sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O mistério de Kassab



            Gilberto Kassab é um mistério. Com tudo de pitoresco e de peculiar que São Paulo já teve na prefeitura, nada se compara a ele.
            Kassab é um mistério porque São Paulo nunca teve um prefeito tão determinado a cometer suicídio político. A busca de Kassab pela impopularidade é quase patológica.
            Nosso prefeito sempre teve uma veia conservadora. Ele iniciou a vida política no PL (atual PR), mudando depois para o PFL (atual DEM), e finalmente fundando o PSD em 2011 – o partido que, nas suas próprias palavras, “não é de direita, nem de esquerda, nem de centro”, mas que, de acordo com os “princípios e valores” constantes de seu site, defende "a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento, sem os quais não se erradica a pobreza. Acreditamos num estado forte, regulador, mas democrático e centrado nas suas prioridades sociais."
            E embora Kassab tenha despencado na cadeira da prefeitura por um acaso – a renúncia de Serra para concorrer ao governo, em 2006 – , ele teve habilidade suficiente para passar de completo desconhecido do público a prefeito reeleito com 60,72% dos votos, em apenas dois anos. Façanha nada desprezível.
            Mas como disse um aluno meu um dia desses, “o Kassab do pré-venda é um e o do pós-venda é outro”.
            É lição política bem antiga – pelo menos desde 60 a.C., quando Pompeia se encrencou por causa de Clódio, mesmo sendo inocente – que a mulher de César precisa não só ser honesta, como também parecer honesta. Maquiavel foi mais longe: nem precisa ser honesto, basta parecer. Em outras palavras, desde sempre se sabe que a imagem do político muitas vezes fala mais ao eleitorado do que suas ações. Kassab sabe disso – tanto que conseguiu a proeza de ser reeleito sem ter sido eleito. Como explicar, então, a estratégia suicida do mandato 2009-2012?
            Rememorando alguns fatos do pós-venda de Kassab:
            Em setembro de 2009, a prefeitura decidiu cortar uma das cinco refeições servidas nas escolas públicas. A reação popular foi tão negativa que a prefeitura voltou atrás. No mesmo mês, a prefeitura tentou reduzir em 10% o repasse de verbas para o recolhimento de lixo na cidade (felizmente, ninguém sugeriu que o lixo excedente fosse servido como a quinta refeição que a prefeitura pretendia cortar...). Antes, a varrição das ruas e o recolhimento de entulhos já tinham sofrido cortes. Ainda em 2009, a prefeitura aumentou os gastos com publicidade institucional em 300%. Em 2010, Kassab proibiu que a população desse dinheiro aos artistas de rua (categoria que atua livremente em qualquer cidade grande do mundo civilizado, como o prefeito deve saber).
            Apesar dessas trapalhadas, em 2011 Kassab deu uma tacada política certeira ao criar o PSD, que já nasceu com a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados. Com essa jogada, Kassab tornou-se uma peça relevante no xadrez político e passou a ser cortejado por partidos que buscavam seu apoio.
            Mas parece que em 2012 o estoque de Rivotril do prefeito acabou e ele resolveu liberar sua Sarah Palin interior. Os últimos meses foram marcados por decisões que beiram o fascismo.
Jânio Quadros. Modelo e inspiração?
            Nosso prefeito sempre gostou de proibir. Sua maior inspiração parece ter sido Jânio Quadros, que proibiu o skate no Parque do Ibirapuera, o biquíni nos concursos de miss, o rock nos bailes estaduais, o lança-perfume nos carnavais e a apresentação de espetáculos de hipnose em lugares públicos (!), dentre outras coisas. O espaço aqui é insuficiente para falar de tudo o que Kassab já proibiu em São Paulo ao longo de sua gestão, de ovos moles em padarias e gritos de feirantes a doação de lixo para reciclagem. Se Caetano Veloso tivesse composto É proibido proibir, de 1968, durante a gestão Kassab, a prefeitura certamente proibiria sua execução.
Mas 2012 ficará na lembrança dos paulistanos como o ano em que as proibições atingiram o ápice da desumanidade.
            Em junho, a prefeitura tentou proibir a distribuição de sopa aos moradores de rua do Centro, ameaçando processar, inclusive criminalmente, quem descumprisse a proibição. “Kassab não é louco de fazer isso”, disse na ocasião um morador de rua. Sim, ele é. Só não o fez porque 1) a medida seria ilegal (o então Secretário de Segurança Urbana não soube responder como dar sopa a moradores de rua poderia constituir um crime); e 2) a reação pública foi tão ruim que a prefeitura voltou atrás. A Secretaria de Seguraça Urbana, aliás, tentou também impedir o uso de tripés de câmeras na Praça da Sé sem autorização, e mais uma vez voltou atrás diante da repercussão negativa. Recentemente, atendendo aos apelos da parcela mais reacionária da população, a prefeitura “limpou” o Largo São Francisco, “varrendo” os mendigos que se amontoavam em frente à Faculdade de Direito da USP e incomodavam os bem-nascidos frequentadores das Arcadas (ao "estilo Cracolândia"). Anteontem, a ONG Educa São Paulo foi proibida pela Guarda Civil Metropolitana de distribuir – notem bem, de doar – 8.000 livros no Viaduto do Chá.
Nem mesmo o mais sectário, o mais conservador, o mais ranheta dos cidadãos há de concordar com uma gestão que proíbe as pessoas de doar comida a moradores de rua (no inverno, ainda por cima) e de doar livros à população.
Volto ao início. O suicídio político de Kassab é um mistério. Ele já demonstrou habilidade política ao se reeleger e ao criar o PSD. Não é, portanto, nenhum imbecil (tem, aliás, uma formação acadêmica invejável). Sabe, portanto, que as medidas que seus secretários tomam refletem na sua pessoa. Por que, então, permite e aceita a criação da imagem de uma gestão fascista?
O índice de rejeição de Kassab já está em 48%. Ainda não alcançou Jânio Quadros (66%) e Celso Pitta (83%). Mas se continuar se esforçando desse jeito, em breve teremos um novo recordista de impopularidade.  





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