segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A burrice de Lula e o antilulismo

Lula, um leitor de mangás?


            O mundo virtual é como o mar – algumas coisas vêm e vão, “num indo e vindo infinito”,  como diria Lulu Santos.
            Na semana passada, recebi duas vezes pela internet a famosa foto de Lula lendo um livro de Paulo Coelho de cabeça para baixo, uma crítica à burrice do ex-presidente.
            Embora a falsidade da foto já tenha sido apontada inúmeras vezes, como a internet é um terreno sem memória, mais uma vez a imagem ganha as redes e se espalha.
            A foto original foi postada por Paulo Coelho em sua conta no Twitter, em agosto de 2010. Paulo Coelho, com razão, celebrou o fato de o ex-presidente estar com seu livro então recém-lançado, O Aleph. Algum malandro editou a foto e o resultado foi a fraude divulgada pelos críticos de Lula. Para quem gosta de malhar o ex-presidente, foi um prato cheio.
            Curiosamente, nenhuma das grandes mentes que divulgaram essa prova da burrice de Lula se deu conta de que, se ela fosse verdadeira, a capa do livro estaria no lugar da contracapa. O livro teria de ter sido escrito em árabe, ou ser um mangá, para que pudesse ser lido de trás para frente. Como se não bastasse, a lombada do livro não foi invertida como a capa.
            Mas nada disso importou àqueles que vivem buscando provas de que Lula é um sujeito muito, muito burro. A imagem rodou em 2010, foi devidamente desmentida e agora, em 2012, parece estar rodando novamente.
            Não pretendo aqui fazer nenhuma análise de Lula, nem dos (muitos) méritos e (muitos) deméritos do seu governo. O que me interessa é a percepção pública da figura do ex-presidente, e como uma ideia cretina a seu respeito lhe deu o melhor argumento para se blindar contra críticas.
A foto original, postada por Paulo Coelho no Twitter.
            De acordo com o Aurélio, burrice significa “falta de inteligência”. Não é, portanto, a mesma coisa que não ter instrução. Burrice diz respeito à falta de capacidade intelectiva, e não à falta de estudo ou de educação formal. Lula tem muitas qualidades e muitos defeitos. A burrice não é um deles.
            Fala-se muito na imprensa sobre o lulismo. Mas sua contraparte, o antilulismo, é raramente mencionada.
            O antilulismo é um sentimento muito parecido com aquele ódio patológico que certos corintianos sentem em relação ao Palmeiras e vice-versa. Para essa turma, ver o time adversário perder (mesmo que não seja para o seu time) é melhor do que ver o próprio time ganhar. O antilulismo é assim: não importa o que Lula fizer, estará sempre errado, será sempre um argumento a seu desfavor.
            O melhor exemplo disso são às críticas à sua política econômica. Muitos detratores de Lula o censuram porque, ao assumir o governo em 2003, ele não se afastou muito dos parâmetros adotados no campo econômico por FHC no governo anterior. Claro que se Lula tivesse seguido qualquer outro caminho na economia a crítica seria ao fato de ter abandonado uma estratégia que estava dando certo... em outras palavras, para os antilulistas, Lula jamais conseguiria acertar, pois o erro estava no fato de ele ocupar a presidência.
            Atribuir ao ex-presidente o defeito da burrice é fechar os olhos para a realidade: Lula teve uma infância miserável, tornou-se uma força política imensa nos anos 80 e ajudou a fundar um dos partidos mais importantes da atualidade, o PT. Foi eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006. No final de 2010, o índice de aprovação de seu governo era de 83% segundo o Datafolha, o que lhe possibilitou eleger uma sucessora completamente desconhecida do público. Apesar de todas as denúncias de corrupção que desabaram sobre seu partido nos últimos anos, a oposição não conseguiu vincular concretamente o nome de Lula a nenhuma delas. Lula é admirado pela maioria dos líderes europeus e Barak Obama, em 2009, disse que Lula “é o cara”. É possível imaginar que uma pessoa intelectualmente limitada, incapaz de analisar a realidade a seu redor, conseguisse realizar esses feitos?
            Apesar disso, o antilulismo insiste na imagem de um Lula burro, confundindo sua falta de educação formal com falta de capacidade intelectual.
            O problema do antilulismo é que fornece a Lula uma blindagem contra críticas mais objetivas. Lula sempre usou – aliás, de forma muito inteligente – o argumento do “preconceito das elites” para rebater qualquer crítica ou questionamento ao seu governo. Qualquer análise mais atenta demonstra que, ao invocar o “preconceito das elites”, Lula muitas vezes deixou de responder ao que lhe fora perguntado. Não houve crítica a Lula que não tenha sido rebatida com a alegação de que “as elites não suportam ver um torneiro mecânico na presidência.”
            Seria um argumento muito fácil de refutar – se não fosse verdade. O antilulismo – que não se confunde com as muitas críticas justificadas aos oito anos do governo Lula, feitas por gente capacitada e ponderada – é exatamente isso: é errado porque é Lula, porque é “burro” (ou “um nordestino burro”, na forma extremada de antilulismo), porque não é um sociólogo e professor da Universidade de Paris, como FHC.
            E porque esse preconceito existe, Lula, que de burro não tem nada, faz uso dele sempre que lhe é conveniente, valha ou não o argumento para a situação (e muitas vezes vale).
            Enquanto isso, a intelligentzia antilulista se apega a factóides como a montagem tosca e fisicamente impossível de Lula lendo Paulo Coelho de cabeça para baixo para mostrar o tamanho da burrice do ex-presidente. 
            Quem é o burro mesmo?

5 comentários:

  1. Excelente Artigo, bem humorado e realista.... Parabéns Rene.

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  2. Um artigo ótimo, com boas reflexões, fazendo os leitores colocarem as suas cabeças para funcionar um pouco Rs. Parabéns Professor.

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  3. Obrigado, Leandro. A ideia é essa mesmo (rs). Um abraço!

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  4. Quero só ver o que estão pensando agora os analfabetos funcionais que acreditaram nessas mentiras, quando temos um presidente patético, entreguista, ignorante, sem carisma, que foi aos Estados Unidos pago com o dinheiro do contribuinte para entregar a base de Alcântara de mão beijada para os americanos, para dar força para a construção do muro na fronteira com o México, para falar mal dos brasileiros que moram ilegalmente nos Estados Unidos (muitos dos quais votaram nele!), e voltar para o Brasil de mãos vazias, sem nenhum acordo comercial que nos beneficie, só puxação de saco e nada mais.

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