outras o PT perdeu.
No nordeste, região em que o
carisma de Lula tem mais força, o PT sofreu derrotas significativas. Em
Salvador, a presença de Lula não foi suficiente para evitar a vitória de ACM
Neto. Em Fortaleza, o candidato do PT, Elmano de Freitas, que iniciou o segundo
turno liderando as pesquisas, foi derrotado por Roberto Cláudio.
Também em Diadema, onde a
força do PT sempre foi esmagadora em razão do passado sindical de Lula, o
petista Mario Reali viu o jogo virar e, embora tenha iniciado o segundo turno
como favorito, perdeu para o desconhecido Lauro Michels, do PV.
Portanto, atribuir a vitória
em São Paulo à presença de Lula no segundo turno não me parece uma interpretação correta dos fatos.
Também não vi na campanha de
Haddad nenhuma proposta tão sedutora ou relevante que justificasse a derrubada de Serra, tido como favorito desde o
começo das eleições, numa cidade historicamente simpática ao PSDB.
A única conclusão que me
parece possível é a de que o principal cabo eleitoral de Haddad se chama José
Serra. E por isso afirmo que a eleição em São Paulo foi marcada antes pelo
fracasso da campanha tucana do que pelo sucesso da campanha petista.
Serra perdeu a eleição presidencial em 2010 para uma completa desconhecida do grande público. Um dos
principais erros estratégicos de sua campanha foi tentar vincular sua imagem à
de Lula, esquecendo-se do óbvio fato de que Lula tinha sua própria candidata.
Talvez abalado por isso, de
2010 a 2012 Serra “endireitou”, no pior sentido da palavra. Político de
formação centro-esquerdista, nos últimos dois anos Serra começou a flertar cada
vez mais abertamente com a direita e o conservadorismo. Desde as batidas
discussões sobre aborto à atual aproximação com Silas Malafaia, passando pelo
endosso à fracassada “tática de guerra” que a polícia paulista tem adotado para
enfrentar a criminalidade, Serra tem se afastado de seu passado e adotado um
novo perfil, mais conservador e sectário.
O auge do equívoco
estratégico deu-se na última fase da campanha. Serra, contrariando a opinião de
seus marqueteiros e do próprio PSDB, insistiu na tática dos ataques pessoais,
que as pesquisas já cansaram de demonstrar que não funciona em São Paulo. Nas
últimas semanas, eram poucos os programas políticos de Serra que mostravam propostas efetivas, predominando os ataques a Haddad. A polêmica com o kit gay e os incessantes atritos com
jornalistas não fizeram mais do que piorar uma situação que já estava ruim. A
teimosia e a recusa em trabalhar em grupo já são péssimas para um treinador de
futebol. Para um candidato em queda livre, são fatais.
É claro que seria ingenuidade
supor que a derrota de Serra se deve a apenas um fator. A influência de Lula, o
bom rumo da economia nacional, a “zebra” Russomano, o fato de os marqueteiros
começarem a notar a existência (e a relevância política) das classes mais
baixas, a atual guerra civil entre policiais e bandidos, a rejeição de Kassab,
o mandato interrompido na metade, tudo isso contribuiu, em maior ou menor
medida, para o resultado final. Mas ignorar a relevância da estratégia suicida
de Serra ao longo da campanha seria um erro típico de quem não aprende com as
próprias trapalhadas. Um erro, enfim, típico de Serra, em sua versão atual.
Depois dessa derrota, haverá futuro político para
Serra? Se mantida sua atual orientação política, tudo sugere que não. Mas resta
a esperança de que José Serra reencontre seu eixo político e as raízes ideológicas
que o tornaram uma figura tão relevante para a política brasileira. Nas recentes
palavras do jurista Pedro Serrano: “Serra
é um grande quadro da política nacional, que em muito ajudou na reconstrução
democrática. É uma tristeza ver ele neste lodo direitista e obscurantista de
Malafaias e etc. Minha esperança é que Serra não morra pra política, ao
contrário, que nela sobreviva, que faça autocrítica deste seu erro e que mesmo
na oposição recupere sua dignidade democrática e volte a contribuir com a
consolidação da democracia e exerça seu poder de oposição e crítica sem
precisar apelar para o obscurantismo pseudo-religioso direitista.”
Sábias e ponderadas palavras.
Também torço para que Serra não desapareça politicamente, para que reencontre
seu passado e volte a ser o político que, anos atrás, tanto contribuiu para que o país melhorasse e se tornasse mais democrático. Depende exclusivamente
dele.
São Paulo já deu a Serra a
resposta que ele precisava ouvir. Agora, volta-se para Haddad, que tem a dura
missão de administrar a locomotiva louca e desenfreada que é esta cidade.
Boa sorte a ele, pelo bem de todos nós.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirConcordo plenamente com o que você disse, e acrescento que essa eleição na verdade foi marcada principalmente pelas duas derrotas, a Serra e a do Russomano. Tudo isso, de certa forma, me deixou um pouco feliz em saber que se aproximar de figuras religiosas como o Silas Malafaia, pode trazer mais prejuízo do que votos. Espero que nas próximas eleições, os candidatos optem em pedir o apoio de outras figuras da sociedade, como presidentes do sindicato dos professores, médicos, pedreiros, e quaisquer outros profissionais de relevância que não estejam vinculados a nem uma religião. Afinal de contas, todos nós sabemos que a sociedade não é laica, mas o estado (em tese) é!
ResponderExcluirPortanto a politica deve ser feita bem longe das igrejas. Meu desejo (mas acho bem difícil que isso ocorra) é que pedir apoio a um líder religioso, seja tão mal visto como hoje é pedir apoio ao Maluf.
Além do mais eu acho meio obvio que sempre vai existem as religiões “da oposição”, não tem como o mesmo sujeito dizer com seriedade que ele acredita em todas as religiões, porque elas são conflitantes ( com já dizia Richar Dawkins, “todos nós somos ateus, só que alguns de nós somos ateus a apenas mais um deus que os outros”).
Demonstrar que aquele político é a favor daquela seita é indiretamente dizer que ele não acredita PLENAMENTE na outra. O que pode ser uma estratégia ridícula, porque o próprio religioso fanático (que está do lado da religião protegida) pode achar que o político não faz mais que obrigação do que estar de aceitar aquilo como verdade, mas COM CERTEZA o religioso fanático do outro lado vai querer aquele cara bem longe do governo e existe uma grande chance de ele lutar contra a eleição daquele candidato. Assim, acredito que o melhor seria que quando alguém perguntasse quais são convicções do político, o sujeito simplesmente soltasse aquela famosa frase, a lá Russomano: vamos parar com esse assunto, e vamos falar dos problemas da cidade?