Gilberto Kassab é um mistério. Com
tudo de pitoresco e de peculiar que São Paulo já teve na prefeitura, nada se
compara a ele.
Kassab
é um mistério porque São Paulo nunca teve um prefeito tão determinado a cometer
suicídio político. A busca de Kassab pela impopularidade é quase patológica.
Nosso
prefeito sempre teve uma veia conservadora. Ele iniciou a vida política no PL (atual PR), mudando
depois para o PFL (atual DEM), e finalmente fundando o PSD em 2011 – o partido
que, nas suas próprias palavras, “não é de direita, nem de esquerda, nem de
centro”, mas que, de acordo com os “princípios e valores” constantes de seu site, defende "a iniciativa e a propriedade privadas, a economia de mercado como o regime capaz de gerar riqueza e desenvolvimento, sem os quais não se erradica a pobreza. Acreditamos num estado forte, regulador, mas democrático e centrado nas suas prioridades sociais."
E
embora Kassab tenha despencado na cadeira da prefeitura por um acaso – a
renúncia de Serra para concorrer ao governo, em 2006 – , ele teve habilidade
suficiente para passar de completo desconhecido do público a prefeito reeleito
com 60,72% dos votos, em apenas dois anos. Façanha nada desprezível.
Mas
como disse um aluno meu um dia desses, “o Kassab do pré-venda é um e o do
pós-venda é outro”.
É
lição política bem antiga – pelo menos desde 60 a.C., quando Pompeia se
encrencou por causa de Clódio, mesmo sendo inocente – que a mulher de César
precisa não só ser honesta, como também parecer honesta. Maquiavel foi mais
longe: nem precisa ser honesto, basta parecer. Em outras palavras, desde sempre
se sabe que a imagem do político muitas vezes fala mais ao eleitorado do que
suas ações. Kassab sabe
disso – tanto que conseguiu a proeza de ser reeleito sem ter sido eleito. Como
explicar, então, a estratégia suicida do mandato 2009-2012?
Rememorando
alguns fatos do pós-venda de Kassab:
Em
setembro de 2009, a prefeitura decidiu cortar uma das cinco refeições servidas
nas escolas públicas. A reação popular foi tão negativa que a prefeitura voltou
atrás. No mesmo mês, a prefeitura tentou reduzir em 10% o repasse de verbas
para o recolhimento de lixo na cidade (felizmente, ninguém sugeriu que o lixo
excedente fosse servido como a quinta refeição que a prefeitura pretendia
cortar...). Antes, a varrição das ruas e o recolhimento de entulhos já tinham
sofrido cortes. Ainda em 2009, a prefeitura aumentou os gastos com publicidade
institucional em 300%. Em 2010, Kassab proibiu que a população desse dinheiro
aos artistas de rua (categoria que atua livremente em qualquer cidade grande do
mundo civilizado, como o prefeito deve saber).
Apesar
dessas trapalhadas, em 2011 Kassab deu uma tacada política certeira ao criar o
PSD, que já nasceu com a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados. Com
essa jogada, Kassab tornou-se uma peça relevante no xadrez político e passou a
ser cortejado por partidos que buscavam seu apoio.
Mas
parece que em 2012 o estoque de Rivotril do prefeito acabou e ele resolveu
liberar sua Sarah Palin interior. Os últimos meses foram marcados por decisões que beiram o fascismo.
Jânio Quadros. Modelo e inspiração? |
Mas 2012 ficará na lembrança
dos paulistanos como o ano em que as proibições atingiram o ápice da
desumanidade.
Em junho, a prefeitura tentou
proibir a distribuição de sopa aos moradores de rua do Centro, ameaçando
processar, inclusive criminalmente, quem descumprisse a proibição. “Kassab não
é louco de fazer isso”, disse na ocasião um morador de rua. Sim, ele é. Só não
o fez porque 1) a medida seria ilegal (o então Secretário de Segurança Urbana
não soube responder como dar sopa a moradores de rua poderia constituir um
crime); e 2) a reação pública foi tão ruim que a prefeitura voltou atrás. A Secretaria de Seguraça Urbana, aliás, tentou também impedir o uso de tripés de câmeras na Praça da Sé sem autorização, e mais uma vez voltou atrás diante da repercussão negativa. Recentemente, atendendo aos apelos da parcela mais reacionária da população, a
prefeitura “limpou” o Largo São Francisco, “varrendo” os mendigos que se
amontoavam em frente à Faculdade de Direito da USP e incomodavam os
bem-nascidos frequentadores das Arcadas (ao "estilo Cracolândia"). Anteontem, a ONG Educa São Paulo foi
proibida pela Guarda Civil Metropolitana de distribuir – notem bem, de doar – 8.000 livros no Viaduto do Chá.
Nem mesmo o mais sectário, o
mais conservador, o mais ranheta dos cidadãos há de concordar com uma gestão
que proíbe as pessoas de doar comida a moradores de rua (no inverno, ainda por
cima) e de doar livros à população.
Volto ao início. O suicídio
político de Kassab é um mistério. Ele já demonstrou habilidade política ao se
reeleger e ao criar o PSD. Não é, portanto, nenhum imbecil (tem, aliás, uma
formação acadêmica invejável). Sabe, portanto, que as medidas que seus
secretários tomam refletem na sua pessoa. Por que, então, permite e aceita a criação da imagem de uma gestão fascista?
O índice de rejeição de
Kassab já está em 48%. Ainda não alcançou Jânio Quadros (66%) e Celso Pitta
(83%). Mas se continuar se esforçando desse jeito, em breve teremos um novo
recordista de impopularidade.
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