Lula, um leitor de mangás? |
O mundo virtual é como o mar – algumas coisas vêm e vão, “num indo e vindo infinito”, como diria Lulu Santos.
Na
semana passada, recebi duas vezes pela internet a famosa foto de Lula lendo um
livro de Paulo Coelho de cabeça para baixo, uma crítica à burrice do
ex-presidente.
Embora
a falsidade da foto já tenha sido apontada inúmeras vezes, como a internet é um
terreno sem memória, mais uma vez a imagem ganha as redes e se espalha.
A
foto original foi postada por Paulo Coelho em sua conta no Twitter, em agosto
de 2010. Paulo Coelho, com razão, celebrou o fato de o ex-presidente estar com seu livro então recém-lançado, O Aleph.
Algum malandro editou a foto e o resultado foi a fraude divulgada pelos
críticos de Lula. Para quem gosta de malhar o ex-presidente, foi um prato
cheio.
Curiosamente,
nenhuma das grandes mentes que divulgaram essa prova da burrice de Lula se deu
conta de que, se ela fosse verdadeira, a capa do livro estaria no
lugar da contracapa. O livro teria de ter sido escrito em árabe, ou ser um
mangá, para que pudesse ser lido de trás para frente. Como se não bastasse, a
lombada do livro não foi invertida como a capa.
Mas
nada disso importou àqueles que vivem buscando provas de que Lula é um sujeito
muito, muito burro. A imagem rodou em 2010, foi devidamente desmentida e agora,
em 2012, parece estar rodando novamente.
Não
pretendo aqui fazer nenhuma análise de Lula, nem dos (muitos) méritos e
(muitos) deméritos do seu governo. O que me interessa é a percepção pública da
figura do ex-presidente, e como uma ideia cretina a seu respeito lhe deu o melhor
argumento para se blindar contra críticas.
A foto original, postada por Paulo Coelho no Twitter. |
De
acordo com o Aurélio, burrice
significa “falta de inteligência”. Não é, portanto, a mesma coisa que não ter
instrução. Burrice diz respeito à falta de capacidade intelectiva, e
não à falta de estudo ou de educação formal. Lula tem muitas qualidades e
muitos defeitos. A burrice não é um deles.
Fala-se
muito na imprensa sobre o lulismo. Mas sua contraparte, o antilulismo, é raramente
mencionada.
O
antilulismo é um sentimento muito parecido com aquele ódio patológico que
certos corintianos sentem em relação ao Palmeiras e vice-versa. Para essa
turma, ver o time adversário perder (mesmo que não seja para o seu time) é
melhor do que ver o próprio time ganhar. O antilulismo é assim: não importa o
que Lula fizer, estará sempre errado, será sempre um argumento a seu desfavor.
O
melhor exemplo disso são às críticas à sua política econômica. Muitos
detratores de Lula o censuram porque, ao assumir o governo em 2003, ele
não se afastou muito dos parâmetros adotados no campo econômico por FHC no governo anterior. Claro
que se Lula tivesse seguido qualquer outro caminho na economia a crítica seria
ao fato de ter abandonado uma estratégia que estava dando certo... em outras
palavras, para os antilulistas, Lula jamais conseguiria acertar, pois o erro
estava no fato de ele ocupar a presidência.
Atribuir
ao ex-presidente o defeito da burrice é fechar os olhos para a realidade: Lula
teve uma infância miserável, tornou-se uma força política imensa nos anos 80 e
ajudou a fundar um dos partidos mais importantes da atualidade, o PT. Foi
eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006. No final de 2010, o índice de
aprovação de seu governo era de 83% segundo o Datafolha, o que lhe possibilitou
eleger uma sucessora completamente desconhecida do público. Apesar de todas as
denúncias de corrupção que desabaram sobre seu partido nos últimos anos, a
oposição não conseguiu vincular concretamente o nome de Lula a nenhuma delas. Lula
é admirado pela maioria dos líderes europeus e Barak Obama, em 2009, disse que
Lula “é o cara”. É possível imaginar que uma pessoa intelectualmente limitada,
incapaz de analisar a realidade a seu redor, conseguisse realizar esses feitos?
Apesar
disso, o antilulismo insiste na imagem de um Lula burro, confundindo sua falta
de educação formal com falta de capacidade intelectual.
O
problema do antilulismo é que fornece a Lula uma blindagem contra críticas mais
objetivas. Lula sempre usou – aliás, de forma muito inteligente – o argumento
do “preconceito das elites” para rebater qualquer crítica ou questionamento ao
seu governo. Qualquer análise mais atenta demonstra que, ao invocar o
“preconceito das elites”, Lula muitas vezes deixou de responder ao que lhe fora
perguntado. Não houve crítica a Lula que não tenha sido rebatida com a alegação
de que “as elites não suportam ver um torneiro mecânico na presidência.”
Seria
um argumento muito fácil de refutar – se não fosse verdade. O antilulismo – que
não se confunde com as muitas críticas justificadas aos oito anos do governo
Lula, feitas por gente capacitada e ponderada – é exatamente isso: é errado porque é Lula,
porque é “burro” (ou “um nordestino burro”, na forma extremada de antilulismo),
porque não é um sociólogo e professor da Universidade de Paris, como FHC.
E
porque esse preconceito existe, Lula, que de burro não tem nada, faz uso dele
sempre que lhe é conveniente, valha ou não o argumento para a situação (e muitas vezes vale).
Enquanto
isso, a intelligentzia antilulista se apega a factóides como a montagem
tosca e fisicamente impossível de Lula
lendo Paulo Coelho de cabeça para baixo para mostrar o tamanho da burrice do
ex-presidente.
Quem
é o burro mesmo?
Excelente Artigo, bem humorado e realista.... Parabéns Rene.
ResponderExcluirObrigado, Augusto. Um abraço!
ResponderExcluirUm artigo ótimo, com boas reflexões, fazendo os leitores colocarem as suas cabeças para funcionar um pouco Rs. Parabéns Professor.
ResponderExcluirObrigado, Leandro. A ideia é essa mesmo (rs). Um abraço!
ResponderExcluirQuero só ver o que estão pensando agora os analfabetos funcionais que acreditaram nessas mentiras, quando temos um presidente patético, entreguista, ignorante, sem carisma, que foi aos Estados Unidos pago com o dinheiro do contribuinte para entregar a base de Alcântara de mão beijada para os americanos, para dar força para a construção do muro na fronteira com o México, para falar mal dos brasileiros que moram ilegalmente nos Estados Unidos (muitos dos quais votaram nele!), e voltar para o Brasil de mãos vazias, sem nenhum acordo comercial que nos beneficie, só puxação de saco e nada mais.
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