Neste 7 de setembro, eu me pergunto se as escolas brasileiras continuam a contar a história da independência como eu a aprendi. Espero que não.
A versão dos fatos que meus professores contaram remete ao célebre quadro de Pedro Américo, Independência ou Morte, que mostra um D. Pedro I erguendo altivo sua espada e bradando o conhecido grito da independência, montado em um garboso alazão e cercado por sua guarda de honra, a partir de então chamada de "Dragões da Independência". Uma imagem repetida no filme homônimo de 1972, com um então jovem Tarcísio Meira no papel de D. Pedro, dando o que entrou para a história como "o brado da independência" – produto do ufanismo militar e uma pérola kitsch (http://www.youtube.com/watch?v=mheime48ibA).
Bem, hoje é fato conhecido que as coisas não ocorreram desse jeito. Sabe-se que D. Pedro não estava num cavalo portentoso, e sim numa mula, forma de transporte mais adequada (embora menos pomposa) para subir a Serra do Mar naqueles tempos. Também se sabe que D. Pedro estava com diarreia desde que a comitiva partira de Santos, o que não deve ter melhorado seu humor. O desconforto físico deve ter contribuído para a reação exasperada do então Príncipe Regente, ao receber as mensagens de José Bonifácio e D. Leopoldina. E, embora haja alguma controvérsia a respeito, é quase certo que D. Pedro não gritou "independência ou morte" quando decretou o rompimento com Portugal.
Portanto, embora o fato não costume ser mencionado, parece que uma diarreia teve seu papel na independência do Brasil. Como nação, nascemos em meio a uma crise de dor de barriga do nosso primeiro rei.
A reescrita da história não é privilégio dos brasileiros. De Júlio César a Nicolau Ceausescu (que disfarçava a baixa estatura só permitindo que o fotografassem sobre plataformas, como, aliás, ACM Neto andou fazendo num debate recente), passando por Hitler e Stalin, a história registra inúmeros casos de tentativas de governantes e poderosos de tornar os fatos históricos mais favoráveis ao seus intersses. A ditadura militar tentou reescrever a história desde o primeiro dia do golpe de 64, que se deu em 1º de abril, dia da mentira. Os militares, para evitar qualquer tentativa de relacionar o golpe à data (homenageando-a assim involuntariamente) passaram a afirmar que a "revolução" ocorrera em 31 de março.
Nem sempre a mentira oculta uma intenção maliciosa ou ilícita. Às vezes trata-se de pura glamourização do fato, como no caso do brado da independência. Já adulto aprendi que, ao contrário do que me diziam os livros escolares, Tiradentes não era parecido fisicamente com Jesus Cristo. Aliás, Jesus Cristo (que não nasceu em 25 de dezembro) também não era fisicamente parecido com Jesus Cristo. Há alguns anos, estudos demonstraram que, na Galileia de 2000 anos atrás, dificilmente Jesus seria loiro, de feições delicadas e olhos claros, como foi (e continua a ser) retratado tantas vezes em pinturas, filmes, esculturas etc. Nas simulações divulgadas pela imprensa, seu biotipo lembrava o de Lula (Lula com certeza concordaria; FHC, diante dessa minha comparação, provavelmente diria: "não, eu não me pareço com o Lula...").
Outras vezes, o erro vem da desinformação pura e simples. É assustadora a quantidade de pessoas que conheço, que pensam que a Família Real morava no Museu do Ipiranga, cuja construção foi iniciada em 1884 (exatos 50 anos após a morte de D. Pedro I) e terminou em 1890, quando o Brasil já era uma república. Para constar: sempre foi um museu. Nunca foi casa de ninguém.
Sejam quais forem as razões dessas mentiras históricas, espero, nesse 190º aniversário da nossa independência, que a história ensinada nas escolas tenha mais a ver com o que de fato aconteceu do que com o que gostaríamos que tivesse acontecido. E constato que, passados quase dois séculos, muito do que ocorre na política nacional ainda parece ser o resultado de dores de barriga dos nossos governantes.
Somos fruto do desespero de um português com vontade de cagar, montado numa mula e cercado de jagunços. Estamos falando do Brasil colonia, tornando-se Império, ou dos dias de hoje?
ResponderExcluirParabéns pelo texto, gosto da forma como você aborda os temas aqui no blog.
ResponderExcluirNo meu ensino fundamental sempre me ensinaram a história da clichê da Independência do Brasil, a primeira vez que ouvi essa da dor de barriga foi no 3º ano do Ensino Médio hahaahhaa
Permanece a dúvida, Vini...
ResponderExcluirFran, pelo menos no 3º ano você foi apresentada à versão menos fantasiosa dos fatos. Isso ainda não ocorre na maioria das escolas. O negócio é torcer para que a educação melhore e esse quadro bisonho mude.
eu gostei mais ou menos dece quadro e dese site
ResponderExcluirÓtimo! Adorei saber. Vou usar essa informação, com devidos créditos no Face. Seguindo, desde já. Interessante esse blog, gostei. Obrigado.
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