sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Quem não aprende

Cena do filme The Wall (1982). Para alguns
professores, não há diferença entre
a escola e um moedor de carne.


            Num dos primeiros posts deste blog, "Quem ensina, quem aprende", comentei o caso da estudante Isadora Faber, de 13 anos, criadora da página Diário de Classe – A Verdade no Facebook, na qual os problemas da sua escola eram publicados e comentados. Tratei da postura dos professores, funcionários e da própria diretoria, que tentaram impedir Isadora de continuar a expor as falhas estruturais da escola, chegando mesmo a ameaçá-la. Diante da repercussão negativa, a escola voltou atrás e a Secretaria de Educação de Santa Catarina passou a adotar providências para resolver os problemas. Escrevi na ocasião que “Isadora, que foi à escola para aprender, acabou ensinando.”
            Mas algumas pessoas simplesmente são incapazes de aprender o que quer que seja.
            Na última terça-feira, 18 de setembro, Isadora foi obrigada a comparecer à delegacia de polícia para prestar depoimento, pois uma professora de português a acusou de calúnia e difamação. Segundo a Folha de São Paulo, a professora registrou um boletim de ocorrência contra a aluna por conta de um comentário feito em 24 de agosto. Transcrevo a parte do comentário que irritou a professora:

Hoje a professora de português Queila, preparou uma aula para me “humilhar” na frente dos meus colegas, a aula falava sobre política e internet, ela falava que ninguém podia falar da vida dos professores, porque nós podíamos ter feito muitas coisas erradas pra eles odiarem e etc. Eu acho que a maioria dos meus colegas entenderam o recado “para mim”. (...) Confesso que fiquei muito triste...
Cena do filme The Wall (1982). Os alunos dos
sonhos de professores autoritários e despreparados.

A mãe de Isadora afirmou à Folha que a menina ficou assustada ao receber a intimação, mas que foi muito bem tratada na delegacia e voltou para casa contente. Disse ainda que antes de receber a intimação para comparecer à delegacia a família já havia conversado com a professora e tudo havia sido resolvido.
Como a professora não fez uma representação criminal após o boletim da ocorrência, providência necessária para que o inquérito policial siga em frente, o processo deve ser arquivado.
Independentemente do resultado, a decisão da professora impressiona não só pelo autoritarismo, como pela burrice.
Calúnia e difamação são dois crimes não só diferentes como incompatíveis. Caluniar é atribuir falsamente a alguém a responsabilidade por fato definido como crime (art. 138 do Código Penal). Ou seja, não basta afirmar que alguém cometeu um crime, é preciso também que a afirmação seja falsa. Isadora apenas descreveu o que a professora afirmou em aula, afirmando que a intenção da professora era humilhá-la. O fato não era falso e mesmo se fosse verdadeiro não constituiria crime. Difamar é atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação (art. 139 do Código Penal). Seria até possível processar Isadora por difamação – se ela não tivesse 13 anos. No Brasil, apenas maiores de 18 anos podem responder a processos criminais.
Mas a burrice maior da professora está em exibir sua intolerância e seu autoritarismo contra Isadora não só na aula, mas posteriormente, na delegacia, num momento em que o Diário de Classe já ganhava projeção nacional.
Qualquer professor está sujeito a críticas e a interpretações variadas de suas palavras. A dinâmica da aula pressupõe, em regra, um emissor e diversos receptores da mesma mensagem. Quem não está preparado para os problemas que surgem dessa relação – interpretações equivocadas, críticas etc. – simplesmente não tem condições de lecionar. Isso vale para todos, mas a situação é muito pior quando se trata de um adulto lecionando para crianças.
A situação é a seguinte: a criança faz uma crítica ao adulto na internet. Como ele resolve? Conversa com a criança? Tenta explicar que não quis dizer o que a criança entendeu? Não. Vai até a delegacia e faz um boletim de ocorrência.
Ensinar significa mais do que conhecer a matéria a ser transmitida. Toda aula consiste numa relação intersubjetiva bastante complexa e plural. Ainda que essa professora conheça de cor toda a matéria que lhe cabe lecionar, está claro o seu despreparo para lidar com os alunos. Que ela continue a exercer a profissão após a divulgação dessa cretinice (que, mesmo que seja um fato isolado, diz muito sobre sua personalidade e seu caráter) é algo espantoso.
Eu gostaria de terminar esse post afirmando que mais uma vez Isadora ensinou ao invés de aprender. Mas não seria verdade. Como já dito, algumas pessoas simplesmente não aprendem.
            

3 comentários:

  1. Li isso na página e fiquei pasma, primeiro porque eu já tinha quase certeza que a menina sofreria esse tipo de coisa após a repercussão que o Diário de Classe teve, porém não poderia imaginar que uma professora, uma ADULTA denunciaria uma criança.

    Concordo com você, existem pessoas que realmente não aprendem e não aceitam aprender também. É um fato que eu estou até agora tentando entender, porque é difícil acreditar que as coisas chegaram a esse ponto.

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  2. Realmente é um fato para rechaçarmos, tendo em vista que a criança criou uma página na internet para divulgar os problemas estruturais, mas o cerne da questão vai muito além de uma mera manutenção, de uma reforma, de recursos para suprir essas falhas.
    O problema em si está em torno do despreparo de um docente para com uma criança, que se sentiu reprimida e, externou sua opinião nas redes sociais, sendo um momento de desabafo perante o autoritarismo apresentado na ocasião, que por sua vez foi enquadrado pela professora como "crime" - calúnia e difamação.
    Já dissera o educador Paulo Freire em sua crítica sobre à educação bancária, que professores depositam intencionalmente ou não "conhecimentos" em contas (mentes) vazias de alunos, que as recebem passivamente, e tornam-se discentes acomodados, não questionadores, que aceitam tacitamente o tal "conhecimento" em prol da ignorância (falta de conhecimento). E quando se rechaça tal hipótese é caracterizada por crime??? Quem é a mente vazia da vez??? Ótimo post, acompanho e leio todos, parabéns pela iniciativa!!! Abs. Lucas

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  3. Obrigado, Lucas e Fran. A percepção de vocês é similar à minha - a despeito dos demais aspectos do problema, a incapacidade do adulto para lidar com uma situação envolvendo uma criança é o que mais choca, ainda mais quando esse adulto é um professor. Preocupante, muito preocupante.

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